sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Partilhando Leituras # 1

O meu dilema era terrível. O meu primeiro impulso ia no sentido daquela ideia generalizada de que a polícia, ao contrário de nós, se servia muito pouco de microfones e escutas telefónicas. Aquilo a que erradamente chamavam os seus inquéritos discretos limitavam-se a importunar os vizinhos, os comerciantes e os gerentes dos bancos, mas detinham-se perante a reserva suscitada pela vigilância electrónica. Ou, pelo menos, nós assim pensávamos. Decidi refugiar-me no passado distante.
 -- Tanto quanto me lembro, foi naquela ocasião em que o Larry se estava a despedir publicamente do socialismo da ala esquerda e quis que os amigos participassem também – disse eu.
     Continuando sentado junto da lareira, Luck levou ao queixo a mão esguia, como se subitamente sentisse uma nevralgia.
  -- Estamos a falar do socialismo russo? – perguntou na sua voz soturna.
  -- Do socialismo que quiser. Ele estava a desradicalizar-se…a expressão é dele…e precisava de ter os amigos a assistir.
  -- Ora e quando é que isso teria sido exactamente, Mr. Cranmer?  -- perguntou Bryant do outro lado.
  -- Há uns dois anos. Mais. Foi quando ele se desligou do passado antes de concorrer ao lugar na Universidade.
  --  Novembro de 92 – disse Luck.
  -- Como?
  -- Se estamos a falar da renúncia pública do Doutor ao socialismo radical, estamos a falar do seu artigo intitulado «A Morte de Uma Experiência», publicado na Socialist Review  em Novembro de 92. O Doutor ligou a sua decisão a uma análise daquilo a que chamou o continuum clandestino do expansionismo russo, fosse sob o poder dos czaristas, dos comunistas ou, como de agora em diante, sob a bandeira dos federalistas. Referiu-se também à descoberta da nova moral ortodoxa do Ocidente, que comparou aos estádios iniciais do dogma social do comunismo sem o idealismo fundamental indispensável. Um ou dois dos seus colegas da ala esquerda acharam até que o artigo era um acto grave de traição. E o senhor?
  -- Eu não achei nada.
  -- Discutiu o assunto com ele?
  -- Não. Dei-lhe apenas os parabéns.
  -- Porquê?
  -- Porque era isso que ele queria.
  -- Diz sempre às pessoas o que elas querem?
  -- Se estou a aturar alguém que me está a maçar, Mr. Luck, e quero ir fazer outra coisa, sim, muito provavelmente digo – respondi eu, e deitei o olho ao meu relógio francês que batia as horas na sua redoma de vidro. Mas Luck não se deixava levar tão facilmente.
  -- E…Novembro de 92…quando o Pettifer escreveu esse famoso artigo…deve ter sido a mesma altura em que o senhor se reformou do que quer que estava a fazer em Londres, estarei certo?
      Não me agradou ver Luck a estabelecer paralelos entre as nossas vidas, e detestei o seu tom peremptório.


 (Continua)


19 comentários:

  1. Vamos ver os desenvolvimentos...

    Boas leituras e bom fim de semana!

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    1. A ver vamos, Graça!:)

      Beijinhos, bom fim de semana.

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  2. Nunca li nada dele.
    Abraço e bom fim de semana

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    1. Elvira, eu estou a ler o segundo livro deste autor.
      Um abraço e votos de bom fim de semana

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  3. Bom fim de semana e boas leituras, Janita.

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    1. As leituras são mais à semana, Catarina.
      Um pouquinho também, ao fim de semana, mas pouco!

      Vamos ver se consigo levar até ao fim esta ideia peregrina de transcrever uns excertos do livro que ando agora a ler.
      Mais tarde direi qual o título.

      Pode dar-se o caso de algum leitor já o ter lido e saber.

      Mas olha que isto não é nenhum enigma, atenção! :)

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  4. O Espião Que Saiu do Frio (The Spy Who Came In from the Cold) é, na minha opinião, o melhor romance de John Le Carré.

    Bom fim de semana, Janita, sem dilemas terríveis.

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    1. O mais conhecido, pelo menos, é, Ematejoca.
      Há muitos anos que oiço falar nele, mas não creio que o tenha lido.
      Li, "O Fiel Jardineiro", e estou agora a ler este.

      Terríveis, não direi, mas dilemas tenho sempre!!

      Bom fim de semana, Teresa.

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    1. ...Até onde a minha - e a vossa - paciência, o permitir, Lisette! :)


      Beijinhos

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  6. Eu acabei de ler carta a uma nação cristã de sam harris.

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    1. E então, que tal, Daniel?
      Também gostava de ler esse livro de Sam Harris para tirar umas dúvidas, cá minhas. Ou não...Pode até dar-se o caso de ficar ainda mais confusa.
      :)

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    2. O livro é muito bom. Lê num instante. Há também outros sobre o assunto que gostei muito. Posso dizer-te onde o arranjar.

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    3. Ok, Daniel!

      Envia-me essa informação por e-mail.

      Obrigada.

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  7. amo esse tipo - o Jonh Carré...

    um verdadeiro "caçador de almas..."

    beijo

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    1. Este romance que ando a ler é muito interessante e um pouco diferente do seu (dele) estilo literário.
      Para além de nos envolver numa boa dose de mistério e suspense, tem passagens românticas e até cómicas.
      Vamos ver se consigo deixar, aqui, nem que seja uma pálida ideia da magia desta história.

      Um beijo e obrigada, Poeta!

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  8. Ainda bem que com a etiqueta descobri o autor - estava curiosa sobre de quem seria...

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  9. Ainda bem que com a etiqueta descobri o autor - estava curiosa sobre de quem seria...

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    1. Nunca pesquisei nada de John le Carré, na Internet, mas suponho que encontrarás muita informação acerca do escritor e da sua obra, Gábi.

      Obrigada, beijinho

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