A mulher que há vários anos trata da qualidade da sua visão,
através dos cuidados médicos que lhe prestam no Hospital de São João,
deslocou-se hoje àquela unidade hospitalar para mais uma consulta de rotina.
Recordava-se bem da longa espera que teve de suportar na
última vez que lá esteve. Saiu, por isso, cedo de casa. Coisa rara: o trânsito fluía
alegremente, talvez por ser Agosto e estar tudo de férias. Ah, o querido mês de
Agosto…
Chegou cedo, com cerca de quarenta minutos de antecedência.
Logo à entrada teve uma grata surpresa: o pequeno, mas bem apetrechado bar da
entrada, que havia sido retirado e não estava lá no ano passado em que esperou
horas a fio pela consulta, sem mais nada para além das odiosas máquinas que
fornecem bebidas e comida de plástico, lá estava; airoso e redecorado à
maneira.
Logo ali, sorriu agradada pela surpresa. Mais ainda, quando
reparou nos bonitos quadros expostos nas alvas paredes. Bonitos pensamentos emoldurados,
enfeites floridos com rosas e outras flores, davam ao espaço um ar de saúde
para a alma e para vista. Sacou do telemóvel
e começou a clicar deliciada. Que bonito post iria escrever …
Passou pelo segurança exibindo o documento comprovativo da
consulta e lá seguiu pelo longo corredor em direcção ao serviço de consultas
externas de oftalmologia. Tirou a senha e, quando chegou a sua vez, poucos
minutos depois, já a funcionária da recepção
lhe dizia para aguardar. Sentou-se ao lado de uma linda e sorridente garotinha
de quatro anos, com um nome lindo (?): Francisca. Soube-o, porque uma senhora
sentada na outra cadeira, ao lado, lho perguntou, já que a personagem desta
narrativa se havia embrenhado na leitura do livro que, desta vez, não se
esqueceu de meter no saco.
Passado o tempo não mais do que o de ler duas páginas, e ainda
antes da hora marcada, o médico, jovem e de ar afável, assomou à porta da sala
de espera e chamou pelo seu nome. Incrédula, guardou apressadamente o livro. No
interior da sala de consulta, mas na entrada, de sorriso nos lábios e mão
estendida para um simpático cumprimento, o médico de barba negra cerrada,
convidou-a s sentar-se.
Sim senhora,
estava tudo muito bem, a tensão ocular óptima , mas que se fosse mentalizando
para uma nova intervenção cirúrgica à vista direita, sem urgência, mas daqui a
mais uns anitos...
Ela, habituada a tagarelar com os médicos que antecederam
este, desconhecido, ainda tentou encetar um diálogo. Com um sorriso, mas sem palavras,
deixou-a sempre sem resposta. E não é que ela gostou dessa eficiência, calada,
sóbria e competente? Adorou saber que, dali em diante, seria ele o seu médico
assistente.
Quando, já de nova consulta marcada, seguia de regresso ao
longo dos imensos corredores, constatou que poucos minutos passavam da hora para que
esteve marcada a sua consulta.
Que maravilha! Pousou a tralha, normal das mulheres,
no parapeito de uma das janelas e resolveu telefonar para uma pessoa de família, que vive por ali perto para a convidar para almoçar. Poderíamos ir
onde lhe apetecesse, ela que convidava teria muito gosto em pagar o almoço.
Que tinha chegado das compras, que não lhe dava jeito… mas então vou
passar eu por tua casa e dar-te um abraço...Oh
que pena, mas tenho de ir ao cabeleiro. A que horas?…ah…fazer madeixas…sem
a deixar terminar a frase e já com o tom de voz um pouco ríspido: A que horas?... Bem…humm…daqui a uma hora…
Às vezes penso se terei escrito um T, de tonta, na testa.
Ok, para a semana
começam as minhas férias e nessa altura combinamos qualquer coisa.
Tristonha, mas não derrotada, teve uma ideia: O neto…estava
já de férias escolares, terminado o 12º com boas notas…estágio feito…quem sabe?
– Sim, avó?…olha lá J, estou a sair
do hospital…blá, blá, blá…e pensei…
Oh, avó, desculpa, mas já
tinha combinado uma saída com a D (namorada).
Repete a resposta que havia dado antes…e uma sensação de
abandono e vazio toma-lhe conta das entranhas.
Ao passar junto do bar, lindo, airoso e remodelado, já perto
da saída, não olhou para as paredes nem para os bonitos quadros…
…de todas as fotos, só esta lhe diz que deve ir com calma,
sim, mas, hoje, sem Alma…
Saiu do hospital em passo lento, arrastando os pés, cabeça
baixa, olhar fixo nas ‘alparcatas’…
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