quarta-feira, 16 de agosto de 2017

EU, E O HOMEM ESTÁTUA.




A cor dos seus olhos destacava-se no rosto pintado de negro. Azuis, límpidos como um céu sem nuvens e transparentes como o mar calmo num dia quente de verão. Foi o que primeiro me chamou a atenção neste homem-estátua. Só quando o neto me chamou a atenção para o facto dele parecer que está sentado, mas, na verdade o não estar, reparei que sustentava o peso do corpo,  fixo só numa perna. Mantinha-se naquela posição  sabe Deus à custa de quantas horas de treino e força física e mental. Não sei. Só posso dizer que, inexplicavelmente, senti os olhos marejados de lágrimas. Quando consegui recuperar a serenidade, aproximei-me e olhei-o nos olhos. Curvei-me e depositei uma moeda no recipiente que estava no chão. Quase dou um salto, com a reviravolta que o homem deu fazendo uma série de movimentos com os braços até que pousou a mão sobre o lado esquerdo do peito. 
Voltei para junto do neto sem conseguir despegar os olhos daquela figura imperturbável e de olhar fixo sem um único pestanejar. Antes de virmos embora, voltei a aproximar-me e perguntei-lhe, num sussurro, se o poderia fotografar. A resposta foi um piscar de olho. Agradeci, cliquei, e toquei-lhe ao de leve no ombro em sinal de respeito e gratidão.
Quando nos afastámos, olhei-o uma última vez, sorri ligeiramente e, ou foi o meu desejo intenso de que isso acontecesse, ou o homem-estátua esboçou mesmo uma leve sombra de sorriso no olhar? Enquanto limpava uma lágrima, senti o braço do neto rodear-me os ombros. Olhei-o, e  esse sim, sorria para mim, com uma expressão de terna surpresa no rosto e, creio, no coração também... 


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29 comentários:

  1. Bonito.
    Havias de ver os «artistas de rua» que encontro aqui nesta cidade do UK. Pela primeira vez na VIDA, achei que há artistas itinerantes que não valem nada e envergonham o género. São uma fraude em busca de dinheiro fácil.

    Já apanhei dois «cantores» de rua que só troteavam as músicas enquanto a aparelhagem toca a melodia. E o único homem estátua que cá apareceu não parou quieto uma única vez!

    Quase o fotografei... Mas não parou quieto! Borrou a foto.
    As roupas também deixavam muito a desejar, assim como a pintura. Faz-me confusão as pessoas que vêm nisso uma forma de dinheiro fácil e não alcançam a arte, o empenho e o engenho.

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    1. Portuguesinha.

      Já vi muitos homens/mulheres estátuas, não só aqui como em outros lugares 'lá fora', mas igual a este, nenhum! Havia nele algo muito especial!

      Vou referir ESTE , porque é o único que pode comprovar o que digo. Aqui, não me emocionei; pelo contrário, diverti-me bastante. Todos os que tenho visto e apreciado, só 'não param quietos' quando recebem a gratificação pelo seu trabalho. Uma forma de agradecer e se movimentarem, penso eu. Trabalho, esse, que muito respeito e admiro.
      Não sei como são os que vê aí pelo Reino Unido, mas garanto-lhe que todos os que tenho visto, não ganham o dinheiro facilmente... Faz-me confusão, sim, haver pessoas sempre prontas a criticar e menosprezar o trabalho alheio, tão digno e honesto como qualquer outro que o seja.

      Obrigada pela sua opinião.

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  2. Na cidade de Espinho costuma decorrer o Encontro Internacional de Estátuas Vivas. Penso que é no mês de Junho. Infelizmente este ano não fui. Mas é uma verdadeira maravilha.

    Beijinhos

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    1. Nunca fui assistir a um desses Encontros, mas acredito que seja algo digno de ser apreciado, NI. Imagino que a caracterização e tudo o que envolve este desempenho, leve horas e horas de preparação e muito engenho e Arte.

      Beijinhos.

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  3. Há vários todos os dias aqui no Venetian.
    Parece que não respiram, que não estão vivos.
    Beijinhos

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    1. Numa ocasião vi, no Cais da Ribeira, um sentado a uma mesa representando um poeta cujo nome não me ocorre. Que trabalho genial! Todo ele estava envolto numa substância dourada brilhante, desde a figura do poeta a tudo o que o rodeava. Inclusive, os livros em cima da mesa e até a pena que segurava na mão, como se escrevesse.
      Mas esse estava imóvel, sim, mas sentado. :)
      Beijinhos.

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  4. árduo trabalho Janita,
    que notaste com emoção :)

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    1. Havia no olhar deste homem algo que lhe desnudava a alma, Ângela. E aquela posição...meu Deus, aquilo pareceu-me ultrapassar os limites da resistência humana.
      Trabalho duro, que não se faz só pelo dinheiro, creio, mas também por um grande amor à Arte. Tudo isso: o que vi e imaginei, mexeu muito comigo. :)

      Um beijo, Ângela!

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  5. Tenho uma enorme admiração pelo trabalho e esforço destes homens estátuas. Este não te escapou e ficou muito bem.

    Beijinhos em movimento Janita

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    1. Não, Manu, não me escapou até porque já tinha à sua volta uma pequena multidão.
      Por norma, passo, contribuo com o que posso e acho que devo, e sigo o meu caminho. Mas, com este, tive de parar, havia um qualquer magnetismo que dele se desprendia. Ou, então, sou eu que ando super sensível a tudo o que me rodeia, sei lá... :)

      Beijinhos de olhar melancólico, Manu!! :)

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  6. Este é um tipo de fotografia que não tenho "coragem" de fazer. Chegar à beira de alguém, um desconhecido, e perguntar se posso tirar uma foto, é algo que ultrapassa as minhas forças fotográficas. Mas tenho consciência que quem fica a perder sou eu. Porque poderia fazer fotografias de olhares, tal como a Janita fez neste caso, e que nos deixam aqui a ver um vislumbre da alma da pessoa.

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    1. Acredite, Remus, que hesitei muito antes de o fazer. Mas só assim me pude aproximar e ficar com esta imagem que não deixará que o tempo apague aquele breve instante da minha memória. Certo é que poderia fazer como muita gente o fez: fotografaram e pronto. Sem permissão, sem nada. Como se o homem que ali estava, fosse um objecto qualquer, um ser inanimado. Isso é que eu não conseguiria fazer. Para mim, a dignidade de alguém, é algo que não ponho nunca num plano inferior aos meus desejos.
      Espero e desejo muito que tenha conseguido transmitir-lhe a razão da minha atitude, Remus. Quer acredite quer não, eu 'sei': o homem-estátua apreciou e entendeu o meu pedido...
      Um abraço.

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  7. Uma partilha muito linda querida amiga ,olhares que se sentem com a pureza do coração que nos cativam e nos fazem tão bem ,muitos beijinhos felicidades

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    1. É isso, Emanuel! Havia pureza e muita melancolia naquele olhar. Como diz a canção. "Ah, se os meus olhos falassem, talvez a ti te contassem, o que não conto a ninguém". A mim, aquele olhar contou-me muita coisa que eu já sei...

      Um beijinho.

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  8. Sempre me impressionaram estas estátuas vivas. E faço por ser generosa tal a emoção que sinto, como tu a sentiste. Uma disciplina incrível!

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    1. Catarina,
      por falares em generosidade, mais tarde fiquei a pensar que poderia ter sido mais do que, na verdade, fui. Em contrapartida, fui bastante generosa com uma família de saltimbancos de origem belga (?) - não sei porquê, mas associo sempre os povos nómadas aos belgas - que se encontrava na Rua das Flores. Aí, não me atrevi a pedir para os fotografar, mas fiquei longo tempo a observá-los. O casal, relativamente jovem, tinha uma criança de colo e um rapazinho de três ou quatro anos. Sob o chapéu, largo para o seu tamanho, saíam uns lindos caracóis loiros e no cimo do chapéu um pássaro amarelo empoleirado. O pequenito lia, ou via apenas, os 'bonecos' de um livro de BD. Quando passou um garoto, pouco mais velho do que ele, de tablet na mão, seguindo rua adiante sem olhar para nada nem para ninguém, os seus olhos seguiram-no até ele sair do seu campo de visão. Encostados à parede, eu e o João, íamos assistindo a tudo sem perdermos pitada da vida que ia acontecendo mesmo à frente dos nossos olhos.
      Que dia incrível, Catarina, que dia!...:)

      Beijinhos

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    2. Eu acho que foste generosa. Podias ter passado e nem parado. E a propósito de generosidade... contou-me o marido de uma amiga (ela nunca mo contaria) que uma noite, este verão, estavam a jantar num restaurante perto de uma janela que se encontrava aberta. Passou um homem no passeio, parou e pediu-lhe esmola. A minha amiga disse para o homem entrar no restaurante e pedir o que quisesse comer e levasse como “take-out”. O homem assim fez, agradeceu-lhe e foi-se embora.
      Foi uma ação muito bonita! Fiquei muito orgulhosa dela. : ))

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    3. Também conheço um caso assim, mas aconteceu com um rapazito que pedia esmola dizendo que era para comer. Neste caso a pessoa ia na rua e levou o rapaz a um restaurante próximo. Perguntou-lhe o que queria comer, pagou e pediu ao empregado para atender o rapazinho. Só de lá saiu quando confirmou que ele era servido como um outro qualquer cliente. Nessa altura ainda não se falava em take away.
      Um beijinho, Catarina.

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  9. Eu compreendo o que sentiste, Janita, mas desculpa desiludir-te e chamar-te a atenção para o facto de não haver "impossíveis". Seria o caso do homem estátua estar sentado em nada durante horas e horas ! Todas estas situações são "construídas", são "truque" !
    :( ... claro que com muito treino e poderás ver imensos destes casos no YouTube (ou no Google vídeos - Ilusão de homens estátua sentados), tal como este da rua de Santa Catarina !
    Vê esse vídeo como exemplo:

    https://www.youtube.com/watch?v=ZwvYkRzpq4g

    Sinto que te fiz uma "maldade" e te roubei uma ilusão, mas as coisas são assim mesmo. :)
    Beijo

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    1. Rui...:(
      Não vou ver o vídeo, não hoje, não agora...não nos próximos dias. Talvez, nunca o veja.
      Passa por lá, vê com os teus próprios olhos, se preciso for faz como um garoto que foi espreitar atrás do homem, por baixo, por cima e veio a encolher os ombros...Depois, mentira ou verdade que me importa? Interessa-me o que senti e vi no fundo dos olhos daquela pessoa.
      Beijo.

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  10. A foto está perfeita e o texto muito bem conseguido e isto independentemente do comentário anterior.
    1 bji.

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    1. Muito obrigada, José. Tudo o que escrevi corresponde à mais inteira verdade. Não sou escritora, não consigo inventar, não pretendo emocionar quem me lê. Aqui, no meu espaço, dou largas aos meus sentimentos, sejam eles de raiva, de dor ou de espanto.
      Um beijinho.

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  11. Duas palavras:
    Texto sentido!

    Abraço apertado

    (o resto segue por mail)



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    1. Obrigada, Ricardo.
      Também já te respondi.
      Um grande abraço.

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  12. Admiro muito esta arte! A primeira vez que vi foi em espinho à uns anos, no momento em que estava admirar e ele se mexeu, eu dei um salto enorme, mas o Sr. que fazia de estátua, nem um lábio mexeu, mesmo vendo e ouvindo os nossos risos.

    Beijinho Janita

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    1. Essa deve ser a característica típica de todos os homens-estátua, Adélia. Silêncio e imobilidade.
      Aderiste ao novo AO?
      Beijinhos, Flor de Jasmim.

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    2. Desculpa Janita não percebi o que perguntas, "AO", podes explicar, por favor.
      Talvez o cansaço não deixe a minha cabeça processar :(

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    3. Explico, sim senhora, querida Adélia.
      Como sabes o novo AO é a referência ao Acordo Ortográfico. Parece que agora vale tudo a coberto desse estúpido Acordo. Desde iniciar um texto com letra minúscula, fazer o mesmo a seguir a ponto final, etc.
      Como escreveste o nome da cidade de Espinho como se se tratasse de um espinho de rosa, daí a pergunta. Claro que foi em tom de brincadeira, porque pelo conheço de ti não és pessoa para essas "frescuras" aberrantes.
      Se isso aconteceu deve ter sido por descuido teu
      Espero que agora que já sabes não tenhas ficado aborrecida. Foi uma graça talvez sem graça nenhuma, da minha parte. :)

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    4. Janita eu sei bem o que é "AO" tinha entendido, só não consegui perceber a tua pergunta porque não me apercebi que tinha escrito Espinho com letra minúscula! E claro que não consigo habituar-me a tal estupidez.

      Beijinho amiga

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