quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Saudades do que não vivi...

Saudades da Terra

Uns olhos que me olharam com demora,
não sei se por amor se caridade
fizeram-me pensar na morte e na saudade
que eu sentiria se morresse agora.
 
E pensei que da vida não teria
nem saudade nem pena de a perder,
mas que em meus olhos mortos guardaria
certas imagens do que pude ver.

Gostei muito da luz.
Gostei de vê-la
de todas as maneiras,
da luz do pirilampo à fria luz da estrela,
do fogo dos incêndios à chama das fogueiras.
 
Também gostei do mar. Gostei de vê-lo em fúria
quando galga lambendo o dorso dos navios,
quando afaga em blandícias de cândida luxúria
a pele morna da areia toda eriçada de calafrios.
 
E também gostei muito do Jardim da Estrela
com os velhos sentados nos bancos ao sol
e a mãe da pequenita a aconchegá-la no carrinho
e a adormecê-la
e as meninas a correrem atrás das pombas
e os meninos a jogarem ao futebol.

A porta do Jardim, no inverno, ao entardecer,
à hora em que as árvores
começam a tomar formas estranhas,
gostei muito de ver erguer-se
a névoa azul do fumo das castanhas.

Também gostei de ver, na rua, os pares de namorados
que se julgam sozinhos no meio de toda a gente,
e se amam com os dedos aflitos, entrecruzados,
de olhos postos nos olhos, angustiadamente.
E gostei de ver as laranjas em montes, nos mercados.
As mulheres a depenarem galinhas
e a proferirem palavras grosseiras,
os homens a aguentarem e a travarem os grandes camiões pesados,
e os gatos a miarem e a roçarem-se nas pernas das peixeiras.

Mas ... saudade, saudade propriamente,
essa tenaz que aperta o coração
e deixa na garganta um travo adstringente, essa, não.
Saudade, se a tivesse, só de aquela
que nas flores se anunciou,
se uma saudade alguém pudesse tê-la
daquilo porque não passou.

De aquela que morreu antes de eu ter nascido,
ou estará por nascer - quem sabe? - ou talvez ande
nalgum atalho deste mundo grande
para lá dos confins do horizonte perdido.

Triste de quem não tem,
na hora que se esfuma,
saudades de ninguém...
nem de coisa nenhuma!

António Gedeão


A todos os meus seguidores e  amigos /as desejo um bom feriado e fim-de-semana. Fiquem bem e façam por ser felizes...fazendo felizes aqueles a quem querem bem. Espero voltar um qualquer dia da próxima semana. Beijinhos para todos.

Janita

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

RECORDAR...É VIVER.


Ainda na senda do saudosísmo...quero partilhar com todos os meus amigos /as, que viveram a sua juventude nos anos 60 / 70, esta maravilha que recebi via e-mail, por parte de um bom amigo.

São relíquias eternas, que me transportam a tempos tão longínquos e gratificantes, que por vezes chego  a duvidar que existiram. 

Com o meu carinho para todos os jovens de sessenta...em  especial... e para todas as idades  em geral.
                                                                                                                                                                                  http://sz.com.sapo.pt/Anos_Dourados.html
                                                              
 Imagem da Net

domingo, 27 de novembro de 2011

Fado: O Canto da Alma Portuguesa.


O Fado já foi considerado e reconhecido pela UNESCO, desde há poucas horas atrás, como Património Imaterial da Humanidade!
Num tempo em que a maior preocupação de todos nós se concentra, essencialmente, no  futuro dos nossos filhos e netos, face à grave situação de crise económica que o mundo atravessa, escolhi este Fado interpretado por Carlos do Carmo, para celebrar o acontecimento e, simultâneamente, homenagear todas as crianças que estão a aprender a ser HOMENS.  






"Os Putos"
   


Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.

Uma fisga que atira ,a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser, criança
Contra a força dum chui, que é bruto.

Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta

E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.

As caricas brilhando ,na mão
A vontade que salta ,ao eixo
Um puto que diz,que não
Se a porrada vier,não deixo

Um berlinde abafado ,na escola
Um pião na algibeira,sem cor
Um puto que pede,esmola
Porque a fome lhe abafa,a dor.

Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.



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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Romance Existe na Graça de Dar de Graça?







As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo, porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.


Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.


Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.




Carlos Drummond de Andrade



domingo, 20 de novembro de 2011

EXPECTATIVAS.

Nenhum escritor soube descrever  com tanta precisão e realismo, a vida árdua e  os genuinos sentimentos das gentes transmontanas, como Miguel Torga o fez. 
Nem todos os seus contos terminam com um final feliz, daí o seu realismo, mas todos  são de uma riqueza humana tão grande, que sempre me enterneceram e fascinaram. Aliás, toda a obra deste homem admirável e internacionalmente reconhecido é fascinante.
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Quando, há poucas horas, - o tempo de transcrever o conto para o meu blog  e elaborar o post -  decidi publicar mais um conto de sua autoria, sorri com a lembrança de algo que muito me divertiu há uns meses atrás.
Foi uma crítica que li num blog, entretanto desaparecido, e que entendi ser-me dirigida.  Ou então, para além de outras manias também terei a da perseguição! Mas não. Seria demasiada coincidência. Tanto mais que tinhamos um contencioso e eu tinha publicado, nessa altura, algo de um famoso escritor que muito agradou a todos os meus leitores e amigos. A prova disso foram os numerosos e amáveis comentários que  recebi. Pois, essa crítica, dizia que para se ter um blog não era preciso saber escrever. Bastava transcrever histórias conhecidas de autores conhecidos e, passo a citar:
 " Receber montes de comentários de gente culta e até de "Dótores".
Esta introdução tem como finalidade, embora sabendo que o dito blog entregou a alma ao Criador, mas tendo eu esperança que o seu dono continue de boa saúde e com outro blog, dizer a esse ilustre desconhecido ( andando e borrifando-se para tudo e para todos - tradução livre do nome do finado blog- ) que este meu post lhe é dedicado, com um grande e amigável sorriso.

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"O Cavaquinho"



O Ronda era o homem mais pobre de Vilela. Mas teve uma tal alegria quando o filho, o Júlio, fez o primeiro exame com óptimo, que prometeu pela sua salvação que lhe havia de dar uma prenda no Natal. O rapaz ouviu-lhe a jura desconfiado.
Apesar dos dez anos, já conhecia a vida. Uma prenda, se nem dinheiro havia para a broa! Em todo o caso, pelo sim, pelo não, foi pondo de vez em quando uma acha na lembrança do pai, e em Dezembro, na véspera da feira dos 23, avivou a chama:
- Então sempre vai à Vila?
- Pois vou.
- E traz-me a prenda?
- Trago.
Fez-se silêncio. A ceia tinha sido caldo de couves e castanhas cozidas. Mais nada. A noite estava de invernia. Sobre o telhado caíam bátegas rijas de chuva. Mas a murra da castanha a arder e aquela firmeza com que o Ronda garantiu a promessa, doiravam tudo de fartura e aconchego.
- E o que é que me vai dar?
- Isso agora…
Foi preciso a mãe arrumar o assunto com as rezas e a cama.
- Infinitas graças vos sejam dadas. Meu Deus e meu Senhor…
As palavras saíam-lhe da boca, límpidas, quentes, solenes. E o pequeno, que já ouvira aquela lengalenga milhentas vezes, pôs-se muito espevitado, a tentar compreender o sentido íntimo de cada invocação.
- S. Bartolomeu nos livre das tentações do demónio, dos maus vizinhos à porta, das más horas…
Pai e filho respondiam à uma:
- Padre-nosso que estais no céu…
Contudo, a atenção do garoto não tardou a cansar-se. No terceiro mistério a sua voz cambaleava. E na salve-rainha, abóbada do solene ritual, parecia que levara com uma moca na cabeça.
Já ia a tombar, quando o amém definitivo o fez voltar à vida e lá conseguiu fitar o pai numa derradeira pergunta:
- Certo, certo, que traz?
- Tu parece que andas parvo, rapaz!
A mãe não podia compreender o que significava para ele receber uma prenda – estender a mão e ver nela, não a malga do caldo habitual, mas qualquer coisa de inesperado e gratuito, que fosse a irrealidade da riqueza na realidade duma pobreza conhecida de lés a lés. Por isso se arreliou tanto quando o viu, ao almoço, virar a cara aos carolos e ao meio-dia comer apenas o rabo de uma sardinha.
Coitada, via-se bem que gostava dele…E é tão fácil de perceber!
Quando a noite veio caindo, cansado de guardar o caminho velho por onde desde que o mundo é mundo se regressa da Vila, pediu à mãe que o deixasse ir esperar o pai. Só até à Castanheira…
Que não. Que tivesse juizinho. Olhou-a mais demoradamente. Tão sua amiga, tão boa, e não ser capaz de o entender!
Resignou-se. Ficaria ali até o pai apontar ao fundo da Silveirinha. E logo que o descortinasse, ó pernas!
Mas que seria a prenda? Que seria?
Da porta já não se enxergava nada. Além de que a chuva, o vento e o frio, que se juntaram, naquela hora, enregelavam tudo.
A tremelicar, foi-se chegando à lareira.
- O pai demora-se…
- Não que ir à Vila e voltar tem que se lhe diga…
Via-se bem que também ela estava inquieta. Seria que, como ele, esperasse por uma prenda?
Cerrou-se a escuridão. O aguaceiro agora caía a cântaros. Pelas frinchas da porta o vento ia dando punhaladas traiçoeiras.
- Que noite e aquele homem por lá!
O lamento da mãe acabou por encher a cozinha, já meio testa de fumo.
De súbito à ideia da prenda, que alegre o acompanhara, todo o dia, juntou-se-lhe uma outra, triste, imprecisa, que lhe meteu medo.
- O tio Adriano também foi, pois foi?
- Foi. Vai cear e dormir que são horas.
Embora obrigado, nem o caldo lhe passou pela garganta nem o sono, na cama, lhe fechava os olhos.
De repente sentiu passos no quinteiro. Até que enfim! Era o pai! O que seria a prenda?
A pessoa que vinha bateu ao de leve e chamou baixo:
- Maria…
- Quem é? - Perguntou a mãe.
- Sou eu, o Adriano…
O coração deu-lhe um baque. Então o tio Adriano sozinho?! Pôs-se a ouvir como um bicho aflito.
Daí a nada sabia que o pai fora morto num barulho, e que no sítio onde caíra, lá ficara, ao lado dum cavaquinho que lhe trazia…

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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A OUTRA FACE...QUE RAIO DE VIDA!!

Houve o Princípio da Vida
Há o Princípio do Fim.
Há porém o Fim da Vida
Que a rotina dá guarida
Matando a ilusão que houve em mim.


" Vidinha…"



"A poesia é a vida? Pois claro!
Conforme a vida que se tem o verso vem
- e se a vida é vidinha... já não há poesia
que resista! O mais é literatura,
libertinura, pegas no paleio;
o mais é isto: o tolo de um poeta
a beber, dia a dia, a bica preta,
convencido de si, do seu recheio...

A poesia é a vida? Pois claro!
Embora custe caro, muito caro,
e a morte se meta de permeio. "

Alexandre O`Neill

Imagem da Net 



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terça-feira, 15 de novembro de 2011

A VIDA É BELA...!

E porque a Vida é Bela...a Amizade verdadeira  incondicional,  o Futuro a Deus pertence e o mais importante é vivermos o Presente, vamos Amar a Vida e desfrutá-la em toda a sua plenitude!


"A mais bela e profunda emoção que se pode experimentar é a sensação do místico...
Aquele a quem seja estranha tal sensação, aquele que não possa devanear e ser empolgado por esse encantamento, não passa, em verdade, de um morto.! "

 Citação de: Albert Einstein

                                                            
                                                          
Bela foi a mensagem que Roberto Begnini nos quis passar com este  filme inesquecível.
Apesar de todas as vicissitudes, a Vida é Bela . 
                                                                       

domingo, 13 de novembro de 2011

LIVRE ARBÍTRIO...OU FATALIDADE?

Muitas vezes me interrogo até que ponto serão as nossas decisões responsáveis pelo nosso infortúnio ou felicidade. Se, ao decidirmos enveredar por um caminho e não por outro, quando nos encontramos numa encruzilhada da vida, indecisos, por não termos a certeza de qual deles será o melhor para nós, a nossa opção não terá sido ditada por aquilo que já nos estava traçado pelo Destino.
Somos nós que fazemos o nosso Destino ou, façamos  nós o que fizermos, o Destino nos conduzirá fatalmente ao que já nos está predestinado? 



A Fatalidade do Não
“A palavra de que eu mais gosto é não. Chega sempre um momento na nossa vida em que é necessário dizer não. O não é a única coisa efectivamente transformadora, que nega o status quo. Aquilo que é, tende sempre a instalar-se, a beneficiar injustamente de um estatuto de autoridade. É o momento em que é necessário dizer não. A fatalidade do não - ou a nossa própria fatalidade - é que não há nenhum não que não se converta em sim. Ele é absorvido e temos que viver mais um tempo com o sim.”

José Saramago, in 'Folha de S. Paulo” (1991)
Imagem da Net

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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

MORENO ERA CRISTO...!


Quando nos sentimos descontentes com nós próprios, temos tendência para relembrar tudo aquilo que num passado mais distante ou próximo,  temos suportado e vivido com desagrado.  Não sei como é com as outras pessoas, mas comigo é assim.
Tanta coisa poderia ser dita a este respeito, mas aquilo que posso e me apetece falar prende-se com o meu nome e apelido. Nunca gostei do meu nome próprio. O que eu sofri em criança por causa dele! Todas as minhas amigas tinham nomes bonitos e modernos. Eu herdei o nome da minha Avó paterna e com ele tenho vivido descontente até hoje.

Já do meu apelido  materno  sempre gostei e sinto muito orgulho nele. Lembra-me o meu Avô, Pai da minha Mãe.  Mestre João Baptista Moreno, como era tratado com carinho e respeito lá na terra. Não era homem de bens, mas foi toda a sua vida um homem de bem e de grande dignidade e honradez.  Alguém me disse, um dia, que este apelido teve a sua origem a partir de uma família nómada  que se instalou na Península Ibérica há séculos atrás. Nunca pesquisei sobre isso. Talvez um dia o faça. Quem sabe a minha alma cigana não advenha daí. Sorrio com prazer quando penso nisso.

                                                     
"Morena"
                  
Não negues, confessa
Que tens certa pena
Que as mais raparigas
Te chamem morena.
Pois eu não gostava,
Parece-me a mim,
De ver o teu rosto
Da cor do jasmim.
Eu não... mas enfim.
É fraca a razão,
Pois pouco te importa
Que eu goste ou que não.
Mas olha as violetas
Que sendo umas pretas,
O cheiro que têm!
Vê lá o que seria,
Se Deus as fizesse
Morenas, também

Tu és a mais rara
De todas as rosas;
E as coisas mais raras
São mais preciosas.
Há rosas dobradas
E há-as singelas
Mas são todas elas
Azuis, amarelas,
De cor de açucenas,
De muita outra cor
Mas rosas morenas,
Só tu, linda flor.
E olha que foram
Morenas e bem
As moças mais lindas
De Jerusalém.
E a Virgem Maria
Não sei... mas seria
Morena também.
Moreno era Cristo!
Vê lá depois disto
Se ainda tens pena
Que as mais raparigas
Te chamem morena!


Guerra Junqueiro,  in "A Musa em Férias"

sábado, 5 de novembro de 2011

ESTA MINHA ALMA CIGANA....


Alma Cigana

Disto nunca eu fiz segredo…
a minha alma é cigana.
Perambula pelo mundo
dança, canta, não engana.
Meu coração português
tem sotaque e alegria
nas margens do Tejo há marés
e fados com nostalgia.

Enquanto ele canta fados
a alma toca castanholas
mas ambos se abraçam contentes
numa moda de viola.

Quem me conhece já sabe
gosto de vermelho forte
nas minhas saias rodadas
que dos dois lados tem cortes…
Para facilitar a dança
nos volteios deslumbrantes
que me tomam nos meus sonhos
nos braços do meu amante.
Assim vou sendo feliz
no meu jeito tão singular
que pouca gente o entende
mas não deixo de os amar…!

Adaptação de um poema da autoria de:
Teresinha  Penhabe
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