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Esta é uma foto do Cantador de Setúbal que encontrei na Net.
Se alguém a reconhecer como sua, darei o devido crédito ou retirá-la-ei. |
No livro "Prosas Dispersas" de Guerra Junqueiro, há uma prosa linda que o autor dedica a um poeta popular e cantador, natural de Setúbal, que sendo analfabeto, era possuidor de um talento nato para a poesia e para o canto. Ficando a ser conhecido como, "O Cantador de Setúbal".
Eu, que adoro poesia, música, ritmo, dançar e cantar, não resisti a partilhar este excerto da dita prosa, que considero uma verdadeira ode ao canto e à música. Para além de ser uma homenagem a um homem simples, que Junqueiro tanto admirava.
Desejo que seja do vosso agrado. Eu já li o texto integral, vezes sem conta, e quanto mais o leio mais o compreendo e aprecio.
O Cantador!
"O homem que canta!
Este verbo cantar é sagrado, como o verbo florir ou o verbo
resplandecer.
Os ritmos silentes do Universo traduzem-se pelo som nos ritmos do canto. Cantar é divinizar o som. A vida é harmonia inteira.
Quer os glóbulos do sangue, quer os glóbulos astrais movem-se por música. Um sol é um órgão e a luz uma sinfonia esplendorosa.
O prisma decompõe-na, a óptica descreve-a, mas defini-la só o canto. O canto, matemática viva, eis o revelador da natureza, a língua suprema do Universo.
Ah! Como eu te invejo, meu pobre e humilde Cantador de Setúbal!
Tu, do lodo da vida, extraíste a canção que é a flor da música.
Bondade ingénua, pobreza santa, alegria clara, eis o resumo simples da tua vida.
Bem poucos mortais, à hora extrema, poderão dizer o que tu dizes:
"Nunca fui mal procedido
Nunca fiz mal a ninguém
Se acaso fiz algum bem
Não estou disso arrependido.
Se mau pago tenho tido
São defeitos pessoais
Todos seremos iguais
No reino da eternidade
Na balança da Igualdade
Deus sabe quem pesa mais."
Sim. Na balança invisível da Igualdade, na balança de Deus, acaso pesarão mais as tuas cantigas de analfabeto que muitos poemas ilustres, já consagrados pela História.
Maior do que eu és tu, sem dúvida. Maior, porque és melhor…! "