A linguagem usada é a típica das aldeias transmontanas naquela época da primeira metade do século passado.
Nascido em São Martinho de Anta, região transmontana, em Agosto de 1907, Adolfo Correia da Rocha adoptou o pseudónimo literário de Miguel Torga em homenagem aos três grandes “Migueis” espanhóis: Cervantes, Molinos e Unamuno e Torga por ser o nome de uma urze que existia em abundância naquela região de Trás-os-Montes.
Miguel Torga faleceu em Coimbra em Janeiro de 1995.
O conto que escolhi não será o mais interessante, mas é o meu preferido. Talvez porque define aquilo que entendo por verdadeira amizade. Mesmo quando parece desfeita, ela vive latente no fundo do coração e emerge no momento crucial...
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
"INIMIGAS"
"Desde o arraial da Senhora da Fraga que a Cacilda e a Sofia se não podiam ver. Até ali muito amigas, sempre agarradas uma à outra, como irmãs. Mas meteu-se a ciumeira entre elas e aquela amizade foi um ar que lhe deu. Fiadas no paleio do Augusto, a prometer um tostão a uma e cinco vinténs a outra, pareciam cadelas ao mesmo osso. Não saberem que quem é homem diverte-se, e que em coisas assim o melhor é fazer das tripas coração e deixar correr! Qual o quê! Puseram-se a dar ouvidos aos vinte anos, e, não é nada, faziam lume mal se encaravam.
Na noite da tal zanga, andavam juntas no adro, felizes da vida, a comer peras e a beber limonada, quando o rapaz se aproximou, se eram servidas de qualquer coisa. Que muito obrigadas, mas que não tinham fome nem sede.
- E uma prenda?
Que aceitavam, já que estava tão daimoso.
Ora, o Augusto, na escolha dos ramos de rebuçados, teve tais artes, que só com a quadra que neles vinha encheu as duas da miragem dum amor sem misturas. Umas patetas!
O certo é que, mal o rapaz tirou a Sofia para dançar, a Cacilda ficou como se lhe tivessem dito que o fim do mundo era naquele instante.
Os arraiais da Senhora da Fraga são um bota-fora a noite inteira, com duas músicas a estrondar, uma de cada lado da Capela. Fogo, nem se fala. Até de Sanfins se pode ver o céu de Faiões, sem um minuto de intervalo, aberto de claridade. Coisa rica!
Na noite da tal zanga, andavam juntas no adro, felizes da vida, a comer peras e a beber limonada, quando o rapaz se aproximou, se eram servidas de qualquer coisa. Que muito obrigadas, mas que não tinham fome nem sede.
- E uma prenda?
Que aceitavam, já que estava tão daimoso.
Ora, o Augusto, na escolha dos ramos de rebuçados, teve tais artes, que só com a quadra que neles vinha encheu as duas da miragem dum amor sem misturas. Umas patetas!
O certo é que, mal o rapaz tirou a Sofia para dançar, a Cacilda ficou como se lhe tivessem dito que o fim do mundo era naquele instante.
Os arraiais da Senhora da Fraga são um bota-fora a noite inteira, com duas músicas a estrondar, uma de cada lado da Capela. Fogo, nem se fala. Até de Sanfins se pode ver o céu de Faiões, sem um minuto de intervalo, aberto de claridade. Coisa rica!
Pipas e pipas de vinho debaixo da carvalhada, e do melhor, que parece que todos capricham nisso. Tascas de fritos, mesas de cavacas e de refrescos, medas de regueifas, carros de melancias, um louvar a Deus. Fartura de tudo! De maneira que quem diz: vou ao arraial da Senhora da Fraga e vai, já se sabe que não arranca de lá antes do alvorecer. Por isso, até a Santa estremeceu no altar quando a Cacilda disse que se ia embora. Perguntava-lhe a Ti Constança, abismada:
- Que mosca te mordeu, rapariga? Tu estás maluca ou quê?
Felizmente que o Augusto valeu àquilo, arredondando a fala e convidando-a também.
Toda babada por dentro, que não, que não dançava. Rogasse outra vez à Sofia. O rapaz insistiu, e o que foste fazer! Agarrou-se a ele e atirou-se à cana-verde que parecia um pé-de-vento! De madrugada, comiam-se uma à outra.
E valia a pena! As palermas a adorá-lo, a quebrar lanças pelo grande adereço, e o ladrão de caçoada! Ainda o cheiro dos foguetes andava pela serra a cabo, já os banhos do casamento dele a correr em Favaios com uma de lá!
Cuidaram todos que, morto o bicho, morta a peçonha. Oh, oh! Nem assim deram o braço a torcer! Engoliram a desfeita e ficaram como dantes, senão pior. E mutuamente a atribuírem-se as culpas do Augusto bater as asas! O grande prejuízo! Que valia ele mais do que os outros? Nada. E a prova disso é que não tardou muito estavam casadas, com dois rapazes bem jeitosos, de resto, o Alberto e o Raimundo. Que queriam mais? Mas meteu-se-lhes aquela vilania no corpo, que mesmo depois de o verem arrumado e de se arrumarem também, continuavam a ferro e fogo.
Na boda de ambas ainda houve quem tentasse fazer as pazes. De nada valeu! Danadas!
Como a Sofia casou primeiro, disse-lhe a Rosa:
- Eu se fosse a ti, convidava a Cacilda…Fostes tão amigas na mocidade!
Que não a queria ver nem pintada numa parede. E logo naquele dia, de mais a mais! Uma falsa, que se lhe atravessara no caminho como uma ladra! Não. Havia ofensas que nem à hora da morte…
E a Cacilda, quando lhe chegou também a vez, mal lhe falaram em convidar a Sofia, credo, mudou de cor e perguntou muito a sério se lhe queriam estragar a festa. A raiva que tinha da outra iria com ela para a sepultura.
Com tal gente, bom dia! É não fazer caso e deixar correr. Dar tempo ao tempo que cura males e embranquece os cabelos…"
- Que mosca te mordeu, rapariga? Tu estás maluca ou quê?
Felizmente que o Augusto valeu àquilo, arredondando a fala e convidando-a também.
Toda babada por dentro, que não, que não dançava. Rogasse outra vez à Sofia. O rapaz insistiu, e o que foste fazer! Agarrou-se a ele e atirou-se à cana-verde que parecia um pé-de-vento! De madrugada, comiam-se uma à outra.
E valia a pena! As palermas a adorá-lo, a quebrar lanças pelo grande adereço, e o ladrão de caçoada! Ainda o cheiro dos foguetes andava pela serra a cabo, já os banhos do casamento dele a correr em Favaios com uma de lá!
Cuidaram todos que, morto o bicho, morta a peçonha. Oh, oh! Nem assim deram o braço a torcer! Engoliram a desfeita e ficaram como dantes, senão pior. E mutuamente a atribuírem-se as culpas do Augusto bater as asas! O grande prejuízo! Que valia ele mais do que os outros? Nada. E a prova disso é que não tardou muito estavam casadas, com dois rapazes bem jeitosos, de resto, o Alberto e o Raimundo. Que queriam mais? Mas meteu-se-lhes aquela vilania no corpo, que mesmo depois de o verem arrumado e de se arrumarem também, continuavam a ferro e fogo.
Na boda de ambas ainda houve quem tentasse fazer as pazes. De nada valeu! Danadas!
Como a Sofia casou primeiro, disse-lhe a Rosa:
- Eu se fosse a ti, convidava a Cacilda…Fostes tão amigas na mocidade!
Que não a queria ver nem pintada numa parede. E logo naquele dia, de mais a mais! Uma falsa, que se lhe atravessara no caminho como uma ladra! Não. Havia ofensas que nem à hora da morte…
E a Cacilda, quando lhe chegou também a vez, mal lhe falaram em convidar a Sofia, credo, mudou de cor e perguntou muito a sério se lhe queriam estragar a festa. A raiva que tinha da outra iria com ela para a sepultura.
Com tal gente, bom dia! É não fazer caso e deixar correr. Dar tempo ao tempo que cura males e embranquece os cabelos…"
Continua...
Lamento, mas estou a transcrever directamente do livro e não tive tempo para passar tudo...
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Janita, adorei o conto. Vou esperar que você tenha tempo de transcrever o restante. Como falo portugues do Brasil, não consegui entender o que são "medas de regueifas"? Engraçadas nossas linguas, não consigo nem imaginar o que é isso...será que existe dicionário portugues- brasileiro? heheh...é uma idéia. Beijos e obrigada por me apresentar esse autor.
ResponderEliminarAmiga Janita... Miguel Torga...Gran escritor sobre todo su obra literaria que se baso en la poesía...Aunque no es muy conocido en España...Yo si he tenido el placer de leer algo de el...Y escribe con mucha sensibilidad y buen gusto.
ResponderEliminarTe envío un besito y mi más sincero deseo de felicidad.
No había leido nada de Miguel Torga. Por el relato que nos has traido, veo que tiene una buena narrativa. Estoy impaciente por seguir leyendo.
ResponderEliminarUn abrazo.
Olá amiga Janita!
ResponderEliminarQue boa ideia trazer aqui Miguel Torga!
Já não sei há quanto tempo não lia nada dele.
Adoro contos bucólicos e narrados com este mestria.
As duas amigas, por uma bobice, zangaram-se e viraram-se as costas, seguramente por casmurrice e teimosia, que pena!
Vamos ver como tudo termina...
Beijinhos
Ná
Janita ' um expressivo post sublinhando expressivos valores. Estou te respondendo do hotel aqui em LISBOA onde começo meu passeio pela Europa. Linda cidade deste lindo Portugal. A FAZENDA DO POEMA EXISTE, SIM , E O FOGO ARDE SEM NUNCA TER SIDO APAGADO... JÁ SÃO MAIS DE CEM ANOS ... BJS JANITA !!
ResponderEliminarCon un poco de vergüenza pero no debo mentir ,tengo que decir que no conocía a este por lo que he leído gran escritor.
ResponderEliminarGracias por mostrarnolo
Buenas noches Janita, no tengo el placer de conocer a este escritor, pro seguro que debe de ser bueno cuando usted lo ensalza en su bitácura.
ResponderEliminarCon ternura
Sor.Cecilia
Querida Amiga Janita,
ResponderEliminarAdorei e por isso fico à espera do resto... Fez bem em deixar-nos com a "água na boca"!
Um beijinho muito amigo.
O MT retratou bem uma certa faceta das mulheres (sejam de Trás-os-Montes) ou de Lisboa, mete-se um homem no meio e lá vai a amizade às urtigas!
ResponderEliminarBeijocas!
Também gosto de Torga e da sua escrita viva e cheia de imagens. Sendo citadino, tenho a percepção, certa ou errada, de que as gentes do campo são muitos orgulhosas e nunca perdoam questões de "honra".
ResponderEliminarMinha querida, o conto fica para mais loguinho, é que, apenas vim deixar-te um beijinho e se pouco li do Torga, muito o admiro por ser um Poeta do povo...
ResponderEliminardeixo-te um abraço, vou arrumar as compras, fazer o tal do almoço, e vou voar toda a tarde assim,depois volto com clama e nem mudei meu post...
vai espreitando o nosso amigo FMF pois o conto seguinte será o meu e a evrdade acima de tudo, foi assim tão real...
laura
Para a Laura,
ResponderEliminarO conto da Laura vai ser publicado a 8 de Fevereiro, conforme o combinado. O próximo vai ser do pobre Ed (Edgar)que teve de abrir os cordões à bolsa. Mas depois safou-se...
Hola amiga Janita...Buenos dias...Mira pasaba para decirte que en mi blog de retoques y composiciones fotograficas...Te he dejado un regalito...Pasa cuando puedas a recogerlo...Besitos.
ResponderEliminarPD...Para acceder a este blog...Entras en mi perfil y ahi están los dos blog que tengo...Espero que te guste lo hice con mucho cariño y algo de trabajo..jaja.
Minha querida amiga Janita!
ResponderEliminarEm primeiro lugar tenho que lhe agradecer o seu comentário, diga-se a verdade, me deixa até um bocadinho vaidoso, aquelas palavras vindas de si, são um incentivo para prosseguir, neste caminho agora um pouco mais devagarinho, mas está tudo bem comigo, e com os meus felizmente.
Conhece um pouco do Miguel Torga, tenho um livro dele,mas é de poesia, depois de ler o livro dele comecei a interessar-me mais pela poesia,sou assinante de um Jornal de Guimarães, Poetas & Trovadores, onde vem quase sempre falando,do Miguel Torga, eu gosto das destas pessoas grande, que descem até junto dos pequeninos, e depois escrevem estes lindos contes, que bem podiam ser escritos aqui bem pertinho de mim.
Obrigada por partilhar connosco.
Um beijinho grande para si,
com meu carinho,
José.
Gracias por tu visita y comentario.
ResponderEliminarPrecioso relato, espero el resto con mucho interés.
Un abrazo.
Boa noite amiga Janita,
ResponderEliminartambém gosto de ler Miguel Torga, e este texto foi sem dúvida uma bela escolha.
Beijinho,
Ana Martins
Olá Janita,
ResponderEliminarGostei do conto!
Também gosto muito do grande Miguel Torga!
Virei ler a continuação.
Bjs dos Alpes
Hola aqui te dejo lo que dice el diccionario de Real Academia Epañola.
ResponderEliminarrepipi.
1. adj. Dicho especialmente de un niño: Afectado y pedante. U. t. c. s.
Popularmente se lo decimos a las personas en un tono cariñoso.
Saludos
Amiga Janita...Gracias por colocar mi humilde regalo en tú precioso blog.
ResponderEliminarPasaba solo para desearte que tengas un feliz fin de semana...Repleto de Luz...Paz y Amor...Besitos
BELO E INTENSO, LINDA SÉRIE ESSA DE PORTUGUESES ESCRITORES,ESTOU A VIDA LEVANDO AMIGA QUERIDA,MUITO TRISTE COM AS MORTES DE OITO AMIGOS DE INFANCIA,JUNTO COM TODOS MEMBROS DE FAMÍLIAS SUAS,NESSA CALAMIDADE SERRANA DO RIO DE JANEIRO.DIA OITO FAREI A PRIMEIRA DAS CIRURGIAS ÓSSEAS ENXERTOS DE COXAS E BACIA,DE ALTA COMPLEXIDADE,ORE POR MIM,POR FAVOR!
ResponderEliminarME ABENÇOE
OBRIGADO POR SOLIDARIEDADE E ERNURA TUA!
VIVA LA VIE
Olá, Janita!
ResponderEliminarAcho que escolheu muito bem!
Hoje em dia a maioria do que se tem tendência para ler tem a ver com o que é contemporâneo, e este conto faz-nos volta atrás no tempo. Tem um sabor a vidas passadas, e um enredo bem divertido e saboroso, com um Augusto maganão e cheio de lábia, e mais duas cachopas a cair na canção do bandido...
Bem, cá fico a aguardar pelo resto.Até aqui, gostei.
Beijinhos; bom fim de semana.
Vitor
Lindo conto e um linguajar característico..
ResponderEliminarQuero ver o final, o que vai acontecer!
um lindo fim de semana,beijos,chica
Miguel Torga é inigualável na arte da narrativa, desconhecia este conto, fiquei curiosa do final, por isso vim aqui primeiro e vou agora ler o FIM ;-)
ResponderEliminarBeijinhos
Excelente!
ResponderEliminar