Camilo Castelo Branco |
"Foi vagarosa a saída da primeira edição deste livro. É óbvia e, ao mesmo passo, desconsoladora a explicação. A novela não perdeu por mal escrita; mas por mal pensada. A incorrecção é o castigo de quem escreve muito à pressa para ir acabando mais devagar. Em Portugal é preciso isto.
O defeito deste livro é a superabundância de virtudes de enfastiar leitores que as exercitam iguais e maiores, todos os dias.
Ainda bem.
Quem quiser voga e fama pinte e salpique de sangue e lama os seus painéis. Ganhar a curiosa atenção dos leitores somente é permitido a quem lhes dá notícias de coisas não sabidas nem experimentadas.
A virtude é o ranço destas gordas almas da nossa terra.
Relatem-se crimes de cafrarias em linguagem de cafre."
A propósito de cafrarias ( aqui em sentido figurado; selvajaria ) lembrei-me deste poema de um poeta seu contemporâneo. Embora, neste caso, a referência seja feita às regiões do Sul de África habitadas pelos Cafres ( povo Banto).
António Gomes Leal |
O Selvagem
Eu não amo ninguém. Também no mundo
Ninguém por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.
Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitário, inerte e mudo,
- Passividade estupida das Cousas.
Fechei, de há muito, o livro do Passado
Sinto em mim o desprezo do Futuro,
E vivo só commigo, amortalhado
N'um egoismo bárbaro e escuro.
Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos crueis indifferentes,
Meu peito é um covil, onde, às escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.
E não vejo ninguém. Saio somente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguém me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua...
Ninguém por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.
Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitário, inerte e mudo,
- Passividade estupida das Cousas.
Fechei, de há muito, o livro do Passado
Sinto em mim o desprezo do Futuro,
E vivo só commigo, amortalhado
N'um egoismo bárbaro e escuro.
Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos crueis indifferentes,
Meu peito é um covil, onde, às escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.
E não vejo ninguém. Saio somente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguém me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua...
António Gomes Leal, in "Claridades do Sul"
Poeta e Crítico Literário
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"Quem quiser voga e fama pinte e salpique de sangue e lama os seus painéis. Ganhar a curiosa atenção dos leitores somente é permitido a quem lhes dá notícias de coisas não sabidas nem experimentadas.
ResponderEliminarA virtude é o ranço destas gordas almas da nossa terra.
Relatem-se crimes de cafrarias em linguagem de cafre."
Amiga assim era Portugal em 1868, e assim continua actualmente.
Ontem vi um filme em que uma criança dizia que o mal sempre vence o bem, porque luta com todas as armas, enquanto o bem só luta com as justas e honestas.
O poema também ilustra bem a nossa actualidade.
Nada melhorámos em quase dois séculos.
beijinhos
Não estou de bem comigo. Isto passa-me, é um momento. Dei-me disso conta ao ler o que aqui transcreveste. Acho que a crise, momentânea, é de identidade: senti-me Camilo, senti-me Selvagem...
ResponderEliminarNada de receios, é de passagem...
:))
Puxa, dizer o quê? Sensacional. Esse desabafo antigo desse grnade escritor, e a gente passa para a época de hoje. Não mudou nada, amiga.
ResponderEliminarQuer no escrito de Camilo quer no poema de Gomes Leal se nota amargura, tristeza e revolta. O poema já o conhecia, já o tinha lido ante mas não sei em que contexto pois não possuo nenhum livro de Gomes Leal. Quanto ao O Bem e o Mal ainda não li. Mas há tantos milhares de livros que eu não li...
ResponderEliminarHá muitas gordas almas por aí cheiinhas de virtudas. Rançosas, não é Camilo? Ontem como hoje...
Beijinhos e bom fim de semana.
No conocía este poema en el que el escritor demuestra cierta inquietud por la tristeza que atesoran muchas almas.
ResponderEliminarSaludos
Janita, este post diz-me muito. É um dos meus preferidos que aqui li.
ResponderEliminarabraço para alguém que sem fazer ideia, aproxima gente que à primeira vista tem a tendência de fugir.
beijos.
Li e fiquei a pensar.
ResponderEliminarOlá, Janita!
ResponderEliminarTalvez por ser fim de semana, não sei, resolveste oferecer-nos um 2 em 1, (expressão que está na moda...digo eu)e nós agradecemos.
Pois o Camilo, com a frontalidade que tinha, e os calcanhares que pisou...teria mesmo que desagradar a muita gente, numa sociedade então tão conservadora - como era próprio daquele tempo - e que lhe fez a vida negra.
E depois, o infortúnio torna as pessoas amargas, revoltadas com tudo, como era o caso dele, inconformado com a sua sorte - que acabou por ditar o seu triste fim de vida ...
Quanto ao poema, não o conhecia - nem ao autor - e apetece-me chamá-la de poesia negra, muito bem escrita,é verdade, mas que eu não recomendaria a ninguém...de tão deprimente que a acho.
Boa escolha!
Beijinhos; bom fim de semana.
Vitor
Olá Vitor!
ResponderEliminarA vida é uma bela rosa com o caule cheio de espinhos...
Os poetas usam a poesia para soltar os seus gritos de alma...quando são feridos por ela.
Também, para a louvar, quando se sentem felizes.
Os gritos de dor deprimem a quem os ouve, mas aliviam a quem os sente.
Beijinhos e bom fim de semana, também para ti.
Janita
OLÁ JANITA!
ResponderEliminarPorque será que quase ninguém apresenta a própria foto quando comenta????
Este poema é muito triste e de quem está revoltado com a vida...antes, agora e sempre será assim !
Ás vezes também me apetece meter num buraco e esquecer de tudo e de todos!
Afinal,não apareceste no face...procura-me assim helenaoliveira1952@gmail.com
Beijs.
Podemos caminhar e fazer esse nosso caminho sem pisarmos ninguém!
ResponderEliminarNão precisamos de desdenhar nem enlamear os outros!
... isso marca-nos como desprezíveis.
Depois o poema de Gomes Leal.
Para quê fechar o livro do passado se ele está sempre a abrir-se?! As memórias sempre nos acompanharão, precisamos é de conviver bem com elas!
Para quê desdenhar do futuro se é tudo o que nos resta ainda?!
Disse isto tudo porque acho que tens direito ao sorriso, à alegria... indiferente a quem nos quer estragar a vida!
Muitos beijinhos para ti.
Fabulosa e Genial Amiga:
ResponderEliminarUm post onde impera a falta de sobriedade e desastre significativo de publicação perfeita, segundo as suas deliciosas palavras.
Escreve de forma perfeita, algo que a preocupa no campo literário e linguístico, além de condutas desencantadas e tristes de alguns autores de uma determinada época marcante.
Fá-lo com talento e magia.
Beijinhos mil ao ser notável que é.
Com respeito e admiração sempre.
Agradecido pela ternura no meu blog que adorei.
Com forte estima.
pena
Acho que esse poema se refere ao Passos Coelho... Beijocas!
ResponderEliminarQuerida Janita desde que te conheci por acaso no blogue do José , acho que nessa altura tu tinhas fechado ou querias fechar o teu blogue.
ResponderEliminarSó te digo bendita a hora em que te conheci és uma pessoa de uma sensibilidade maravilhosa e sabes por os pontinhos todos no seu devido lugar, talvez tu não saibas mas mesmo quando ficamos um pouco afastadas por motivos que não vem ao caso, eu sempre te ia ler pois tu sabes escolher não fazendo tu poemas mas tens uma apontaria para as escolhas, e mostras aos leigos aquilo que te toca o coração, ou não fosses tu do signo de peixes que tem uma sensibilidade bem apurada e sendo o último do Zodíaco tenta sempre carregar com todos os outros às costa e sofre pelo sofrimento alheio. Tudo isto por ser sensível demais, mas tudo isto para te dar os parabéns pela escolha maravilhosa que fizestes e digo ainda que feliz eu ter uma amiga como tu minha Alentejananinha querida, nunca desistas do teu blogue porque tens muito ai no teu coração para nos dar, seja sempre essa pessoa educada e amiga que tens sido e aqui para nós nem todos merecem a tua consideração. Beijinhos de luz paz e muito amor em tua vida e dos teus.
PS:se poderes dá um grande abraço na tua nora jokinhas querida.
O Camelo Castelo Branco escreve bem.
ResponderEliminarDesculpa lá. Isto é um blog sério e eu a mandar piadas.
Sorry...
Janita, boa noite!
ResponderEliminarO que é triste aqui, é que de 1868 a esta parte, o Homem nada evoluiu. De que serve tanta inteligência e avanço tecnológico e na ciência, se no que toca a sentimentos continua rude e desumano.
Beijinho,
Ana Martins
JANITA, foi uma boa escolha, sempre actual.
ResponderEliminarCamilo era um inconformado com o "status quo" da burguesia de então, abordando ainda a força e a fragilidade das grandes paixões...
Gomes Leal para além de pretender ignorar um passado [ainda bem presente... basta referir-se a ele]era um solitário.
O escritor e o poeta foram amargos pessimitas, e... revoltados.
Bj amigo,
J
Olá Janita,
ResponderEliminarJá por cá tinha passado mas hoje parei mais um bocado...O Camilo é um dos meus escritores preferidos. Sempre actual e incisivo, como se vê por este texto.
O Gomes Leal, acho que o vou passar a ler. COnheço muito mal, infelizmente.
E vou continuar a passar por aqui, se não te importares...