domingo, 4 de agosto de 2019

Maria Antonieta.

Reedição *



Maria Antonieta é uma velha amiga que conheço desde os tempos de juventude. Contou-me ela, certo dia, num dos nossos momentos de desabafos e lembranças mútuas, que sempre teve boa boca, tudo o que fosse comestível marchava. Desde pequena que era assim. Caldo verde com carapauzinhos fritos e ervilhas estufadas com ovos escalfados eram, no entanto, os seus pratos preferidos.

Só havia algo que nunca conseguiu tragar: grelos. Fossem de couve ou de nabo. De nabos, então, com aquele sabor acre, azedo, nem pensar…Davam-lhe  volta ao estômago e não havia nada a fazer.

Pois num belo dia em que acompanhou uma sua prima-irmã, que andava a mudar de casa, lá para os lados de Benfica, após muitas voltas e reviravoltas, idas à mercearia do bairro pedir caixas de cartão, embalar roupas de cama, embrulhar louça em papel de jornal, ouvir os monólogos da prima; isto vai para o lixo, isto vou dar à minha vizinha… ai não, é bom demais, vou mas é ficar com isto e mais tarde resolvo.

Sobe e desce escadas…quando chegou ao entardecer é que se lembraram que desde o frugal dejejum não havia entrado nas suas bocas qualquer espécie de alimento. Maria Antonieta sentia a barriga colada às costelas. Na casa, prestes a ficar devoluta, a despensa estava vazia. Contou-me ela que a vontade de comer passou a fome, fome mesmo, daquela de esganar.

Lembrou-se a prima de ir ver se na mercearia haveria algo que pudessem cozinhar, já que naquele tempo não existiam restaurantes de take away. Ficou Maria Antonieta em casa a embalar os últimos trastes. Quando se sentou à mesa, improvisada, que em tempos normais servia para passar roupa a ferro, viu sair das mãos da prima uma fumegante travessa de batatas cozidas, um chouriço de carne cortado em rodelas grossas e algo verde e de cheiro pouco apetecível: os malfadados grelos.

Nesse dia forçou-se a comê-los pois não quis dizer que não gostava, e, a partir desse jantar, que lhe soube como o melhor manjar, coisa que só sabe dar valor quem já sentiu fome, dizia e garantia Maria Antonieta, que nem na noite de Consoada dispensava uma boa e fumegante travessa de grelos cozidos a acompanhar o bacalhau.

Poderia faltar o peru, mas grelos; nunca!

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* Texto já publicado AQUI


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28 comentários:

  1. Lá está... O que dá melhor sabor à comida é a fome. :)

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  2. Ora ainda bem que está de regresso.
    Faz por aqui muita falta, sabia?

    Já ALI eu teria escrito que aprecio grelos de nabo, mais do que os de couve; aprecio a sua acidez, eu que julgo não ser tanto assim... (gaba-te cesto que vais para a vindima...)
    1 bji.

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  3. Mais tarde ou mais cedo o nosso paladar altera-se.
    :)

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    1. Deixaste de gostar de grelos salteados com feijão branco, à moda da Calábria, Catarina? :):)

      Beijos.

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  4. Gostei muito desta história (lembrei-me de um dia em férias em que só havia coca-cola ou pepsi para beber, e eu não gosto, mas como não havia água bebi, e soube-me mesmo bem)

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  5. Nada como a fome, para acabarem as esquisitices ahahahahah

    Boa noite, Janita

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    1. Não é bem uma esquisitice, mas quase...;)

      Beijinho, Non.

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  6. Quando li o texto senti que já o conhecia, afinal sigo o seu blog há mais tempo do que pensava. É agradável tê-la de volta.

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  7. Grelos também, não é muito a minha praia, confesso.
    Mas como.
    Beijinhos, boa semana

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    1. Apesar de os ter comido naquele dia, também não é nada a minha praia, Pedro. :)

      Beijinhos, boa semana.

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  8. Bom dia
    Seja bem vinda mesmo com grelos , que na realidade também não aprecio muito.
    JAFR

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  9. Quando a fome aperta, marcha tudo.
    Quando era pequena não gostava de nada verde e a minha mãe com uma colher de pau fez milagres, mas doeu :)
    Hoje marcham grelos e marcha tudo o que for verde.

    Que bom ter-te aqui de novo!

    Beijinhos Janita

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    1. Se tivessem vindo favas, seriam as favas a marchar, Manu! :))

      Ai não, isso não! :( Mas só podia dizer que não gostava se antes tivesse provado. Mas eu tinha boa boca e grelos não era verdura muito usual, lá pelo Alentejo, felizmente! :)

      Obrigada, Manu.

      Um beijinho.

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  10. Burro com fome, cardos come! - diz o povo e com razão! :)

    Abraço

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    1. :) Há outro ditado que diz: 'Burro preso também pasta'...se calhar, esses, comem cardos. ehehe

      Abraço.

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  11. Janita,
    Que historia maravilhosa
    e uma lição também
    que é a de nunca dizer que não gostamos
    de algo que não provamos.
    Bjins
    CatiahoAlc.
    Conhece meu Blog e Frases
    aqui https://frasesemreflexos.blogspot.com/

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  12. Uma história deliciosa e com moral...

    Eu andei mais de metade da minha a dizer que não gostava de salada de polvo... hoje o meu petisco favorito. No meu caso, não foi fome, foi as pancadas que surgem ainda em miúdos e que demoram a sair...

    Beijinhos

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    1. Às tantas, a moral da história é aquela sugerida pela Rosa dos Ventos, Sam! :)

      Eu fui habituada a comer de tudo, menos grelos! :)

      Beijinhos e obrigada.

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  13. Contrariamente à Maria Antonieta eu adoro grelos.
    Amiga peço desculpa pela ausência. Há três dias que as dores não me deixam mover o braço direito. A minha médica de família, voltou hoje de férias e eu tinha consulta, mas o posto médico estava sem sistema, e depois de três horas de espera, vim para casa e vou tentar novamente amanhã.
    Abraço e boa semana

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    1. Desejo-lhe as melhoras Elvira, e nada de pedir desculpa.
      A minha Amiga não deve nada a ninguém.
      Vem quando quer e pode.

      Um abraço.

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  14. Pois fica sabendo que sou amante de grelos (nada de badalhoquice)e como-os não importa como são cozinhados. O que mais aprecio é arroz de grelos sobretudo acompanhando peixe frito.
    Para essa tua amiga nada como a primeira vez: ou se ama ou se odeia!
    Beijokas greladas com sorrisos

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  15. Bela narrativa.
    Caldo verde? ainda hoje marchou. Com carapauzinhos fritos é que nunca. Nem me passava pela cabeça tal combinação.
    Quanto aos grelos... gosto. Há uma época do ano, que vai do Outono à primavera, em que se comem cá por casa quase diariamente.
    Bj e abraço.

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