A Beleza Total
A
beleza de Gertrudes fascinava todo o mundo e a própria Gertrudes.
Os espelhos pasmavam diante de seu rosto,
recusando-se a reflectir as pessoas da casa e muito menos as visitas.
Não
ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o
espelho do banheiro, que se atreveu a isso, partiu-se em mil estilhaços.
A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de acção.
A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de acção.
Houve
um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse
voltado logo para casa.
O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito.
Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza.
O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito.
Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza.
E
era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições
de vida, e um dia cerrou os olhos para sempre. Sua beleza saiu do corpo e ficou
pairando, imortal.
O
corpo já então enfezado de Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza de
Gertrudes continuou cintilando no salão fechado a sete chaves.
Carlos Drummond
de Andrade,
Contos Plausíveis
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