Sobe a rua e pensa nos netos, o Francisco e
o Manuel. Sorri de pequena felicidade e não deixa de caminhar. Um pouco
ofegante, agora; mas tenciona parar, um pouco mais acima, na barbearia do
Cosme, com quem gosta de conversar de livros e de cultura. O Cosme é um
barbeiro antigo e culto, dos quase desaparecidos, barba e cabelo impecavelmente
feitos. Conhecem-se desde tempos quase imemoriais, quando havia polícia
política, prisões cheias de recalcitrantes e pessoas desavindas em turbilhão.
Às vezes, ele pensa: os antigos estão a desaparecer, de velhos e de doenças, é
assim. Ele continua a ler. De preferência Emile Zola e os portugueses Ferreira
de Castro e Alves Redol. Conheceu os dois, e chegou a rever provas de tipografia
de textos de ambos. Nessa altura, a mulher ajudava-o, mas ela morrera de doença
súbita, e ele ficara só, desorientado e sem saber como prosseguir. Mas
prosseguiu com ardor e mais afã. O trabalho ocultava um pouco a dor de se
sentir só. Os filhos, três, tinham a sua vida, e mais que fazer do que aturar
um velho agarrado à sua solidão e à sua velhice.
Há três semanas começou a sentir dificuldade em caminhar. Pensou que era
uma dificuldade momentânea. Disse ao Cosme, e o Cosme sorriu, benevolente e
atencioso. “Estás velho. Estamos velhos. Eu também sinto dificuldades em andar,
mas que posso fazer?”
Mais um pouco e lá chegaria. Ofegante e com as pernas doentes e
dolentes, lá chegou. Os velhos chegam sempre é preciso é querer chegar. Um dia
destes vai escrever uma história de velhos que nunca chegam ao destino, mas que
persistem. O Cosme está à porta da barbearia. Esperava pelo amigo e assistira à
sua caminhada dificultosa. Agora iam beber um café ou uma cerveja, tanto faz.
Agora sente que envelheceu. Melhor, que está a envelhecer. Esquece-se de
muita coisa e, sobretudo, de títulos de livros e do rosto de muita gente.
Esquecer é um modo de matar ou de estar morto. A vida. Aprendeu que a vida é
também isto. E sorri.
Crónica de Baptista-Bastos, que li recentemente e me disse muito. Tudo o que aqui está transcrito veio de encontro aquilo que me tem ocupado o pensamento de há um tempo a esta parte. A vida é também isto...e sorrio.
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O que importa mesmo e "sorrir de pequena felicidade". :)
ResponderEliminarTão enternecedora essa expressão, não é, Luísa?
EliminarA felicidade é mesmo feita de pequenas coisas, como a lembrança de netos. :)
Beijinhos, boa semana.
A sabedoria da idade.
ResponderEliminarUm abraço e uma boa semana
...que, agora, poucos jovens respeitam, Elvira.
Eliminar( já para não pretender ser exagerada e dizer, nenhuns. )
Abraço, boa semana.
Voltei só para dizer que adorei o novo look do blogue.
ResponderEliminarAbraço
Muito obrigada, Elvira!
EliminarA minha amiga é de uma incansável gentileza, que me adoça o coração.
Outro abraço.
Sempre muito atento à vida, o meu amigo BB
ResponderEliminarPeço desculpa, Janita, mas ainda não vi os postais que me envmanaiou. Não consigo abrir o mail. Pode enviar-me para o meu mail pessoal? Obrigado. Boa semana
Gosto imenso de ler as crónicas de Baptista Bastos, Carlos.
EliminarEsta, li-a numa revista que certa Instituição mutualista/ parabancária, costuma enviar aos sócios.
Os postais já os enviei ontem, Carlos. Lamento não ter possibilidade de os digitalizar, como lhe explico no mail.
Obrigada, eu. Boa semana.
Um abraço.
A alternativa a envelhecer não é nada agradável.
ResponderEliminarGosto muito de andar por cá.
Beijinhos, boa semana
Claro, Pedro! A alternativa, embora a tenhamos como certa, quanto mais tarde, melhor. Contudo, há velhice e velhice.
EliminarA solidão é o pior tormento que afecta as pessoas de idade que ficam sozinhas. Seja qual for o motivo.
Beijinhos, boa semana.
Antes do post, chamou-me a atenção o quereres ter a Roménia pela frente ! O Palácio Real e a Ponte das Correntes ... Saudades ?... :))
ResponderEliminarQuanto aos barbeiros do antigamente, bons tempos em que por lá se falava de tudo. Hoje ou é futebol, ou é política ! :((
Beijinhos
Rui, esta foto foi-me enviada por mail pelo meu Luís, quando se encontrava a trabalhar em Budapeste, na Hungria.
EliminarNa altura, até fiz um post pela alusão que ele fez à união de Buda e Peste, associando esta soberba imagem, vista do quarto de hotel em que ele se encontrava, com o Porto e Gaia.
Acho que confundiste Bucareste com Budapeste, e Roménia com Hungria, não seria?
Já a tive aqui durante um tempo. Agora voltou à ribalta com o nome do blogue! :)
Acho que para além do tema da velhice, Baptista-Bastos pretendeu também, aludir às amizades que se faziam, antigamente, e ainda se farão, nas barbearias. Os temas das conversas é que mudaram. :)
Beijinhos.
Claro que tens razão, Janita. Confusão ocasional, minha.
EliminarTrata-se de Budapeste, Hungria, claro e não Roménia ! :(
Bjs
Aprecio Baptista Bastos.
ResponderEliminarBoa semana, Janita.
Beijinhos
Já somos muitos a apreciar o BB, António. Porque ele merece! :)
EliminarBeijinho e boa semana, amigo.
Nem sempre concordando com o teor, aprecio a escrita do BB, que trata a língua como poucos.
ResponderEliminarQuanto à velhice, vamos andando e vendo e pouco a fazer.
Bji.
É isso mesmo, José. Podemos nem sempre concordar com a forma como ele encara determinados temas, mas a qualidade da sua escrita é inegável.
EliminarPois, a velhice que vá esperando por nós, né? :))
Beijinho, boa semana.
Todos caminhamos cada dia mais devagar sendo a pressa de chegar cada dia menor.
ResponderEliminarO tempo tem outra dimensão, ou pelo menos parece ter!
Beijokas!
§-importante é ter vontade de continuar sorrindo, né?
Sorrir é essencial, meu querido amigo! :)
EliminarSó assim conseguiremos percorrer, de cabeça erguida, o caminho que nos resta...
Beijinhos.
Gostei muito! Como gosto de quase todas as crónicas dele, dele como pessoa é que nem por isso... ;)
ResponderEliminarBeijocas