Quando Saint-Exupéry escreveu que, ao matar um
jardineiro, matamo-lo uma vez, mas quando destruímos o seu jardim matamo-lo
duas vezes, percebemos que se refere a obras e paixões humanas, à entrega,
àquilo que construímos durante a vida. É claro que a paternidade se adequa na
perfeição à frase de Saint-Exupéry. Matarem uma pessoa é matarem-na uma vez,
mas se matarem os seus filhos, matam-na de um modo difícil de contabilizar.
Neste caso teremos de ser benevolentes com a matemática. A ideia de paternidade
é um prolongamento óbvio da vida individual, que retira os progenitores do
centro e os coloca na periferia.
Quando
partimos um pão ao meio ficamos com duas metades. Com o amor pudemos fazer o
milagre de amar cada um dos nossos filhos de modo absoluto, sem dividir esse
mesmo amor em duas metades. As paixões abominam a matemática. Nestas coisas,
podemos partir o pão ao meio e ficar com dois pães inteiros. Amar é um milagre
bíblico.
Os afectos não se gastam quando são partilhados, como aconteceria com
qualquer riqueza material. Esse fenómeno, ainda que vulgar, não deixa de ser
estranho, e em certa medida miraculoso.
Uma paixão
pode ser infinita, eterna, absoluta. Sentimo-la assim muitas vezes.
Racionalmente, não conseguimos apreender o infinito senão com signos, metáforas
e analogias.
Por causa
desta condição absoluta, muitas vezes sentimos que criar alguém implica uma
responsabilidade total, mais importante do que a vida individual.
Rousseau
abandonou quatro dos seus filhos num orfanato, com a lamentável desculpa de que
não seria um bom pai para eles. Mais tarde escreveu todo um tratado sobre como
educar uma criança.
Em certa medida, este desfasamento entre potência e acto,
mesmo que se apresente em proporções e dramatismos diferentes, é relativamente
comum.
Há pessoas que sabem exactamente como educar um filho, mas na prática
revelam-se péssimos pais; e outras que, não tendo a mínima noção do que estão a
fazer, são excelentes. Eu, a maior parte das vezes, divido-me entre estes dois
tipos de pessoas.
Partir Pães - Crónica
de Afonso Cruz*
(transcrita da revista Notícias Magazine, de hoje)
* Escritor
Nota: Gostaria que, relativamente ao último parágrafo desta crónica, que foi escrita por um pai, mas considero indiferente ser qualquer um dos progenitores, qual a vossa opinião em relação à educação. Saber educar tendo em conta os conhecimentos teóricos de pedagogia, com todos os princípios e técnicas da educação, ou educar guiados pelo instinto e o bem-querer?
Pode parecer uma pergunta sem grande sentido, mas acreditem que não é! :)