...como aprendeu a gostar de grelos.
Maria Antonieta é uma velha amiga que conheço desde os tempos de juventude. Contou-me ela, certo dia, num dos nossos momentos de desabafos e lembranças mútuas que, sempre teve boa boca tudo o que fosse comestível marchava. Desde pequena que era assim. Caldo verde com carapauzinhos fritos e ervilhas estufadas com ovos escalfados eram, no entanto, os seus pratos preferidos.
Só havia algo que nunca conseguiu tragar: grelos. Fossem de couve ou de nabo. De nabos, então, com aquele sabor acre, azedo, nem pensar…Davam-lhe volta ao estômago e não havia nada a fazer.
Pois num belo dia em que acompanhou uma sua prima-irmã, que andava a mudar de casa, lá para os lados de Benfica, após muitas voltas e reviravoltas, idas à mercearia do bairro pedir caixas de cartão, embalar roupas de cama, embrulhar louça em papel de jornal, ouvir os monólogos da prima; - isto vai para o lixo, isto vou dar à minha vizinha… ai não é bom de mais, vou mas é ficar com isto e mais tarde resolvo.
Sobe e desce escadas…quando chegou ao entardecer é que se lembraram que desde o frugal dejejum não havia entrado nas suas bocas qualquer espécie de alimento. Maria Antonieta sentia a barriga colada às costas.
Na casa, prestes a ficar devoluta, a despensa estava vazia. Contou-me ela que a vontade de comer passou a fome, fome mesmo, daquela de esganar.
Lembrou-se a prima de ir ver se na mercearia haveria algo que pudessem cozinhar, já que naquele tempo não existiam restaurantes de take away. Ficou Maria Antonieta em casa a embalar os últimos trastes. Quando se sentou à mesa, improvisada, que em tempos normais servia para passar roupa a ferro, viu sair das mãos da prima uma fumegante travessa de batatas cozidas, um chouriço de carne cortado em rodelas grossas e algo verde e de cheiro pouco apetecível: os malfadados grelos.
Nesse dia forçou-se a comê-los pois não quis dizer que não gostava, e, a partir desse jantar, que lhe soube como o melhor manjar que só sabe dar valor quem já sentiu fome, dizia e garantia Maria Antonieta, que nem na noite de Consoada dispensava uma boa e fumegante travessa de grelos cozidos a acompanhar o bacalhau.
Poderia faltar o peru, grelos; nunca!
Quando hoje fui fazer a minha caminhada, que já não fazia há mais de uma semana, não pude deixar de pensar na Maria Antonieta e nesta passagem da sua vida, quando vi que aquele campo de cultivo, onde apenas uma semana atrás verdejava algo que me parecia erva, estava agora repleto de verdes e tenros grelos…
E vós, como ides de apetência por hortaliça ácida?
POSTAL REEDITADO
Podeis rever os mesmos grelos... AQUI (agora não é tempo deles)