"INIMIGAS"
Continuação
"....Tal e qual, não tardou muito, nove meses contados, mais coisa menos coisa, tudo se compôs a contento de Faiões.
Certas como relógios, o Abril a cair, e cada uma com o seu menino.
Certas como relógios, o Abril a cair, e cada uma com o seu menino.
Mas a Sofia esteve tão mal, tão doente, custou-lhe tanto o dela, que ninguém o julgava. Febres, acidentes, albuminas, que foi preciso vir o médico e mesmo assim esteve desenganada. Leite para o filho, viste-o. Sequinha como as palhas! O infeliz chupava um pano molhado em água açucarada, que a Rosa lhe chegava à boca, engolia uma pinga de leite de cabra, cortado, e era tudo! Mirradinho de todo.
A Cacilda soube do caso ainda antes do tempo de resguardo. Nas terras pequenas, as boas e as más notícias entram pelas frinchas da parede. E já com outra humanidade na alma, mãe de todos os pimpolhos do mundo e solidária com todas as mães amigas ou inimigas, mandou chamar a Rosa e pôs-lhe as fontes do peito à disposição.
Com uma condição apenas: que a Sofia não soubesse de nada. À laia de passear o menino, lho levasse lá e ela havia de ver como o pequeno arribava, que tinha leite naqueles seios que chegava para um regimento. Até lhe doíam.
Assim foi. A Sofia, a poder de remédios e mais remédios, ia tendo mão na vida. E enquanto ela dormia, desmaiava, ou estava para ali amodorrada, a Rosa era como o vento: agarrava no garoto e corria para casa da Cacilda a fartá-lo.
Até que a Sofia arribou. Levantou-se muito fraca, muito amarela e quis dar de mamar ao filho. Já podia.
Mas, quando foi abrir a blusa e pôs à mostra os dois seios secos, nem o catraio as quis, nem a Rosa consentiu que lhas metesse na boca.
- Guarda lá isso, mulher, que até o podes envenenar! Eu lhe darei de comer. Olha que à fome não morre.
Humilhada, a Sofia começou a chorar. E ainda mais desespero sentiu, pouco depois, ao ver a criança espernear nos braços da Rosa, recusar a chupeta e começar num berreiro de atroar os céus. O seu rico filho estava doente. Nem comer queria!
A Rosa é que não atribuiu grande importância à birra, como lhe chamou. A criança precisava de sair um migalho, de apanhar sol…Ia passeá-la.
A Sofia ficou só, cheia da sua mágoa. Nunca fora fortalhaça, como a Cacilda, mas sempre esperara poder criar um filho, se Deus lho desse. Afinal…E por via disso o menino tinha de beber à sobreposse leite de cabra, que se calhar lhe fazia mal.
Valha a verdade que não estava magro…Contudo, sempre era criado como os enjeitados. Que alegria para a Cacilda!
Malucava nisto, quando a Rosa entrou com o rapaz, calado e sonolento.
- Vamos experimentar outra vez?
A Rosa respondeu que sim, que ia encher a mamadeira…E nunca mais voltou.
Como o menino não chorava e se lhe ferrou a dormir no colo, a babar-se, a Sofia desconfiou. Ali andava segredo.
No meio da tarde, cansada, a doente foi-se deitar e pegou no sono. A criança lá estava no berço, rosada como um anjo.
Apesar de adormecida, a Sofia continuava na sua grande labuta. A maternidade incompleta doía-lhe na raiz do instinto. E via em sonho o pequeno mirrar-se de fome, vítima inocente de uma mãe que o não era. Ofegante, tentava libertar-se do pesadelo. Não conseguia. Cada vez mais sumido, esquelético, o infeliz acusava-a com os seus grandes olhos negros, que cintilavam da escuridão de umas órbitas fundas como poços.
Num grito de terror, acordou e deu pela falta do filho.
- Tia Rosa, o menino? - Perguntou, aflita.
Respondeu-lhe o marido, da cozinha.
- Tenho-o aqui ao colo…Vê se dormes. Cresceu-lhe a desconfiança.
E no dia seguinte, pé ante pé, ainda a cair de fraqueza, quando a Rosa foi dar um dos tais passeios ao garoto, seguiu-a. Da esquina da rua viu-a chegar à eira e entregar o miúdo à Cacilda, que estava sentada ao sol.
Aproximou-se. O pequeno parecia um bacorinho ao peito da inimiga.
A Cacilda soube do caso ainda antes do tempo de resguardo. Nas terras pequenas, as boas e as más notícias entram pelas frinchas da parede. E já com outra humanidade na alma, mãe de todos os pimpolhos do mundo e solidária com todas as mães amigas ou inimigas, mandou chamar a Rosa e pôs-lhe as fontes do peito à disposição.
Com uma condição apenas: que a Sofia não soubesse de nada. À laia de passear o menino, lho levasse lá e ela havia de ver como o pequeno arribava, que tinha leite naqueles seios que chegava para um regimento. Até lhe doíam.
Assim foi. A Sofia, a poder de remédios e mais remédios, ia tendo mão na vida. E enquanto ela dormia, desmaiava, ou estava para ali amodorrada, a Rosa era como o vento: agarrava no garoto e corria para casa da Cacilda a fartá-lo.
Até que a Sofia arribou. Levantou-se muito fraca, muito amarela e quis dar de mamar ao filho. Já podia.
Mas, quando foi abrir a blusa e pôs à mostra os dois seios secos, nem o catraio as quis, nem a Rosa consentiu que lhas metesse na boca.
- Guarda lá isso, mulher, que até o podes envenenar! Eu lhe darei de comer. Olha que à fome não morre.
Humilhada, a Sofia começou a chorar. E ainda mais desespero sentiu, pouco depois, ao ver a criança espernear nos braços da Rosa, recusar a chupeta e começar num berreiro de atroar os céus. O seu rico filho estava doente. Nem comer queria!
A Rosa é que não atribuiu grande importância à birra, como lhe chamou. A criança precisava de sair um migalho, de apanhar sol…Ia passeá-la.
A Sofia ficou só, cheia da sua mágoa. Nunca fora fortalhaça, como a Cacilda, mas sempre esperara poder criar um filho, se Deus lho desse. Afinal…E por via disso o menino tinha de beber à sobreposse leite de cabra, que se calhar lhe fazia mal.
Valha a verdade que não estava magro…Contudo, sempre era criado como os enjeitados. Que alegria para a Cacilda!
Malucava nisto, quando a Rosa entrou com o rapaz, calado e sonolento.
- Vamos experimentar outra vez?
A Rosa respondeu que sim, que ia encher a mamadeira…E nunca mais voltou.
Como o menino não chorava e se lhe ferrou a dormir no colo, a babar-se, a Sofia desconfiou. Ali andava segredo.
No meio da tarde, cansada, a doente foi-se deitar e pegou no sono. A criança lá estava no berço, rosada como um anjo.
Apesar de adormecida, a Sofia continuava na sua grande labuta. A maternidade incompleta doía-lhe na raiz do instinto. E via em sonho o pequeno mirrar-se de fome, vítima inocente de uma mãe que o não era. Ofegante, tentava libertar-se do pesadelo. Não conseguia. Cada vez mais sumido, esquelético, o infeliz acusava-a com os seus grandes olhos negros, que cintilavam da escuridão de umas órbitas fundas como poços.
Num grito de terror, acordou e deu pela falta do filho.
- Tia Rosa, o menino? - Perguntou, aflita.
Respondeu-lhe o marido, da cozinha.
- Tenho-o aqui ao colo…Vê se dormes. Cresceu-lhe a desconfiança.
E no dia seguinte, pé ante pé, ainda a cair de fraqueza, quando a Rosa foi dar um dos tais passeios ao garoto, seguiu-a. Da esquina da rua viu-a chegar à eira e entregar o miúdo à Cacilda, que estava sentada ao sol.
Aproximou-se. O pequeno parecia um bacorinho ao peito da inimiga.
E, quando as outras deram conta, estava ela de pé, maravilhada, a dizer:
- Olha lá se me engasgas o rapaz, ó Cacilda!....
FIM
- Olha lá se me engasgas o rapaz, ó Cacilda!....
FIM
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Este poema de Miguel Torga, já antes o publiquei
num post dedicado à Poesia Ibérica, em português.
Hoje, vou apresentá-lo na Língua de Miguel Cervantes, uma vez que o autor mantinha uma forte ligação com o País vizinho e era entusiasta admirador dos três grandes vultos da Literatura Espanhola, que já mencionei no post anterior.
POEMAS IBÉRICOS
"IBERIA"
Tierra.
Cuanto dé la palabra, y nada más.
Sólo así la resume
Quien la contempla desde una alta cumbre
Bien cargada de sol y de pinares.
Tierra-tumor-de-angustia de saber
Si el mar es hondo y al fin deja pasar...
Una antena de Europa que recibe
La voz de lejos que le quiere hablar...
Tierra de pan y vino
Tierra.
Cuanto dé la palabra, y nada más.
Sólo así la resume
Quien la contempla desde una alta cumbre
Bien cargada de sol y de pinares.
Tierra-tumor-de-angustia de saber
Si el mar es hondo y al fin deja pasar...
Una antena de Europa que recibe
La voz de lejos que le quiere hablar...
Tierra de pan y vino
(La sed y el hambre ya vendrán después,
Cuando espuma salobre sea el camino
Donde uno anda desdoblado en dos).
Tierra desnuda y anta
Que en ella cupo el Mundo-Viejo y Nuevo...
Que en ella caben Portugal y España
Y la locura alada de su Pueblo.
Cuando espuma salobre sea el camino
Donde uno anda desdoblado en dos).
Tierra desnuda y anta
Que en ella cupo el Mundo-Viejo y Nuevo...
Que en ella caben Portugal y España
Y la locura alada de su Pueblo.
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