sexta-feira, 29 de setembro de 2023

SE SOFRE DE ARACNOFOBIA...NÃO ENTRE!

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"Presume-se que a mulher deva esperar, imóvel, até ser cortejada. Mais ou menos como a aranha espera a mosca." 

 Bernard Shaw (1856-1950)


E esta magana que o diga
  Escondida, tecendo beleza
    Lá foi enchendo a barriga...


[ Se ao clicar em magana e beleza se assustar, não me responsabilize]


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 Enquanto a minha...que pobreza!
Na sua fealdade e negrura
Escondeu a sua tesura
Numa parede sem alma
Toda ela escavacada
Sem mosca, sem teia, 
    sem nada...!



  
Para o Remus, com apreço. 😊

 


 

 


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quarta-feira, 27 de setembro de 2023

HÁ BOAS RECORDAÇÕES QUE VÊM QUANDO MENOS ESPERAMOS.

 


Uma piada publicada num blog que sigo, levou-me a revisitar o álbum de fotografias de um tempo em que não existiam telemóveis. ( digo isto para nos situarmos no tempo 😉)
De volta, trouxe-me estes momentos longínquos e belos que jamais se repetirão.




Actualmente, este Portugalito - o de Coimbra - está mais airoso, mais fresco.  As minhas memórias ficaram com um sabor agri-doce, mas o mesmo sentimento de carinho e ternura por estes pequeninos de então.
Há momentos que vale a pena recordar...




segunda-feira, 25 de setembro de 2023

RECONSTRUÇÕES - Reedições.

 
Imagem da Net - Lavadouro Municipal de um Bairro de Lisboa.



CONSTRUÇÕES.


É nas noites longas

e quase eternas

Que procuro construir-te

à medida do meu Sonho.

Faço-te, desfaço-te

foge-me o traço.

Escovo, raspo,

encho de água fresca o tanque.


Lavo, esfrego com água e sabão o meu cansaço,

e adormeço sem te saber.


Mas é logo de manhã, ao acordar,

que sempre te reconheço

                   mesmo sem te conhecer...



VALSA DOS POETAS




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domingo, 24 de setembro de 2023

AGORA, SIM...É SÓ ISTO!

 

❄️   ❄️   ❄️   ❄️   ❄️   ❄️ 

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Porque sorrir é urgente e necessário.




F E L I Z   O U T O N O



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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

NÃO É SÓ ISTO...

 

🎻 🎺 🎵 🎸 🎶




Isto, é a força de vontade de um povo! O seu poder imaginativo, lutador e criativo. 
Milhares de famílias vivem numa montanha de lixo, algures no Paraguai. Todos ou quase todos os habitantes desta pequena localidade, encontram maneira de sobreviver com o que de útil vão descobrindo entre o lixo que lhe chega de todo o mundo. 
Vejam e avaliem por vós, a força do poder transformador da reciclagem, naquilo que existe de mais belo à face da terra:  MÚSICA. 

🎻  🎻  🎻

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

CENAS...😋

 🍁🍁🍁🍁

GOSTO DE TUDO E MUITO DESSE TUDO ME É INDIFERENTE, MAS...




Nem pescoço de gazela

Nem mãos de porcelana

Nem dedos de pianista

Sequer colo de Madona


Toda esta decadência

(Ou gracioso envelhecer?... 😋)

Mostrada sem falso pudor

É pertença cá da je

A sua legítima dona... 😇 








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segunda-feira, 18 de setembro de 2023

AS MÃOS E O TEMPO.

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Foto minha.


As veias da tua mão
Com o sangue entorpecido

*

Parecem um arco-íris descorado
Precocemente envelhecido.

*

A dor que escondes no peito
E não te deixa respirar.

*

Deixa-te o sangue dormente
E a mim tira-me o ar.

*

Já não sei o que pensar
Já não sei que mais dizer.

Nem o que hei-de perguntar

*

Quem envelheceu primeiro?
Foste tu ainda jovem ou fui eu que envelheci 
por te ver envelhecer?

*

Qual dos dois é o mais verdadeiro?

*

Serei eu que creio em Deus
Ou serás tu que és ateu?

*

Já não sei o que pensar
Não sei mais o que dizer...

***


"...embora o tempo passe a fugir, nós não fugimos do tempo."

Citação de José Ricardo Costa.





sexta-feira, 15 de setembro de 2023

QUEM NÃO TRABUCA NÃO MANDUCA.

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A galinha ruiva achou umas espigas de trigo.

Ela chamou o gato.

Ela chamou o ganso.

Ela chamou o porco.

A galinha ruiva disse:

– Quem me ajuda a semear o trigo?

– Eu não – disse o gato.

– Eu não – disse o ganso.

– Eu não – disse o porco.

– Então semeio eu o trigo – disse a galinha ruiva.

E a galinha ruiva semeou o trigo.

O trigo cresceu.

A galinha ruiva disse:

– Quem me ajuda a ceifar o trigo?

– Eu não – disse o gato.

– Eu não – disse o ganso.

– Eu não – disse o porco.

– Então ceifo eu o trigo – disse a galinha ruiva.

E a galinha ruiva ceifou o trigo e levou-o para o moinho.

Depois de ter já o trigo moído e feito em boa farinha, a galinha ruiva disse:

– Quem me ajuda a fazer o pão?

– Eu não – disse o gato.

– Eu não – disse o ganso.

– Eu não – disse o porco.

– Então faço eu o pão – disse a galinha ruiva.

E a galinha ruiva amassou o pão, que ficou muito bem amassado, e cozeu-o no forno, muito bem cozido.

– Quem me ajuda a comer o pão?

O gato disse:

– Miau! Miau! Miau! Quero eu, quero eu, quero eu.

O ganso disse:

– Quá! Quá! Quá! Quero eu, quero eu, quero eu

O porco disse.

– Gurnin! Gurnin! Gurnin! Quero eu, quero eu, quero eu!

A galinha ruiva disse:

– Vocês não me ajudaram a semear o trigo. Vocês não me ajudaram a ceifar o trigo. Vocês não me ajudaram a fazer o pão.

Pois então vocês não me ajudarão a comer o pão. Os meus pintainhos comerão o pão.

E a galinha ruiva e os pintainhos comeram o pão.

Quem não trabuca não manduca.

Está contada a história. Está dada a lição.


(Conto de António Torrado)


Moral da história: Só quando no trabalho há união se reparte o pão.🍞

No entanto... Nunca esqueçamos que unidos seremos mais fortes. 💪




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quinta-feira, 14 de setembro de 2023

DESAFIO ENIGMA PARA QUEM GOSTA DE SER DESAFIADO. 😎 REEDIÇÃO

 ????????????????????????

Três jovens mulheres, muito à frente do seu tempo, como agora tanto lemos
 e ouvimos dizer, 
desafiando a moral e os bons costumes, passeavam-se
pela praia fumando cachimbo, ainda antes de meados do século passado.
Talvez, anos 20.

Uma foto vintage, portanto!


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O que vos peço é que me digam os seus nomes.
Todas as jovens são conhecidas pelo nome e apelido, ou seja, sobrenome. Se me disserem apenas o nome próprio, eu saberei que acertaram. Não precisam alongar-se acerca das suas actividades e respectivas nacionalidades. Disso me encarregarei eu na reedição. 

Para vos facilitar a tarefa, dir-lhes-ei que elas foram baluartes na luta pelos direitos da mulher, e pela  igualdade e defesa dos seus ideais. No caso de quererem pesquisar, tornar-se-á assim mais fácil chegar até lá...
Os vossos palpites, ou respostas, para quem as reconhecer, poderão ser deixadas aqui no blog, com alguma discrição, ou seja, em forma de pistas para que os outros participantes possam também exercitar os neurónios. 😄

Qualquer dúvida será esclarecida no decorrer do passatempo.

Força, camaradas e amigos de jornada blogueira!!



Adenda: Nenhuma é de nacionalidade portuguesa.
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Com alguns acidentes de percurso, e algumas gratas surpresas, que deram para compensar, chegou ao fim este Desafio.
Resta-me acrescentar alguns dados biográficos acerca das nossas heroínas. Assim:

Simone de Beauvoir, escritora, ícone do feminismo e filósofa integrante do movimento existencialista, graduou-se em filosofia e lançou em 1949, sua obra-prima "O Segundo Sexo", que logo se torna um clássico do movimento feminista.

Os seus livros focavam os elementos mais importantes da filosofia existencialista, revelando a sua crença no comprometimento do intelectual com o tempo no qual ele vive. Na obra "A Convidada", de 1943, ela aborda a degeneração das relações entre um homem e uma mulher, motivada pela convivência com outra mulher, hóspede na residência do casal.

Uma de suas publicações mais conhecidas é Os Mandarins, de 1954, na qual a escritora foca os intelectuais no período pós-guerra, seus esforços para deixarem a alta burguesia letrada e finalmente integrar-se na militância política. A autora revela também uma inquietação diante da velhice e da morte, eternizando esta preocupação em livros como "Uma Morte Suave", de 1964, e "Old Age", de 1970. Em "A Cerimónia do Adeus", de 1981, ela narra o fim da existência de Sartre, com quem sempre manteve um relacionamento aberto e controverso, pois ambos cultivavam relações com outros parceiros e compartilhavam as experiências adquiridas neste e em outros campos da existência, em função de um pacto estabelecido entre ambos. 


É dela uma das principais frases do movimento feminista: “Não se nasce mulher, torna-se mulher.”   

*

Rosa Luxemburgo doutorou-se numa época em que raríssimas mulheres iam para a universidade. Era uma exilada e, apesar de sua cidadania alemã, permaneceu estrangeira aos olhos de seus inimigos políticos por ser polonesa e judia. 

Foi uma revolucionária de esquerda – na sua pátria de origem, a Polónia ocupada pelos russos, isso era um crime punível com a morte, e no país que adotou como seu, a Alemanha, uma razão para perseguição permanente. Foi uma mártir da revolução de novembro na Alemanha e assassinada por militares.

*

Emma Goldman,  anarquista internacional russa, tornou-se a maior figura da história do radicalismo e feminismo americano. Cresceu em Kaliningrado, Rússia, onde teve uma limitada educação formal. Foi com os pais para São Petersburgo e aos dezasseis anos, influenciada pelo movimento intelectual russo no sentido de ir para o povo, tornou-se operária. Emigrou para os Estados Unidos , onde acompanhou as lutas operárias pelas 8 horas de trabalho. 

Esse facto e a relação com outras activistas levaram-na a aderir ao movimento anarquista. Mudou-se para Nova York onde iniciou sua atividade militante e encontrou o seu companheiro, Alexander Berkman.  Oradora famosa, tornou-se uma das principais agitadoras anarquistas dos EUA, tendo sido a fundadora da importante revista libertária Mother Earth.  

Com Berkman e mais de duzentos revolucionários, foi deportada para a Rússia (1919) após a I Guerra Mundial, de onde saiu desiludida com o autoritarismo comunista e passou a circular pela França, Espanha, Inglaterra e Canadá, fazendo conferências e denunciando a repressão que se iniciava na Rússia. 

Com o começo da Revolução Espanhola, foi para Barcelona percorrendo a Espanha em ações de agitação e apoio à causa revolucionária. Lutadora da causa operária e defensora dos direitos da mulher, passou o resto de sua vida divulgando a sua visão humanista do anarquismo.  Morreu aos setenta anos, em Toronto, Ontario, Canada. Foi sepultada em Chicago junto aos militantes operários assassinados no século XIX.

São de sua autoria os livros: "Living My Life" e "Anarchism and Other Essays". 


A TODOS OS AMIGOS E VISITANTES

A MINHA SINCERA GRATIDÃO PELO PRAZER

DA VOSSA COMPANHIA.

😘  🤗


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sábado, 9 de setembro de 2023

POEMA DE AR PURO.

 

Alentejo - Foto minha - [recortada]

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Vou abrir uma janela de par-em-par

Escrevendo um poema

Para o ar entrar.


Coloco ritmo nestes curtos versos

Para quem os ler

Se sinta liberto e livre

E os possa cantar.


Escrevo-os, especialmente para ti que vives 

Enclausurado nessa mente angustiada

Que não te deixa 

ser quem és.


Quisera ser poetisa a sério

Para te salvar antes da queda fatal

Dessa tua janela-prisão.


Vem, dá-me a tua mão!

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[Dedicado a um bom Amigo de longa data]


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quarta-feira, 6 de setembro de 2023

E ESTA, HEIM? 😲

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Ilusionismo ao mais alto nível. 🧐 







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terça-feira, 5 de setembro de 2023

DIGNIDADE E CARÁCTER.

CONTOS DA MONTANHA. 


MARIA LIONÇA

    Com o filho sempre agarrado às saias, como um permanente sinal de que já pagara à vida o seu tributo de mulher, mourejava de sol a sol para manter as courelas fofas e gordas. Depositária do pobre  património do casal, queria mantê-lo intacto e grangeado. Se o outro parceiro desertara, mais uma razão para se manter firme e corajosa ao leme do pequeno barco.

    - Nada,  Maria? - O prior já nem se atrevia a alargar a pergunta.

    - Nada.

    Respondia sem revolta ou renúncia na voz. Objectivava a situação, lealmente. O que sentia por dentro, era o segredo da sua serenidade.

    Até que um dia o Ruivo deu finalmente notícias. Regressava. E Galafura, solidária com a grandeza humana da Maria Lionça, dispôs-se a esquecer todas as ofensas e a receber festivamente a ovelha desgarrada.

    Quem representava esse perdão colectivo e essa saúde da alma da terra era o Pedro, o filho, que ao lado da mãe, na estação de Gouvinhas, deixava a imaginação correr desenfreada pela linha fora até se perder nos últimos degraus da escada fugidia feita de aço.

    Infelizmente, o comboio que surgiu ao longe, avançou e passou junto dele a travar o passo, trazia dentro uma desilusão. O pai pareceu-lhe uma sombra esbatida da imagem recortada que sonhara.

    - Seu moço está mesmo um homem!

    A voz rouca e dolente foi apenas a confirmação duma ruína  que se lhe estampava no rosto esquelético, cor de palha. O Ruivo que ficara em Galafura, na caução de um retrato em corpo inteiro, era a saúde personificada. E o Ruivo que, escanchado sobre a cavalgadura que o conduzia, respirava à sobreposse, só abstractamente se identificava com o original. Talvez para justificar essa desfiguração, culpado diante da mulher, do filho e dos montes eternamente arejados  e limpos da Mantelinha, o renegado confessou tudo. Vinha doente e desenganado. Males ruins... Já lhe custava engolir. E aquela abafação a apertar, a apertar... Mas nada de aflições. Voltava só para morrer.

    No hospital da Vila os doutores ainda lhe fizeram um furo no pescoço para o aliviar do garrote.. Mais uns contos de réis, mas paciência. Galafura, na pessoa da Maria Lionça, se não podia apertar nos braços generosos um corpo comido dos vícios do mundo, queria que ele respirasse ao menos livremente o seu ar puro.

    Um mês depois estava estendido sobre a cama onde noivara, imóvel, muito amarelo, muito seco, já com a alma a dar contas a Deus. E no dia seguinte, pela manhã, a boca do cemitério de Galafura tragava-lhe os ossos descarnados.

    Do rescaldo dessa mortalha singular, saiu mais viva ainda a figura de Maria Lionça. Não o chorou fora dos limites do seu amor atraiçoado, nem se carregou de um luto para além da melancólica negrura que lhe apertava o coração. Manteve-se na justa expressão do sentir de Galafura. Enojada e apiedada ao mesmo tempo. Enterrou-o e começou a pagar os juros da operação.

    O filho, o Pedro, é que não resistiu ao desencanto. Envergonhado de um pai que lhe passara pelos lhos como um fantasma de podridão e sem poder abarcar a grandeza daquela mãe, abalou para Lisboa. E nova via-sacra começou na loja do correio.

    - Não tens nada, Maria.

    Velha, branca, igual, a Lionça voltava pelo mesmo caminho e sentava-se ao lume a fiar. Galafura saudava respeitosamente nela uma permanência que resgatava a traição do marido e a fraqueza do filho. Como à fonte incansável do largo, assim a viam, segura e repousante no seu posto.

    Movediço como a insensatez da sua idade, o filho fizera-se marinheiro. E Galafura, enraizada no dorso da serra, olhava esse rebento mergulhado em água, como um proscrito. Antes o degredo do pai no Brasil, ao menos aproado a um chão que fazia parte da cosmogonia de Galafura. Quando, inesperamente chegou um telegrama da capitania de Leixões e ela partiu é que viram todos como fora capaz, sozinha, de manter indelével a realidade do ausente. Se se metia a caminho, se enfrentava de rosto calmo a primeira viagem distante e o pavor da Cidade, lá teria as suas razões, que eram necessariamente razões de Galafura.

    Tal e qual. No dia seguinte a Aldeia viu com espanto e comoção que trouxera nos braços de sessenta anos o filho morto. Deram-lho no hospital, a exalar o últimos suspiro. Meteu-se então com ele ao colo, já a arrefecer, embrulhado numa manta, a pedir licença a todos, que levava ali uma pessoa muito doente. Arredavam-se logo. E assim conseguiu sentá-lo e sentar-se a seu lado.

    Galafura quase não compreendia como pudera com ele, embora fosse meão e magro. O que é certo é que pudera e sem lágrimas nos olhos lhe falava ternamente mal o revisor aparecia no compartimento.

    - Dói-te, filho? Dói-te muito?  Pois dói...dói...

    Encostava-o ao ombro, enrolava-lhe a manta nas pernas hirtas e mostrava os bilhetes.

    Em Gouvinhas apeou-se. À porta da estação, o guarda arregalou muito os olhos, mas deixou passar. Daí a pouco, no macho do Preguiças, o Pedro subia a serra para dormir o derradeiro sono em Galafura, que era ao mesmo tempo a terra onde nascera e o regaço eterno de sua mãe.

FIM.



 

Nota da autora do blog: 

Permito-me dizer do meu desencanto com os 45 minutos de filme a que acabei de assistir e que, em quase nada faz jus ao belíssimo Conto escrito por Miguel Torga.
Sei que a intenção foi e é boa, já que outros contos se lhe seguirão e eu, não assistirei. A interpretação de todos os actores e da actriz que desempenha o papel de Lionça, não poderia ser melhor. Mas não bastou. Torga merecia melhor. Mais detalhes, mais fidelidade aos pormenores a que o escritor tanta atenção prestava. Não me digam nunca mais que uma imagem vale mais do que mil palavras. A prova de que mil palavras valem muito mais do que um milhão de imagens, está na desilusão - minha, obviamente - que tem representado a adaptação ao Cinema de filmes como "Chocolate", "Crónica de uma Morte Anunciada" e "Amor em Tempos de Cólera". Só para enunciar três, dos muitos que vi .

Obrigada a todos quantos me acompanharam nesta minha 'cruzada', em prol da Maria Lionça de Miguel Torga.

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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

DIGNIDADE E CARÁCTER.

 CONTOS DA MONTANHA.
Miguel Torga
* * *

MARIA LIONÇA.


Continuação:

   Em pequenina, logo o seu riso escarolado encheu a Aldeia de lés a lés. Velhos e novos acostumaram-se desde o primeiro instante àquele rosto miúdo e rosado, onde brilhavam dois olhos negros. Depois, durante a meninice e a mocidade, foi ela ainda o ai-Jesus da terra. Qualquer coisa de singular a preservava do monco das constipações, dos remendos mal pregados. Airosa e desenxovalhada, dava o mesmo gosto vê-la a guardar as cabras, a comungar ou a segar erva nos lameiros. E quando, já mulher, se falava pelas cavas nas moças casadoiras do lugar, nenhum rapaz lhe pronunciava o nome sem uma secreta emoção. Além de ser a cachopa mais bonita, dada e alegre da terra, era também a mais assente e respeitada. O seu riso significava tudo menos licença. Ninguém lhe punha um dedo. Embora igual às outras, pela pobreza e pela condição, havia à sua volta um halo de pureza que simbolizava a própria pureza de Galafura.

    Quem é que merecia a dádiva de uma riqueza assim? Foi preciso que o Lourenço Ruivo acabasse a militança e voltasse a Galafura com a mão mais apurada para apertar a dela. O padre Jaime, o Prior de então, abençoou-os como se fossem filhos. Galafura, depois do arroz-doce, pôs-se confiada à espera da felicidade futura do casal. Esquecidos das manhas e artimanhas da vida, todos sonhavam para os dois a ventura que não tinham tido. Só o Destino, fiel às misérias do mundo, sabia que fora destinado a Maria Lionça um papel mais significativo.

    O polimento do Ruivo, em que a Aldeia pusera tantas esperanças, delira-lhe apenas os calos gerados pelo cabo do enxadão. Não fizera dele o companheiro que a rapariga merecia. Engravatado aos domingos e de costas direitas o resto da semana, ao fim dos nove meses meses sacramentais, quando o Pedro nasceu, gordo, caladão, rosado, em vez de tirar daquela presença ânimo para se atirar às leiras, acobardou-se de uma boca a mais na casa, empenhou-se e partiu para o Brasil.

    A Maria Lionça, essa, ficou. Como todas as mulheres da montanha, que no meio do gosto do amor enviuvam com os homens vivos do outro lado do mar, também ela teria de sofrer a mesma separação expiatória, a pagar os juros da passagem anos a fio, numa esperança continuamente renovada e desiludida na loja da Purificação que distribuía o correio com a inconsciente arbitrariedade  dum jogador a repartir as cartas de um baralho.

    - O teu homem tem-te escrito Maria? - perguntava o Prior de Páscoa a Páscoa.

    - Ele não, senhor. Há quinze anos...

  Não acrescentava a mínima queixa à resposta. Fiel ao amor jurado, deixava que todos os encantos lhe mirrassem no corpo, numa resignação digna e discreta.


Continua... 

  



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domingo, 3 de setembro de 2023

DIGNIDADE E CARÁCTER.

 

Foto Minha

Tem início, a partir de amanhã, dia 04 de Setembro, na RTP1, uma série de cinco contos de Miguel Torga do seu livro Contos da Montanha.  Ao transcrever do livro este conto, não pretendo ser desmancha prazeres e tirar o interesse de quem deseja acompanhar. Até porque também conheço todos os contos, pois já os li e reli, e tenciono acompanhar. A imagem e o som dá uma realidade e plenitude que a narrativa não tem, embora esta seja mais pormenorizada e emocionante.

[ Para aceder à notícia, clique no texto.]

* * * 

 Maria Lionça 

    Galafura, vista da terra chã, parece o talefe do mundo. Um talefe encardido pelo tempo, mas de sólido granito. com o céu a servir-lhe de telhado e debruçada sobre o Varosa, que lhe corre ao fundo, no abismo. Quem quiser tomar-lhe o bafo tem de subir por um carreiro torto, a pique, cavado na fraga, polido anos a fio pelos socos do Preguiças, o moleiro, e pelas ferraduras do macho que leva pela arreata. Duas horas de penitência.

    Lá, é uma rua comprida, de casas com craveiros à janela, duas quelhas menos alegres, o largo, o cruzeiro, a igreja e uma fonte a jorrar água muito fria. Montanha. O berço digno da Maria Lionça.

    Fala-se nela e paira logo no ar um respeito silencioso, uma emoção contida, como quando se ouve tocar ao Senhor. E nem ler sabia!

  Bens - os seus dons naturais. Mais nada. Nasceu pobre, viveu pobre, morreu pobre, e os que por parentesco ou mais chegada convivência lhe herdaram o pouco bragal, bem sabiam que a grandeza da herança estava apenas no íntimo sentido desses panos. Na recatada alvura que traziam da arca e na regularidade dos fios do linho de que eram feitos, vinha a riqueza duma existência que ia ser a legenda de Galafura.

    Quando Deus a levou, num Março que se esforçava por dar remate prazenteiro a três meses de invernia sem paralelo na lembrança dos velhos, Galafura não quis acreditar. Embora a visse entendida no caixão, lívida e serena, aspergia sobre o cadáver a água benta do costume, sem que o seu entendimento concebesse o fim daquela vida. O próprio Prior, tão acostumado à transitória duração terrena, ao ser chamado à pressa para lhe dar a extrema-unção, ungiu-a como se ela fosse mãe dele. Tremia. Até o Latim lhe saía da boca aos tropeções. Apenas o Dr. Gil, o médico, ao tomar-lhe o pulso, não teve qualquer estremecimento. Receitou secamente óleo canforado e saiu. Mas o Dr. Gil pertencia a outros mundos. A rotina do ofício empedernira-lhe os sentimentos. O ele declarar calmamente, já de pé no estribo do cavalo, que não havia nada a fazer, foi como se um vedor afirmasse que a fonte da Corredoura ia secar. Sabia-se de sobejo que a fonte da Corredoura era eterna por ser um olho marinho. Assim que a moribunda exalou o últumo suspiro, cá de fora respondeu-lhe um soluço prolongado. O enterro, no outro dia, pela manhã, pareceu a todos uma romagem voluntária e simples ao cemitério. Não. Não podia morrer no coração de ninguém uma realidade que em setenta anos fora o sol de Galafura.


Continua...

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