quarta-feira, 29 de abril de 2020

INFÂMIA


“A essa hora, meia-noite seria, Dom Alexandre de Aguilar, infamado, desprezado, e solitário na sua angústia, esvaziava garrafas de conhaque, no intento de aturdir-se e responder com a gargalhada do ébrio ao grito da vergonha. Os deploráveis perdidos, que se valem desta triaga, parece que a si propriamente se estão castigando com mais crueza do que poderia castigá-los a justiça humana.”





Ah, Camilo, Camilo, para fugir da vergonha, apetecia, a muito boa gente, alhear-se da realidade nem que para tal tivesse que se refugiar no álcool. No entanto, a noção d’O Bem e o Mal – e a vergonha -  ficaram perdidas, algures, pelos caminhos da vida, por terceiros, que jamais se auto-castigaram ou sequer se reconheceram culpados....Ou, então, pior ainda, nunca vergonha tiveram. 





=================================

segunda-feira, 27 de abril de 2020

PANDE_MÓNIO.



Não fora este malfadado confinamento que me confinou à tristeza deplorável de ver a minha aparência ter-se confinado ao aspecto de mulher das cavernas, diria que pouco, ou quase nada, havia sofrido alteração de maior na minha vida, ao ver-me confinada às quatro paredes, onde passo a maior parte dos meus dias.
Então, porque raio me lamento e tanto me queixo, perguntareis vós.

Pois é; se confinada estou, também todo o país o está, com a devida excepção dos sectores mercantis que têm a responsabilidade de nos manter vivas. Mas, como nem só de pão vive a Humanidade, se me olho ao espelho, logo me sinto aterrorizada com a figura que o espelho me devolve.

O cabelo cresceu, sem ordem nem corte, eriçado e sem o fascinante brilho de outrora. Readquirido, após muita reflexão acerca dos benefícios do vinagre de sidra. Pois se foi ele o substituto do álcool etílico e do gel desinfectante, nos tenebrosos dias de pânico, em que estes desapareceram do mercado, mercê da desbragada corrida açambarcadora, eliminando ou atenuando, no mínimo, o medo de tudo quanto é vírus e bactérias, também o seria para me restituir o antigo vigor e  brilho capilar. E foi!!

Agora, o choque maior e mais doloroso, sofri-o eu, quando num recente dia de sol,  quase veranil, me posto em frente à janela de espelhinho numa mão e pinça na outra, pronta para me desfazer dos inestéticos pêlos que me sombreavam o lábio superior.  Aquilo a que vulgarmente, nós, mulheres, dizemos semanal ou quinzenalmente à cabeleireira sem atentar sequer no que verdadeiramente se trata:

 « Olhe, Dona Clotilde, as unhas ficam para a próxima semana, hoje é o habitual brushing e, por favor, também o buço.»

Não quis acreditar naquilo que, mais do que via, sentia, ao tactear, ao de leve, com o dedo indicador…não é que hirtos e duros, se erguiam uns picos brancos, como espinhos? E, acreditem,  caras e caros leitores amigos; foram cardos e duras prosas o que soltei boca fora. 
Eu, se homem tivesse nascido, estaria agora de barba, ou pera e bigode, quase tão alvos, quanto a neve que detesto…Aí, fui-me abaixo, desmoronei, sucumbi.

Eis a razão da minha grande melancolia causada pela maldita pandemia….                                     

                                                             
                                                                         
  

**********************************************
***************************

domingo, 26 de abril de 2020

NUVEM BRANCA.


A meio de uma tarde de sábado, a partir do meu terraço.



































Diz-me tu, oh nuvem branca, que te distingues das demais.
Coroando a copa verde daquele velho carvalho
de tronco envelhecido,  engelhado e carcomido
 que o tempo foi desgastando,
vergastado pelo vento, triste e só,
onde nem pousam pardais…

Quando termina este fado, de ficar olhando o céu,
cismando se terei tempo
de quebrar este tormento?

 Tão longo é o distanciamento.

 De mim, cada vez mais, te ausentas
 e aos poucos  me vais deixando
remoendo perdas, entre lamentos e ais…


**************************************************
******************************
**********







sábado, 25 de abril de 2020

"Nem o Tempo Nem a Morte..."




Na ausência das celebrações deste Dia histórico, pelas ruas das cidades, dia esse que marcou, indelevelmente, a História de Portugal. Sem a pompa e circunstância habituais, na Assembleia da República,  - com duas ou três excepções,  por motivos vários -, durante estes quarenta e seis anos de Revolução, decidi celebrar eu.

Porque sim, porque me apetece.

Na sequência da minha vontade, e porque poeta não sou, fui roubar este belo Soneto à Poetisa que, com enorme generosidade, partilha a sua poesia connosco; a Maria João Brito de Sousa.




25 DE ABRIL, SEMPRE!


Chegou enchendo as ruas da cidade,
Pintando cada casa de vermelho,
Deixando que um do outro fosse o espelho
Que em cada um espelhava a liberdade.

Semeou as sementes de igualdade
Nas já cansadas mãos de cada velho
E do jovem também, sem um conselho,
Que tempo nunca teve, ou mesmo idade.

A todos pertencia e, por igual,
De todos foi repasto e comensal
Na grande mesa da libertação.

Fomos nós, povo, quem o conquistou
E a nós cabe lembrar que, se murchou,
Reavivá-lo está na nossa mão!

*
ELA, que é Poeta:

*


E porque agora, mais do que nunca, este tempo  é um tempo de mudança, e porque;  «Nem o Tempo Nem a Morte Quebra a Proa do Mais Forte», aqui estou eu, hoje, com aquele que foi o mais forte entre os mais fortes: na resistência e luta por uma sociedade  livre, mais equitativa e mais justa, usando como arma somente a palavra e o seu talento de cantautor:  Zeca Afonso.



                                                                
 
***********************************************

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Porque Hoje É Sexta-Feira. # 91


VERÃO 2020 - Numa visão antecipada












E, porque também os animaizinhos de estimação, têm 

direito a fazer humor com os donos...




....por hoje, ficamos assim, é poucochinho e com pouca piada, mas  

oferecido com a melhor boa-vontade!!

[Para os apreciadores de piripiri, fica o aviso de que ficará para uma próxima ]
 

FELIZ SEXTA-FEIRA

PARA TODOS. 

:)

quarta-feira, 22 de abril de 2020

PARECE UM SONHO...



As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar…


Algumas em fonte fria 
Escondem-se, enquanto é dia, 
Saem só ao escurecer… 
Outras, debaixo da terra, 
Nas grutas verdes da serra, 
É que se vão esconder… 

O vestir… são tais riquezas,
Que rainhas, nem princesas
Nenhuma assim se vestiu!
Porque as riquezas das fadas
São sabidas, celebradas
Por toda a gente que as viu…

Quando a noite é clara e amena
E a lua vai mais serena,
Qualquer as pode espreitar,
Fazendo roda, ocupadas
Em dobar suas meadas
De ouro e de prata, ao luar.

O luar é os seus amores!
Sentadinhas entre as flores
Ficam-se horas sem fim,
Cantando suas cantigas,
Fiando suas estrigas,
Em roca de oiro e marfim.

Eu sei os nomes de algumas:
Viviana ama as espumas
Das ondas nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos baptizados reais.

Morgana é muito enganosa;
Às vezes, moça e formosa,
E outras, velha, a rir, a rir…
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.

Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras, cuja glória
Enche as páginas da história
Dos reinos de el-rei Merlim? 

Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão.

O que elas querem, num pronto,
Fez-se ali! Parece um conto…
Mesmo de fadas… eu sei!
São condões, que dão à gente
Ou dinheiro reluzente
Ou joias, que nem um rei!

A mais pobre criancinha
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada… ai, que feliz!
São palácios, num momento…
Beleza, que é um portento…
Riqueza, que nem se diz…

Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, discrição…
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!

Mas, com tudo isto, as fadas
São muito desconfiadas;
Quem as vê não há-de rir,
Querem elas que as respeitem,
E não gostam que as espreitem,
Nem se lhes há-de mentir. 


Quem as ofende cautela!
A mais risonha, a mais bela,
Torna-se logo tão má,
Tão cruel, tão vingativa!
É inimiga agressiva,
É serpente que ali está!

E têm vinganças terríveis!
Semeiam coisas horríveis,
Que nascem logo no chão…
Línguas de fogo, que estalam!
Sapos com asas, que falam!
Um anão preto! Um dragão! 


Ou deitam sortes na gente…
O nariz faz-se serpente,
A dar pulos, a crescer…
É-se morcego ou veado…
E anda-se assim encantado,
Enquanto a fada quiser!

Por isso quem por estradas
For, de noite, e vir as fadas
Nos altos, mirando o céu,
Deve com jeito falar-lhes,
Muito cortês e tirar-lhes
Até ao chão o chapéu.

Porque a fortuna da gente
Está às vezes somente
Numa palavra que diz.
Por uma palavra, engraça
Uma fada com quem passa
E torna-o logo feliz.

 

Quantas vezes já deitado,
Mas sem sono, inda acordado
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar…

O que seria? Um tesoiro?
Um reino? Um vestido de oiro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?

Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos…
Ou então, saber voar!

Oh, se esta noite, sonhando,
Alguma fada, engraçando
Comigo (podia ser?)
Me tocasse co’a varinha
E fosse minha madrinha,
Mesmo a dormir, sem a ver…

E que amanhã acordasse
E me achasse… eu sei! Me achasse
Feito um príncipe, um emir!…
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando…
Deixa-me já, já dormir!



[As Fadas - Antero de Quental ]

--------------------------------------------------------







:)

***************************************** 
*********************