quarta-feira, 22 de abril de 2020

PARECE UM SONHO...



As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar…


Algumas em fonte fria 
Escondem-se, enquanto é dia, 
Saem só ao escurecer… 
Outras, debaixo da terra, 
Nas grutas verdes da serra, 
É que se vão esconder… 

O vestir… são tais riquezas,
Que rainhas, nem princesas
Nenhuma assim se vestiu!
Porque as riquezas das fadas
São sabidas, celebradas
Por toda a gente que as viu…

Quando a noite é clara e amena
E a lua vai mais serena,
Qualquer as pode espreitar,
Fazendo roda, ocupadas
Em dobar suas meadas
De ouro e de prata, ao luar.

O luar é os seus amores!
Sentadinhas entre as flores
Ficam-se horas sem fim,
Cantando suas cantigas,
Fiando suas estrigas,
Em roca de oiro e marfim.

Eu sei os nomes de algumas:
Viviana ama as espumas
Das ondas nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos baptizados reais.

Morgana é muito enganosa;
Às vezes, moça e formosa,
E outras, velha, a rir, a rir…
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.

Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras, cuja glória
Enche as páginas da história
Dos reinos de el-rei Merlim? 

Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão.

O que elas querem, num pronto,
Fez-se ali! Parece um conto…
Mesmo de fadas… eu sei!
São condões, que dão à gente
Ou dinheiro reluzente
Ou joias, que nem um rei!

A mais pobre criancinha
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada… ai, que feliz!
São palácios, num momento…
Beleza, que é um portento…
Riqueza, que nem se diz…

Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, discrição…
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!

Mas, com tudo isto, as fadas
São muito desconfiadas;
Quem as vê não há-de rir,
Querem elas que as respeitem,
E não gostam que as espreitem,
Nem se lhes há-de mentir. 


Quem as ofende cautela!
A mais risonha, a mais bela,
Torna-se logo tão má,
Tão cruel, tão vingativa!
É inimiga agressiva,
É serpente que ali está!

E têm vinganças terríveis!
Semeiam coisas horríveis,
Que nascem logo no chão…
Línguas de fogo, que estalam!
Sapos com asas, que falam!
Um anão preto! Um dragão! 


Ou deitam sortes na gente…
O nariz faz-se serpente,
A dar pulos, a crescer…
É-se morcego ou veado…
E anda-se assim encantado,
Enquanto a fada quiser!

Por isso quem por estradas
For, de noite, e vir as fadas
Nos altos, mirando o céu,
Deve com jeito falar-lhes,
Muito cortês e tirar-lhes
Até ao chão o chapéu.

Porque a fortuna da gente
Está às vezes somente
Numa palavra que diz.
Por uma palavra, engraça
Uma fada com quem passa
E torna-o logo feliz.

 

Quantas vezes já deitado,
Mas sem sono, inda acordado
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar…

O que seria? Um tesoiro?
Um reino? Um vestido de oiro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?

Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos…
Ou então, saber voar!

Oh, se esta noite, sonhando,
Alguma fada, engraçando
Comigo (podia ser?)
Me tocasse co’a varinha
E fosse minha madrinha,
Mesmo a dormir, sem a ver…

E que amanhã acordasse
E me achasse… eu sei! Me achasse
Feito um príncipe, um emir!…
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando…
Deixa-me já, já dormir!



[As Fadas - Antero de Quental ]

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38 comentários:

  1. Bom dia
    É disto que eu gosto !!

    JAFR

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    1. E eu, Joaquim. Adoro este tipo de poesia. :)

      Tenha uma boa noite

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  2. Adoro a POESIA de Antero de Quental, principalmente os sonetos 📚

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    1. Sonetos e todo estilo de poesia de Quental, agrada aos apreciadores de boa literatura, como é o teu caso, Teresa.

      Beijinho

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  3. Bom dia:- Poesia maravilhosa. Corrida, simples, versos bem rimados, mostrando que a poesia popular é a mais bela de ler. Gostei muito.
    .
    Um dia feliz

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    1. Um Poema que, apesar de longo, se lê com agrado, não é, Ricardo?
      É verdade, e o Valério... já o deixou pelo caminho? :)

      Noite feliz.

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  4. Não resisti. Tive de deixar umas palavritas ao Mau-Tempo. Tenho vasta experiência pessoal no campo das descargas eléctricas ;)

    Quanto a este poema de Antero, já o soube de cor quando tinha três anitos :)

    Depois, quando fui obrigada a memorizar todas as linhas-de-ferro, estações e apeadeiros deste país por causa do bendito exame da quarta classe, passei a estar de mal com a minha memória. Não só me esqueci, logo a seguir, do raio das linhas férreas todas, como passei a deixar que a minha memória decidisse o que teria, ou não, de guardar.
    Tenho alguma pena de nunca me lembrar dos aniversários de ninguém e de invariavelmente me esquecer dos nomes das pessoas que conheci em tempos, mas... garanto que o saldo foi positivo em termos de criatividade ;)

    Beijinho, Janita ;)

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    1. Fez bem em não ter resistido, Maria João.
      E, já agora, não esqueça o caminho. :)

      Eu, que sei de cor tantos poemas, aprendidos na minha meninice, tive uma grata surpresa quando descobri este.
      Tinha-o guardado para uma ocasião especial. :)

      Há dias em que a memória nos prega partidas, parece que viaja, mas sempre volta ao seu lugar. :)

      Um grande beijinho. :)

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    2. Ufa! Tenho "falado" pelos cotovelos... gostaria de ainda conseguir lembrar-me de muitos poemas que soube de cor na minha primeira infância, mas só um me ficou; o "História Antiga", do Torga. Dos meus - milhares... - ficou-me um único que escrevi no início da década de 90, "Metamorfose".

      Outro beijinho, Janita :)

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    3. Pode e deve falar à sua vontade, Mª João.
      Esta forma de diálogo não seca a garganta nem nos enrouquece a voz. :)

      Desse poema de Torga não me recordo, mas gostaria muito de ler a "Metamorfose" da Maria João. Porque não o publica no seu blogue?

      Beijinhos. :)

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  5. Excelente poesia. Não conhecia os poemas Desse Poeta, embora já tenha ouvido falar dele!
    -
    O vento agreste soa a tempestade
    -
    Beijos e um dia feliz!

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    1. Não se aflija, Cidália, nunca ninguém sabe e conhece tudo.
      E aprender é sempre muito bom.

      Beijinhos e obrigada.

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  6. Que bom reler este poema que já quase tinha esquecido.
    O Manuel Mau tempo, tem posts muito interessantes. Há muito que o leio, pese as suas ausências e o facto de nunca o ter comentado.
    Abraço

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    1. então comente, Elvira, que eu gosto :) e agradeço

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    2. Viu, Elvira? O Mau-Tempo já lhe deu a resposta.:)
      Está feito o convite. Apareça que o anfitrião é muito afável.

      Abraço para ambos! :)

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  7. Olá,Janita

    Tem tanto de ecantador como comprido este poema, que não conhecia: De cima abaixo lê-se dum fôlego, já que o seu conteudo é simplesmente delicioso...

    E o teu bom gosto não se cansa na procura...

    Beijinhos amigos
    Vitor

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    1. Olá, querido Amigo.

      É sempre uma alegria enorme receber a tua visita.
      Então, quando te decides regressar? Volta, a blogosfera precisa de mais bons escribas. Escrevinhadores, como dizes. :)

      De facto, este poema sendo longo não cansa o leitor.
      Foi essa também a minha sensação.

      Um beijinho grande e muito grato, Vitor.

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    2. Obrigado pelo incentivo, Janita. De este mar voltar a navegar ainda não desisti: vamos esperar que melhores ventos soprem...

      Beijinhos amigos

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    3. Olá, de novo, Vitor.

      Se não descartas a hipótese de voltar a activar o teu blogue para quê esperar por ventos mais favoráveis?
      Olha que já não estamos em idade de adiamentos, queres tomar determinada decisão...tomas e pronto!
      Cá fico a a aguardar, ansiosa.

      Beijinhos grandes. :)

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  8. Lê-se muito bem.
    Beijinho, Janita.

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    1. Verdade, sim senhor, Repórter.
      E fico contente com o teu agrado.:)

      Beijinho.

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  9. Divina poesía, Janita. Abrazo grande
    https://entrelosrincones.blogspot.com

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    1. Me hace muy feliz qué te guste, querida Paty.
      Sí, es uma poesía muy sencilla y bonita.

      Fuerte abrazo.

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  10. Grande (no tamanho, mas não só) poema, que desconhecia.
    Quando ganapo, até eu acreditava em fadas; hoje, também acredito que as haja, embora nunca tenha encontrado uma que fosse. Pode ser que...
    bjis.

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    1. Não deixe de acreditar, pois isto de fadas é assim um pouco como as bruxas. Muito eu gostava uma varinha de condão, só para ter também este poder...

      Ou deitam sortes na gente…
      O nariz faz-se serpente,
      A dar pulos, a crescer…
      É-se morcego ou veado
      E anda-se assim encantado
      Enquanto a fada quiser...


      Já viu com esta minha maldade o perigo que eu era?

      Beijinhos.

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  11. Muito agradecido :) é lindo, estou sem palavras... acho que terei mudado de cor, sim, avermelhado.

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    1. Ainda bem que gostaste, Manel...se não fazia-te um feitiço, assim, como ficaste corado nesse tom avermelhado, peço à fada e vais ser bem-fadado. :))

      Porque a fortuna da gente
      Está às vezes somente
      Numa palavra que diz.
      Por uma palavra, engraça
      Uma fada com quem passa
      E torna-o logo feliz...


      ;)

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  12. Que coisa linda publicaste hoje, Janita. Gostei.
    De contente não me caiu um dente, mas segui à risca a tua sugestão e fui visitar O Manuel Mau-Tempo. Foi uma agradável surpresa.
    Pronto, chegou a altura de te dizer que te estou grato. :)

    Um beijinho :)

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    1. Eheheheh...só tu, AC.
      Se te fossem cair dentes de cada vez que ficas contente, já estavas sem dente nenhum.

      Quanto ao Manel, sendo de uma modéstia rara, tem uma imaginação e poder de criatividade literária, invejáveis.

      Nada a agradecer, meu Amigo, como sabes eu gosto de dar a conhecer espaços que aprecio e merecem ser divulgados.

      Um beijinho. :)

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  13. Assim por ti induzido
    Passei a gostar do Mau-Tempo
    Ainda sem o ter conhecido

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    1. Veja só como sou uma "digital influencer" poderosa, Rogério! :)

      Abraço.

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  14. Respostas
    1. Sabe que sinto o mesmo, Pedro?
      De cada vez que leio este poeminha de encantar, sinto a alma apaziguada e mais leve. Quase volto a sentir-me criança.:)

      Beijinhos.

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  15. É muito bonito!

    Os poemas tendem a ser nostálgicos, este não.

    Eu digo muitas vezes que gostaria de ter uma varinha de condão. Para resolver os problemas de toda a gente.

    Quer-me parecer que o Mau-Tempo merece a homenagem. Coisas que vão transparecendo.

    Um abraço do Algarve,

    Sandra Martins

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    1. Este poema mais parece ter sido escrito por e para crianças, não é Sandra?

      Penso que o Manel merece esta e todas as homenagens que lhe forem feitas. Se um dia vir que me enganei, paciência, já não seria a primeira vez.
      Mas sei que merece, sim! :)

      Obrigada, Sandra.
      Um abraço nortenho.

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  16. Gostei do poema. é uma bonita homenagem :)

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  17. Lindo poema Nita, gostei! Mas as fadas será que existem mesmo?
    Boa noite e bom descanso.
    Beijoca.

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