António era um pequenino doente que estava sempre deitado na sua cama, ou sentado, de olhos tristes, na sua cadeirinha verde.
Sabia que no mundo existiam muitas outras crianças que podiam brincar, correr pelos campos, jogar o eixo, saltar a corda; e quando lhe diziam que um desses meninos se aborrecia de estudar as lições ou chorava por qualquer insignificância, dizia, sorrindo, em voz baixa:
— Se eu pudesse andar livremente, correr e saltar como eles, estaria sempre feliz!
E a pobre mãe apoquentava-se por ver aquela pálida carita consumida e aqueles olhos expressivos sempre molhados de lágrimas.
E todos os dias pensava num divertimento, num brinquedo que ajudasse a passar as horas amargas ao seu adorado filho. Certa manhã, ocorreu-lhe comprar uma caixa de tintas.
António recebeu o presente com alegria e em seguida pôs-se a pintar.
Depois voltou-se para a mãe e disse:
— Gostava de pintar as pétalas de uma flor!
— Não é possível, meu filho, as flores têm já as suas cores naturais.
— Mas eu quero pintar uma flor!
E tanto pediu, tanto insistiu, que a
mãe foi ao jardim e perguntou timidamente, se haveria alguma flor que quisesse
renunciar à sua cor, mudar de tonalidade ou de expressão e compadecer-se do seu
pequeno doente.
As rosas nem responderam, na sua altivez serena, tão absurda lhes pareceu aquela doida proposta.
Os lírios, erguidos na sua elegância frágil, declararam que a sua pureza tinha de ser intangível.
E as glicínias, e os cravos, e as tulipas, disseram, diplomaticamente que não era possível imitar o tom caprichoso e belo das suas variadas corolas.
A pobre mãe, ia voltar a casa, desiludida e mais triste, quando ouviu uma voz débil dizer-lhe quase em surdina:
— As minhas flores não são belas mas, se o teu filho se contenta, leva-as contigo, não hesites…
A planta que assim falava tinha grandes folhas verdes e pequeninas floritas de um branco doentio amarelado…
A mãe colheu então um ramo dessas flores e levou-as ao seu filho. Imediatamente, começou a colorir as suas petalazinhas. Era na verdade, um artista.
As tonalidades mais finas mais delicadas e subtis, um cor-de-rosa esmaecido, um azul diáfano, suave, um amarelo vibrante, e muitos outros tons de novidade que nenhuma flor possuía, ele os dava, com singular simplicidade.
Quando acabou, chamou a mãe para lhe pedir que levasse de novo as flores ao jardim
A mãe obedeceu.
Na manhã seguinte, acordou e disse:
— Minha mãe, quero ver se o orvalho da noite manchou aquelas florinhas.
O sol faiscava nos arvoredos e nas plantas. Apenas chegou encheu-se de contentamento, os largos molhos de hortênsias estavam cobertos de formosíssimos tons rosados, roxos, vermelhos, amarelos e azuis.
E por entre aqueles ramalhetes cintilantes de vida, António passou alguns momentos de felicidade, porque só ele instintivamente criara essa beleza renovada, eterna e frágil, discreta e decorativa.
António Botto in O Livro das Crianças
Imagens da Net
As rosas nem responderam, na sua altivez serena, tão absurda lhes pareceu aquela doida proposta.
Os lírios, erguidos na sua elegância frágil, declararam que a sua pureza tinha de ser intangível.
E as glicínias, e os cravos, e as tulipas, disseram, diplomaticamente que não era possível imitar o tom caprichoso e belo das suas variadas corolas.
A pobre mãe, ia voltar a casa, desiludida e mais triste, quando ouviu uma voz débil dizer-lhe quase em surdina:
— As minhas flores não são belas mas, se o teu filho se contenta, leva-as contigo, não hesites…
A planta que assim falava tinha grandes folhas verdes e pequeninas floritas de um branco doentio amarelado…
A mãe colheu então um ramo dessas flores e levou-as ao seu filho. Imediatamente, começou a colorir as suas petalazinhas. Era na verdade, um artista.
As tonalidades mais finas mais delicadas e subtis, um cor-de-rosa esmaecido, um azul diáfano, suave, um amarelo vibrante, e muitos outros tons de novidade que nenhuma flor possuía, ele os dava, com singular simplicidade.
Quando acabou, chamou a mãe para lhe pedir que levasse de novo as flores ao jardim
A mãe obedeceu.
Na manhã seguinte, acordou e disse:
— Minha mãe, quero ver se o orvalho da noite manchou aquelas florinhas.
O sol faiscava nos arvoredos e nas plantas. Apenas chegou encheu-se de contentamento, os largos molhos de hortênsias estavam cobertos de formosíssimos tons rosados, roxos, vermelhos, amarelos e azuis.
E por entre aqueles ramalhetes cintilantes de vida, António passou alguns momentos de felicidade, porque só ele instintivamente criara essa beleza renovada, eterna e frágil, discreta e decorativa.
António Botto in O Livro das Crianças
Que lindas flores e conto!Adorei! bjs, tudo de bom,chica
ResponderEliminarOlá, Chica!
EliminarPara ilustrar um conto tão delicado e belo, teria de encontrar flores a condizer!
Um beijinho e obrigada pela presença amiga, Chica.
Amiga Janita:
ResponderEliminarAntónio Botto neste conto revela uma grande sensibilidade, talvez porque a sua vida pessoal não tenha sido fácil.
Afinal é tão fácil embelezar o mundo não é verdade?
beijinho
Amiga Fê.
EliminarAntónio Botto era um homem muito sensível. Até a sua poesia erótica tem laivos de melancolia.
Para embelezar o mundo e alegrar uma criança, basta dar amor e mais amor! :)
Ter amor para dar é o segredo da felicidade.
Beijinho.
António Botto era dotado de uma grande sensibilidade!
ResponderEliminarNão conhecia este conto...
Obrigada!
Abraço
Olá, Rosa!
EliminarEste conto, tão amoroso e singelo, é a prova da sua imensa sensibilidade!
Um grande abraço, Rosinha.
A sensibilidade de António Botto num conto que não conhecia, mas que gostei muito.
ResponderEliminarBom domingo Janita
beijinho e uma flor
Olá, For!
EliminarHavendo crianças, flores, e sonhos; já sei que gostas, amiga!
Boa semana querida Adélia!:)
Quando vir hortenses, lembrar-me-ei de quem as pintou...
ResponderEliminarOlá, Rogério!
EliminarNos Açores, há as hortenses mais belas do planeta. Veja onde chegou a criatividade do 'nosso' ´pequeno/grande António:)
Um beijinho.
Uma ternura
ResponderEliminarincomensurável
Bjs
Obrigada, Mar!
EliminarEssas duas palavras tiveram, em mim, o efeito de um belo discurso!
Um beijinho.
Olá, Janita!
ResponderEliminarSobre uma realidade bem triste, foi construída uma história linda, com um final feliz, libertador - que no final nos deixa com um sorriso no rosto.Uma delícia.
E as hortênsias fazem-me voltar aos Açores, que eu acho um sítio lindo.
Beijinhos amigos e boa semana.
Vitor
Olá, Vitor!
EliminarSempre muito gratificante ler as tuas enternecedoras palavras. Também considero o final do conto uma delícia.
Nunca estive nos Açores, mas gostaria muito de não morrer sem lá ir. Em qualquer das ilhas há hortênsias das mais variadas cores.
Já publiquei um poema de Vitorino Nemésio e ilustrei-o com uma vereda ladeada destas flores maravilhosas.
Também as tenho, mas não são tão lindas.
Beijinhos muito amigos, Vitor e votos de boa semana.
Olá Janita,
ResponderEliminarUm belo conto, o sonho importa.
Abraço grande e obrigado pela partilha
Vim deixar um abraço de boa noite, "ouvi" dizer que estava uma ventania para os teus lados...
EliminarOutro abraço
Olá, Argos!
EliminarAcho belíssimo o conto!
Mas eu sou suspeita por três razões....adoro crianças, admiro a beleza das hortênsias e nutro um carinho especial por António Botto!!
Quando ontem vieste dar-me o abraço de boa noite, quem te 'disse' que por estes lados estava uma ventania ciclónica, estava bem informado! :))
Felizmente, hoje já melhorou bastante, mas o frio continua!
Beijinhos e abraços!
Janita, na verdade, a sensibilidade de António Botto deixa-me sempre de cara à banda... deixo dois excertos de um poema dele:
ResponderEliminar" Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
-----
E os poetas a cantar
São echos da voz do mar! "
Deixo um beijo e um abraço.
Olá, António.
EliminarSei que, tal como eu, aprecia a obra de António Botto. Já me o havia dito e fico feliz por isso.
Quando um poeta canta, transmite-nos os ecos da voz do mar, que só eles ouvem e sabem entender. É como se puséssemos um búzio colado ao ouvido...
Mando-lhe um abraço e um beijo.
Quando a imaginação e a sensibilidade se juntam ficando "às ordens" de um poeta com uma mente brilhante, só podem surgir coisas boas, lindas, tal como as flores são quer nos campos, quer nos jardins.
ResponderEliminarAntónio Botto, tal como tantos outros, ficam sempre nas prateleiras superiores longe dos acessos mais fáceis destinados a pessoas como por exemplo Pessoa.
Achas que deveríamos dizer isto ao Sr.Crato? Que a Literatura deveria ser uma disciplina obrigatória e complementar de Português?
Beijoka com um enorme sorriso cheio de cor.
Sensibilidade e imaginação, são dois 'ingredientes' indispensáveis para cozinhar uma linda poesia ou uma bela prosa, Kok! :)
EliminarDevíamos sugerir isso ao Sr. Ministro da Educação e, na minha opinião, ele até concordaria. A Literatura devia ser mesmo obrigatória na disciplina de Português Quem sabe os nossos jovens, ganhassem gosto pela leitura e melhorassem a ortografia. .
Alguns escrevem com erros de palmatória.:))
Bejokas e sorrisos com as cores do arco-íris!
Foi uma excelente opção homenagear um autor tão profícuo e que, infelizmente, só é recordado pela sua obra mais irreverente.
ResponderEliminarAinda hoje não estaria totalmente livre da discriminação, que o conduziu a um fim de vida tão lamentável.
Um conto amoroso, de tocante e inexcedível generosidade, escrito em belíssima criatividade poética.
Uma boa semana, se possível, agradável.
~ ~ ~ Um grande abraço. ~ ~ ~
Eu acho que António Botto tem sido injustamente discriminado na ´nossa História Literária. Grande parte da sua obra foi dedicada à poesia erótica, mas os motivos principais foram outros.
EliminarFico feliz com as lindas palavras com que demonstras o teu apreço por este seu emocionante conto. Obrigada!
Beijinhos, Majo!
Janita: lindo conto nunca tinha lido apesar de conhecer o autor.
ResponderEliminarBoa semana.
Beijos
Santa Cruz
Olá, amigo Santa Cruz!
EliminarAinda bem que tive a oportunidade de te dar a conhecer um conto que desconhecias. As coisas simples são as mais belas, e este relato é de uma ternura e simplicidade que nos comove.
Bia semana e um beijo amigo.
Obrigada Santa Cruz!
Não conhecia o conto infantil, mas é daqueles que possivelmente a minha professora primária nos leria da revista "Fagulha", às 4ªas feiras, que era dia de histórias e lavores... :)
ResponderEliminarA foto das hortênsias está lindíssima, mesmo que as tonalidades ajudem bastante ao sucesso da foto!
Beijocas
Sabes que não considero , este, um conto infantil, Teté?
EliminarFala de uma criança como poderia falar de um adolescente ou adulto que vivesse preso num sonho, aparentemente, impossível , mas que se tornou realidade.
Quantas vezes sonhamos com algo que nos parece inatingível e nas voltas que a vida dá, se acaba por concretizar?
Talvez uma criança não lhe consiga captar o verdadeiro significado.
Aqui não há fadas nem duendes! Apenas o sonho de uma alma sensível
Uma grande beijoca!:)).
Passe lá no blogue que tem lá uma surpresa, Janita :))
ResponderEliminarBeijinhos e votos de boa semana!
:)) Já passei, Amigo Pedro! E que surpresa! :))
EliminarObrigada!
Houve quem levasse aquilo a sério! eheh
Beijinhos e óptima semana!
Boa tarde,
ResponderEliminarAdoro contos e admiro a criatividade de quem os escreve.
O conto que apresenta é belíssimo.
Abraço
ag
Olá, António.
EliminarTambém sinto uma enorme admiração pela criatividade e imaginação de quem tem capacidade para inventar histórias tão belas
.
O António também é uma pessoa muito dotada para a poesia fotográfica!
:)
Um abraço!
Escrita intensa deste autor. Fizeste bem em trazê-lo para o teu estaminé.
ResponderEliminarBeijos do... par :)
Tento fazer com que o meu estaminé seja o mais eclético possível!:)
EliminarAqui vais encontrar um pouco de tudo, uma vez que publico aquilo que me agrada e dá na gana, ou melhor, é mais conforme o meu estado de espírito!
Beijinhos ao.....par!!:))
Gostei muito de ler este conto que nao conhecia.
ResponderEliminarE eu fiquei feliz por teres gostado., Catarina!
EliminarObrigada!
Um abraço :)
Adoro contos…este é ternurento.
ResponderEliminarTambém adoro crianças (apesar de não ter tido), aprecio imenso plantas e flores.
Um poema do autor:
O brinco da tua orelha
Sempre se vai meneando;
Gostava de dar um beijo
Onde o teu brinco o vai dando.
Tem um topázio dourado
Esse brinco de platina;
Um rubi muito encarnado,
E uma outra pedra fina.
O que eu sofro quando o vejo
Sempre airoso meneando!
Dava tudo por um beijo
Onde o teu brinco os vai dando.
António Botto.
Beijinho com carinho
Susana
Adoro contos, adoro poemas...e este que me deixaste é maravilhoso, Susana! Bem ao jeito de António Botto, como diria um meu amigo recente!:)
EliminarVou guardá-lo junto de outras belezas poéticas que me têm oferecido ao longo deste tempo que ando a navegar e a criar amizades na blogosfera.
Obrigada, Susana.
Beijinhos com ternura.
Janita
António Botto é para mim um dos maiores poetas portugueses e o seu livro "Canções" um dos melhores livros de sempre.
ResponderEliminarMas a maior parte das pessoas desconhece esse outro livro de Botto, que é "Os Contos de António Botto", com pequenos contos infantis. É uma delícia; tenho-o há dezenas de anos e está gasto de tanto uso.
João...não sei porque carga-de-água não te respondi atempadamente.
EliminarProvavelmente passou-me este teu comentário.
De ti ainda vou sabendo notícias...felizmente ficámos com o contacto um do outro. E tudo por uma casualidade, descobrimos que nos conhecíamos dos tempos de juventude.
Desejo-te dias calmos e felizes.
Um abraço !
Gostei muito da história!
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