segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Um Galo de Respeito!!



"Esta é a história verdadeira de Tenório, o galo.

Nascido duma ninhada que a senhora Maria Puga deitou amorosamente debaixo das asas chocas da Pedrês, em doze de Janeiro, pelas três da tarde, quando a velhota o viu sair da casca, disse logo:

- É frango.

E realmente. Aquela amostra de crista que trazia do ovo, poucas semanas depois, parecia já uma mitra. E ninguém mais duvidou de que era frango macho. Dos dois irmãos, muito tinhosos, sempre enjeridos, desses é que a incerteza se manteve por largo tempo.

- Que te parece, António?

- Eu sei-te lá, mulher!...

- O da dianteira está-se mesmo a ver. Aquelas três são pitas, com certeza. Agora estes enxalmos...

Frangos também, mas fracos. Mal viam gavião sobre o quintal, metiam nojo:

- Piu... Piu... Piu...

Lá parava a mãe de esgadanhar.

- Piu... Piu... Piu...

Até metidos nos sovacos da progenitora se borravam! Ele, porém, continuava ao ar livre, a desafiar o inimigo, que planava lá no alto.

- Há-de ficar para galo!

E a sujeita tinha palavra. Em Maio, por alturas da Ascensão, ao dar de caras com os irmãos degolados e depenados, ainda lhe tremeu a passarinha…

Olha que brincadeira!

Felizmente que a dona sabia distinguir o trigo do joio, e o deixava para semente... Um futuro bonito, afinal!

É certo que não estava nesse momento em condições de apreciar devidamente a grandeza da sorte que lhe coubera. Muito embora a simples certeza de viver lhe enchesse a alma duma confiança cega no porvir, só daí a algum tempo é que viu claramente o tamanho do seu destino.

Quando tal compreendeu, cuidou que estalava de orgulho.

Foi num certo amanhecer de Outubro... "


A história da vida de Tenório, ainda agora vai no adro, mas como ela é tão velhinha, como velhinho é o livro que vos mostro na foto, acho que todos a conhecem e sabem como acaba.
Lembrei-me de publicar este pequeno excerto, apenas para vos deixar com estas sábias palavras, que o autor deixou escritas no Prefácio do livro, para que todos nós, que o lemos há anos, passemos o testemunho aos nossos descendentes. 


Querido Leitor:
                                             (...)

Ninguém é feliz sozinho, nem mesmo na eternidade. De resto, um conto que te agradou, tem algumas probabilidades de agradar aos teus netos. E, se tal não acontecer, paciência: ficarei um pouco triste, mas sempre junto de ti...
                                            (...)
Teu            Miguel Torga


 

Esta foto está ligada a uma história muito interessante, que ouvi da boca do seu autor, numa entrevista que concedeu à RTP 2:
Eduardo Gageiro!
Um nome que não se pode dissociar da fotografia e do fotojornalismo português. A 'história' tem a ver com a pouca disponibilidade e paciência que o escritor tinha para com os jornalistas e fotógrafos.
Após muita insistência por parte do fotógrafo, Torga lá se dignou  recebê-lo no seu consultório em Coimbra, não sem antes lhe pedir determinada quantia em dinheiro. Eduardo Gageiro, prontificou-se a pagar, mas pediu recibo, que exibiu na dita entrevista!
Como "vingança", fotografou e publicou, Miguel Torga de corpo inteiro...sem sapatos...tal como o escritor o tinha recebido e gostava de andar por casa!

 
 
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24 comentários:

  1. Torga e Gageiro, dois Senhores, cada um na sua área...

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    1. Concordo, João!
      Áreas completamente distintas, mas ambas importantes. Gageiro ainda continua, seguindo e somando prémios e distinções.

      Beijinhos

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  2. Amiga Janita, tens aí um livro que é uma preciosidade.
    A escrita e o mundo que Miguel Torga descrevia nos seus livros sempre me disseram muito, porque encontro sempre semelhanças com aquilo que vejo e com pessoas que conheço.
    Penso que já não há galos de respeito :)
    O prefácio é muito elucidativo da personalidade de Torga.

    Beijinho e boa semana minha amiga



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    1. Amiga, Fê, os livros foram, e continuam a ser, os meus melhores e mais leais amigos.
      Tenho alguns já muito velhinhos, mas não me desfazia deles por nada deste mundo. Aqueles que já não cabem nas estantes, estão guardados em caixas.
      O Miguel Torga e um dos autores que tenho sempre a mão.

      Beijinhos e obrigada, Fê!

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  3. Olá, Janita!

    Homem com os pés assentes na terra, no duplo sentido sentido da expressão, sabia falar das coisas simples da vida e das gentes como ninguém.
    Já quanto às preferências de leitura de então e de agora, acho que muita coisa mudou... e certamente muito mais do que à altura ele imaginou.

    E como o Domingo já lá vai, desejo-te uma boa semana,

    beijinhos amigos
    Vitor

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    1. Ola, Vitor!

      Gostei dessa tua definição da personalidade de Adolfo Correia da Rocha!
      Sim, ele tinha os pés bem assentes no chão e se os fotógrafos vendem as fotos aos jornais e revistas, quem para eles posa também não o pode fazer gratuitamente!!...Mas aquilo não me caiu la muito bem! Da forma como Gageiro contou, fiquei a saber que Torga seria uma pessoa de temperamento forte!
      A minha admiração pelo sua obra, não ficou, minimamente, beliscada!

      Beijinhos amigos e um bom resto de semana.

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  4. Gosto muito de Miguel Torga, no entanto não conheço este livro!

    Tem uma boa semana Janita.

    Beijinho carinhoso

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    1. Amiga Adélia, este livro já e de uma edição muito antiga, se calhar conheces e não associas as historias ao meu livro.
      Olha que este foi 'leitura obrigatória' nos Liceus.

      Beijinhos amigos e bom resto de semana.

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  5. Falando de galos, este conto está bem contado
    mas o meu, embora mais rijo é mais apaladado

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    1. Rogério,

      esse seu conto cheio de ternura, vinda das suas profundas memorias de infância, ainda me faz recordar e interrogar sobre o motivo das lagrimas da senhora sua avo!
      O paladar foi o meu amigo quem lhe deu o tempero!

      ( algo se anda a passar, por aqui, os acentos não me querem ficar no sitio)

      Um abraço amigo!

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  6. O Torga não tinha bom feitio, Janita.
    E não tinha nada feitio de vedeta.
    Beijinhos

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    1. Esta narrativa de E.G. foi a confirmação do que diz, Pedro!

      Poderia possuir um feitio arrevesado, mas todas as pessoas que assim são, têm bom coração! E não gostam de dar nas vistas...

      Beijinhos, bom resto de semana!

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  7. Vi esse programa sobre Gageiro e fiquei com uma muito má impressão de Miguel Torga. O que não tira nem põe de o adorar como escritor. Porque ele não se limitou a cobrar-lhe 100 contos pela pose (o que era uma pipa de massa), mas quando Gageiro viu o último Diário que ele tinha publicado, dizendo-lhe que era seu admirador, mandou-o ir comprá-lo à livraria...

    Mas lá está, uma coisa é o escritor, outra é o homem. Se gostássemos só de escritores simpáticos, suponho que teríamos muito poucos livros nas estantes!

    Beijocas

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    1. Na altura também fiquei mal impressionada, mas pensando bem, e como dizes, não só teríamos poucos livros, como os escritores não ganhavam para o petróleo!!

      Sabes que não fiz referencia aos 100 contos, com receio que pensassem que eu estava a inventar, Tete.
      Ainda bem que tu também viste!! :)

      Bejiocas! :)

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  8. Pois...gosto mais do Nero!
    Quanto a Torga, agreste como a terra que o viu nascer. Inteligente e irónico. Capaz de nos ler. Sem paciência para vedetismos, subserviência e bajulações. Gosto. Da obra muito.

    Abraço grande

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    1. Ola, Argos!

      O "Nero" e o primeiro conto do livro e também gosto muito, mas o meu preferido e o "Miura"! Já o publiquei em Setembro de 2010, em dois posts, a propósito de tradições absurdas e cruéis, tais como as touradas e outras.
      Incluem-se na Eiqueta 'Sentimentos', se acaso tiveres curiosidade em ler.

      Quanto ao Nero, apetece-me deixar-te esta transcrição do final do conto:

      "Por uma fresta das pestanas espreitou-lhe a cara. Chorava. Desceu novamente as pálpebras, feliz.
      E ``a noite, quando o luar dava em cheio na telha vã da casa e os montes de S. Domingos, la longe, pareciam ter j´´a saudade das suas patas seguras e delicadas, quando o cheiro da ultima perdiz se esvaiu dentro de si, quando o galo cantou a anunciar a manhã que vinha perto, quando a imagem do filho se lhe varreu do juízo, fechou duma vez os olhos e morreu."

      Um valente, este "Nero"!

      (Só lamento que, por um motivo que desconheço e para já não sei como remediar, os acentos agudos e graves, fogem ao meu controlo!!)

      Beijinhos e obrigada, Argos! Sabes como a tua opinião ´´e importante para mim...

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  9. Não conheci o homem só a obra (parte dela) e dessa gosto.
    Por falar em galos...

    http://tintacompinta.blogspot.pt/2013/12/missa-do-galo.html

    Não me leve a mal, "Natal é quando o homem quiser..." Boas Festas!
    :)

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    1. Grata pelo link, Rui.

      Já lá estive e deixei a minha pégada . O seu também é um Galo de Respeito! E milagreiro! Não é que me trouxe de volta os meus acentos que andavam perdidos??

      Um abraço! :)

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  10. Uma coisa é o homem e outra é o escritor. Não tenho a certeza se um pode ser dissociado do outro, mas quem sou eu para dar palpites sobre isso?
    Não conheci o homem mas conheço alguns dos seus livro (Bichos é um deles) e gostei muito de os ler.
    Dos autores dos livros que leio "conheço-os" pelas descrições feitas pelos editores que, evidentemente, os pintam com cores agradáveis. E isso não é irrelevante para a qualidade da obra literária?

    Beijokas escritas com sorrisos :))

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    1. Quem és tu? Alguém com direito a ter a tua opinião, ora essa!

      A obra de Torga é imensa e diversificada, Kok! Para além destes livros de contos como Bichos e Contos da Montanha, escreveu vários romances e a sua poesia é toda de uma inspiração incrível, incluindo o núcleo de escritores de Poesia Ibérica!
      Médico, poeta, dramaturgo e escritor, este Homem faz parte da História da Literatura Portuguesa, em toda a sua dimensão! Adoro-o e não me canso de o publicar!

      Beijokas recebidas e retribuídas com um sorriso de orelha a orelha!!

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  11. Já me ia embora mas dei meia volta para esclarecer e esclarecer-me:
    eu não me chamo Tenório, nunca me chamei Tenório e tenho a certeza de que jamais me chamarei Tenório.
    É só para esclarecer...
    Bj!

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    1. Já que voltaste para trás, afirmas e reafirmas não te chamares Tenório, vou ter de ser franca e dizer o que não pensava dizer-te, já que o não fiz.

      Sabes que pensei dedicar-te este post? Só não o fiz com receio que levasses a mal...A sério! :)

      Esclarexeste está esclarexido! Lembras-te deste programa do Jô em que o professor, não sei das quantas, falava na Bruna e dizia:---Posso esclarexer?

      Se calhar não é do teu tempo!

      ! :-))

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  12. Torga, um Médico que ditava a Terapia das Letras.
    Sem mais!


    Beijos


    SOL

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  13. A leitura serve de terapia para muitos males da alma!
    Nem mais!

    Beijinhos e que tenhas um excelente fim de semana, apesar da chuva!

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