Certa vez fui
vítima de assalto. Um velho amigo sugeriu-me que consultasse os serviços de uma
famosa curandeira no bairro da Polana Caniço.
Num instante ela faria surgir o rosto do ladrão na
superfície de uma tina de água. Não é que fizesse fé nesse mágico scanner sem imagem original. Estava
criado o pretexto para dar o gosto à alma e visitar um universo onde perdemos
certezas.
No momento seguinte
encontrava-me tirando os sapatos à porta da Dona Mariana, em solicitação de
poderes. Acreditava no que estava vivendo? Com o tempo, aprendi que por vezes a
resposta é errada simplesmente porque a pergunta é incorrecta. Não se tratava
de saber se era ou não verdade. Certas coisas são verdade numa dada relação,
num dado momento.
Nenhum rosto
compareceu à tona de água. Mas a curandeira falou de mim, da minha vida passada
e presente. Sem incursão no futuro. Nem tudo terá sido verdade. O que foi verdade
é que conversámos, ela falando sem preceito, eu escutando sem preconceito.
Dona Mariana
deu-me uns pós para espalhar em água de banho. Tomasse banhos enquanto chorava,
em audível lamento: «Ai, o meu televisor!
Ai, o meu leitor de vídeo!» Nunca chorei.
Talvez por isso – insuficiência de fé – nunca
tenha recuperado os bens roubados. Regressando mais tarde a casa de Dona
Mariana continuei trocando fios de prosa que me compensaram a perda dos
aparelhos.
[A partir de uma narrativa de Mia Couto: “O Feitiço Dentro de Nós” ]
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As certezas não passam de incertezas mascaradas - quem sabe não é verdadeiro, também, o contrário...
ResponderEliminarBoa noite Janita - Boa semana pa TU também
Pois, Noname...quem sabe? :)
EliminarBeijinho e boa semana, NN!
É verdade que em cada preceito há sempre um preconceito, e vice-versa. As verdades são sempre matéria frágil, escorregadia, e disso bem sabe quem muito experimentou e porfia.
ResponderEliminarMia Couto? É dos meus!
Um beijinho, Janita :)
No campo das crenças e das crendices há um mundo em que cada qual acredita no que mais lhe convém.
EliminarAfinal, o que é a 'verdade'? Até o que está à vista de todos tem a interpretação que cada um lhe dá.
Mia Couto, é dos dois, então!
Um beijinho, A.C. :)
Os mundos de Mia Couto são encantadores.
ResponderEliminarE únicos.
Beijinhos, boa semana
O mistério das gentes africanas está bem patente em quase tudo o que sai da sua 'pena'. É um mundo mágico e único, como diz o Pedro.
EliminarBeijinhos.
mundo mágico que tão bem nos faz quando nos deixamos transportar pelas suas fantasias!
ResponderEliminargostei do texto Janita:)
Angela
Muitas das suas 'fantasias' vai ele buscá-las às suas vivências com os outros, como todos os escritores, aliás.
EliminarAinda bem que gostaste, Ângela.
Fico feliz por isso. :)
Beijinhos, boa semana.
Acontece que não acredito nos curandeiros ou bruxos (mais vulgarmente), mas pegaste-lhe bem no título !
ResponderEliminarElas ou eles que falem sem "preceito" e eu também seria capaz de os ouvir sem "preconceito", apenas por divertimento !
Abraço
Não digo que acredito nem digo o contrário, Rui. Simplesmente nunca fui confrontada com nenhuma situação semelhante.
EliminarMas acredito nos "curandeiros" de ossos! Os chamados «endireitas», já uma vez levei um 'abraço' de um que me colocou uma vértebra lombar no sítio....:))
E tu, nunca foste a um 'endireita'?
Beijinhos, Rui!!
AH ! Isso de "Endireitas", é outra coisa. Normalmente até são fisioterapeutas que conhecem bem os músculos os tendões ! Já fui e digo maravilhas !
EliminarOutra coisa são as tais "ditas" em que não acredito,... pero que las ay las ay ! rsrsrs
Beijinhos
Las hay, las hay, mas eu não sei onde há nenhuma, senão bem que eu precisava de consultar para que me dissesse onde fica esse tal castelo lá do teu passatempo. ehehehehe
EliminarBeijinhos.
Gosto da escrita do Mia Couto.
ResponderEliminarE este naco de prosa é bem saboroso.
Também gostei do teu blogue (penso ser a primeira vez que aqui venho).
Janita, tem uma boa semana.
Beijo.
Olá, Jaime Portela. Bem-vindo!
EliminarGostei da expressão 'naco de prosa'. Na verdade é mesmo do que se trata. :)
Obrigada, pelo que ao blog diz respeito, mas como pode constatar é um espaço sem qualquer pretensiosismo. Simples, como eu.
Uma boa semana também para si, Jaime.
Um beijo.
Adoro os textos de Mia Coto, estou a torcer para que seja premiado este ano com o Nobel da Literatura.
ResponderEliminarBeijinhos Janita
O Mia Couto também está nomeado para o Prémio Nobel, Manu?
EliminarSe sim, pois que arrecade ele o galardão. Bem merecia.
Beijinhos e boa semana, Manu! :)
Mia Couto, sempre e a toda a hora.
ResponderEliminarAinda bem que assim pensa, José! Fico feliz por isso!
EliminarUm beijinho, também para si!!!
:)
Há em Mia
ResponderEliminaralgo
que nada miado
me fala à Minha Alma
faz pensar Meu Contrário
e que Eu aplaudo
Nobel? Porque não?
Que lindo e bem rimado comentário, amigo Rogério!
EliminarÉ sempre uma delícia ler esta sua poesia que, sendo diferente da prosa do Mia, muito me agrada e desvanece.
Pois, porque não? Amanhã saberemos.
Um abraço.
Amiga Janita:
EliminarSegui o link da tela e fiquei maravilhada pelas telas e pela homenagem do pintor ao escritor.
Todos os textos do Mia Couto nos prendem e encantam mesmo quando se trata de bruxas,que não acredito mas que existem :))
Um beijinho
Amiga Fê: Tanto o pintor quanto o escritor mereciam esta homenagem.
EliminarAgora que soube quem foi o eleito pela Academia sueca para ser agraciado com o Prémio Nobel da Literatura, mais me congratulo por ter escrito, e transcrito, este belo pedaço de prosa do nosso grande escritor, que é: MIA COUTO!!
Beijinhos.