domingo, 9 de agosto de 2020

As Duas Irmãs.

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Desde o retiro, a que a pandemia viral a isso obrigou, foi o primeiro encontro físico entre as duas irmãs.
O peso do isolamento foi sendo atenuado, ao longo dos meses, por esse milagre de aproximação entre  amigos e familiares chamado WhatsApp.
Uma maravilha da tecnologia informática, diziam-se ambas, mutuamente, acenando afirmativamente com a cabeça.
Nesse pormenor estiveram sempre de acordo.

Tocados os cotovelos, no cumprimento mais próximo que mandava  a precaução e o bom senso, vieram as perguntas e respostas acerca das gentes da 'nossa' terra.
A irmã mais velha, também a mais faladora e que sempre tinha mais para contar, explanava longamente factos sabidos por outras fontes.
- Coitado do C., disse-me ele ontem por telefone que agora nas horas de maior solidão nunca houve uma boa alma que lhe batesse à porta para uma palavra de conforto.
- Ah, estivéssemos nós lá, - lamentaram ambas, em uníssono, num lamento sincero.

Comida a açorda de bacalhau com ovos escalfados e tudo o mais a que tinham direito, com o saborzinho bom da terra natal, chegou a vez das lembranças mútuas. 
Curiosamente, a irmã mais velha não se lembrava de quase nada que a mais nova recordava com tanta precisão.

- Lembras-te daquela altura em que eu quis comungar, na missa de domingo, pela primeira vez, acho que teria uns sete anos,  e não o podendo fazer sem ir previamente ao «confesso»,  te perguntei o que devia dizer ao senhor padre?
- Verdade? 
- Então não te lembras que escreveste num papel os pecados que eu tinha de confessar?! 

De todos os pecados que lhe foram imputados lembrava-se ainda de três:

1-Tenho dito palavras feias
2-Tenho desobedecido aos meus pais
3-Tenho batido nas minhas amigas.

Enquanto conduzia no regresso a casa, a irmã mais nova sentiu-se finalmente perdoada pelos pecados que a sua irmã  lhe havia imputado e ela não tinha ideia alguma de ter cometido.

E, pasmem, a verdadeira pecadora, não se lembrava de nada...







33 comentários:

  1. Recordações da infância que mesmo entre os que as viveram em comum podem não ser coincidentes.
    Perguntaremos "o que fazer com as minhas memórias?"
    Bom domingo e um abraço.

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    1. O que fazer com as minhas memórias é pensamento que me assalta amiúde. Soubesse eu escrever e talvez as fosse anotando, não vá a memória me fugir...

      Boa Noite e retribuo o seu abraço.

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  2. Boa tarde
    E os pecados eram tão ingénuos que eram iguais todos os meses

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    1. Sempre, JR, sempre...lembro-me perfeitamente de pensar que necessidade haveria de toda a gente se confessar antes de comungar. Que pecados repetidos toda aquela pessoas teriam e quais seriam. Ir ao domingo à missa era um dever e um prazer, sem hóstia não seria a mesma coisa. Com o passar dos anos tudo se desmoronou.
      Sabe que me lembrei de um pequeno poema que declamei, numa Récita da escola, já mais velhinha? Acho que era + ou - assim:

      Ir aos domingos à Missa
      ver o luxo ao Salvador
      eu gostaria imenso
      de lá ver o meu amor.

      De smoking, de cartola
      de bengalinha na mão
      só a ideia me consola
      ver um grande figurão.

      :)

      Salvador era, e é, aquela Igreja do casamento.
      São Salvador.
      Olhe, tinha aqui material para outro postal...

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  3. Alguém tem memória seletiva! : )
    Esses encontros dão a sensação de que a “vida normal” está a regressar.
    Uma foto de casamento muito a preceito!!
    : )

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    1. A mana mais velha tem mesmo memória selectiva.
      Só se lembra do que lhe convém. Foi sempre assim, o que eu sofri com isso. :)
      Por cá vamos retomando a vida aos poucos, Catarina, ainda que com as devidas medidas de segurança e proteção.

      Beijo. :)

      As duas meninas à direita da noiva, vestidas de cor-de-rosa, foram as madrinhas. :)

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  4. Quando eu, e os meus irmãos nos reunia-mos a conversar sobre a infância. raramente coincidíamos em mais que uma ou duas coisas. Eu lembro de coisas que meus dois irmãos não lembram. Por sua vez eu não recordo grande parte das coisas de que eles falam. Engraçado que eu e meu irmão mais novo, recordamos coisas de quando éramos mesmo muito pequenos. 4/5 anos. A minha irmã só se lembra a partir dos 7/8 anos.
    Já reparou que num casamento de há 50/60 anos havia sempre um monte de crianças? E que nos casamentos de hoje em dia, ou não as há ou aparece uma ou duas?
    Abraço, saúde e resto de bom domingo

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    1. A diferença de idade, se for acentuada, neste caso são seis anos, também contribui para que as memórias de uns nem sempre coincidam com as dos outros. Também acontece que há acontecimentos que marcam mais a quem os sentiu com mais intensidade, logo, ficaram gravados na memória.

      Antigamente havia muito mais crianças, Elvira. O controlo de natalidade não se fazia sentir. Lembre-se que até Salazar premiava as famílias que tivessem mais filhos, seriam mais mãos para trabalhar, claro.

      Boa semana e um forte abraço.

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  5. Memórias partilhadas que também só acontecem quando estou com os meus.
    Engraçado que os meus pecados eram iguais aos teus, um horror ter de ir ao confessionário, o que vale é que a penitência era sempre a mesma, um Pai Nosso e 3 Avé Marias :) :)
    Gostei da foto do casamento, recuei uns bons anos atrás.

    Beijinhos Janita

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    1. Ehehehehe...é verdade, Manu.
      A penitência era leve e muitas vezes atabalhoada, para ir brincar para o adro da Igreja.
      Foi justamente esta foto que despoletou o desfiar de memórias.

      Beijinhos, Manu.

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  6. Pois eu também acho a mesma coisa da Manu acima! Pecados de crianças, sempre a mesma coisa, e aquilas pequeninas coisas, de um ser em crescimento, seriam pecados? Fiquei com uma certa cisma com confessionários desde aquela época de criança de 8 anos, mas que já entendia que aquilo não era pecado. Muitas coisas a igreja católica teria de modificar.
    Não sou muito de me fixar em minhas memórias, embora de vez em quando venha alguma coisa, mas não fico pensando muito, não. Acho o presente sempre mais interessante, nele há vida pulsando...
    Gostei da postagem, Janita. E da foto do casamento.
    Beijo, uma boa semana,
    até mais!

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    1. Olá Tais.

      A Igreja Católica mudou muito desde o tempo em que, na minha meninice, eu fazia parte do coro infantil e pertencia à Pré-JOC, pode acreditar que sempre que mudou foi para pior.

      Talvez a preferência da Tais, em apreciar mais o pulsar da vida presente, se deva ao facto de desfrutar de um presente rico de vivências. A mim sabe-me bem voltar ao período mais feliz da minha vida: a infância e pré adolescência.

      Obrigada pela visita.
      Um beijinho e votos de uma boa semana.

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  7. Pelo título pensei que tivesse a ver com o Shakespeare ou com algum algum outro romance de manas pouco irmãs. Felizmente não; é uma história bem mais real, das que nos fazem viajar pelas nossas memórias, umas mais nítidas do que outras, sobretudo pelas mais agradáveis, (porque das outras...).
    Essa parte do confessar nada posso dizer pois nunca experimentei. Mas pelo que contas não terá sido muito desagradável.
    Beijos com sorrisos

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    1. Achas, Zé? Shakespeare? Deixo isso para os blogues do bairro chique da bloga. Gosto de viajar por caminhos que já percorri e mesmo sabendo que águas passadas não movem moinhos, vou-vos passando algumas das minhas mais puras memórias.
      Lembras-te quando publiquei a foto dos treze anos e tu, por arrasto, fizeste o mesmo? Pois então!
      Confessar era uma seca, mas o sr.prior depressa nos despachava.
      :))

      Beijinhos, Zé, gostei de te ver por cá.

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  8. Boa noite de domingo, querida amiga Janita!
    A foot do casamento lembra as da época onde fui daminha em dois da famílla de tios. Que dia lindo que ficava na memória!
    Pecados ou erros no alvo são coisas qu acontecem, mas a Misericórdia é muito mais forte... nisso eu creio.
    Todos deslizes que cometemos são alguns em torta linha que desejaríamos ser a correta.
    Tenha uma nova semana abençoada!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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    1. Bem amiga Roselia, agradeço muito as suas palavras, como se as tivesse entendido.

      Beijinhos

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    2. 💐🍀🌈👼🕊️🙏🏡😘

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  9. Não tenho memórias dessas. Sou a mais velha e não tínhamos o hábito de ir à missa...

    Beijinho, Janita :)

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    1. A Maria João não tem destas memórias mas certamente terá outras.
      Quem as não tem?

      Um beijinho . :)

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  10. A Janita fez-me sorrir. Quando me junto com as minhas irmãs também é muito engraçado. Eu sou a do meio.

    Acho que preferia tripas á moda do Porto em vez da açorda.

    Uma das meninas madrinhas é a Janita? E no post anterior é a sua mãe? Por isso é que gosto tanto de fotografias.

    Um abraço do Algarve,

    Sandra Martins

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    1. Olá, Sandra.

      O almoço foi em casa da mana mais velha, nem quis lembrar-lhe que açorda de bacalhau é comida de inverno. Refresquei o palato com a dulcíssima melancia. :)
      Não, não, tripas nem pensar!

      1- Sou a mais baixinha, claro.
      2- Não.

      Também adoro rever fotografias antigas. São sempre pedacinhos de nós e, quantas, de quem já partiu.

      Um beijinho nortenho.

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  11. Sabes que mais? Passei para de desejar uma boa semana.
    Beijinho, Janita.

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    1. E não fizeste mais do que a tua obrigação, António!

      Beijinho. :)

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  12. olá Janita, uma recordação super simpática
    os casamentos eram muito festivos!
    e com grande quantidade de bolinhos! as crianças que eram sempre muitas
    corriam, brincavam por todo o que era canto! não há assim muito tempo
    o casamento era grande festa de juventude
    com ou sem confesso à mistura, que tudo se perdoava:)

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    1. Olá, Ângela. Aí para o Algarve devia ser igual.

      Houve um outro casório logo a seguir, de outra prima, cujo copo-de-água foi servido em nossa casa. Os festejos duraram três dias. Parecia casamento de ciganos; enquanto houver comes e bebes a mesa não se levanta.
      À criançada da rua que batia à porta, um meu primo cheio de boa disposição e boa vontade de partilhar os bolinhos folhados, chamava : "a mocice do bolinho". Ricos tempos esses.

      Obrigada pela companhia, querida Ângela. :)

      Beijinhos.

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  13. (estou aqui porque uma gaivota recomendou que cá viesse!)

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    1. E eu estive lá, mas o postal onde escrevi fugiu.

      Fez bem em sair para arejar.
      Um abraço.

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  14. Quando era garoto e me ia confessar quem dizia os meus pecados era o padre.
    Como é que ele os sabia todos??? :)))
    Beijinhos

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    1. Ehehehehe...Às tantas antecipava-se, antes que o Pedro inventasse novos pecados. Deviam ser sempre os mesmos, como os meus. :))

      Beijinhos.

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  15. "Confesso" que só passei só para desejar um bom dia.

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    1. Bom dia, boa tarde ou boa noite, conforme a hora a que me estiver a ler.

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