Não sou dado a pânicos, mas nessa noite estive
mais perto de entrar em pânico do que nunca. De qual de nós andavam eles atrás
– do Larry ou de mim? Ou dos dois? O que saberiam ao certo sobre a Emma? Porque
é que o Checheyev tinha vindo falar a Bath com o Larry e quando, sim, quando?
Aqueles polícias não andavam certamente à procura de um qualquer professor
universitário que tinha resolvido ausentar-se por uns dias. Estavam a seguir
uma pista, farejavam sangue, e perseguiam alguém que despertasse os seus
instintos mais agressivos.
Porém,
quem pensavam eles que ele era? – o Larry, o meu Larry, o nosso Larry?
– o que é que ele tinha feito? Esta
questão do dinheiro, os russos, os acordos, o Checheyev, eu próprio, o
socialismo, novamente eu – como é que o Larry podia ser outra coisa senão o que
nós tínhamos feito dele: um
revolucionário inglês da classe média sem direcção certa, um permanente
dissidente, um diletante, um sonhador, um contestatário crónico; um falhado
semicriativo, gasto, namoradeiro, sem ambições nem piedade, um falhado com
inteligência mais do que suficiente para não demolir qualquer argumento e
obstinação mais do que suficiente para não ceder aos obviamente débeis?
E quem pensavam eles que era eu
– este funcionário público reformado e solitário, a falar sozinho línguas estrangeiras,
a fazer vinho e a brincar ao Bom Samaritano nas suas apetecíveis vinhas de
Somerset? Por que razão haviam eles de concluir que, lá porque vivo sozinho,
sou incompleto? Porque haviam eles de perseguir-me só por não poderem deitar a
mão ao Larry ou ao Checheyev? E a Emma – a minha frágil Dama de Honeybrook, talvez não
tão frágil assim, agora noutras paragens
– há quanto tempo não andariam eles a vigiá-la? Subi a escada. Não, não
foi assim. Corri escada acima. Tinha o telefone ao lado da cama, mas mal
levantei o auscultador verifiquei humilhado que me tinha esquecido do número
que queria marcar, algo que nunca me tinha acontecido em toda a vida, nem mesmo
nas situações operacionais mais difíceis.
E
para que é que eu tinha vindo cá acima, se havia um telefone perfeitamente
funcional na sala, e ainda outro no escritório? Por que razão tinha resolvido
correr pela escada acima? Lembrei-me de um zeloso professor do curso de
formação que nos ia matando de tédio a dissertar sobre a arte de quebrar um
cerco. Quando as pessoas entram em pânico, fazem-no sempre para cima, dizia
ele. Correm para os elevadores, tapetes rolantes, escadas, tudo o que as leve
para cima, nunca para baixo.
Sentei-me na cama. Baixei os ombros, para relaxar. Rodei a cabeça,
seguindo o conselho dado por um guru qualquer no suplemento a cores do jornal
que ensinava ao leitor as técnicas da automassagem. Mas não senti qualquer
alívio.
Sentia
os ouvidos a zumbir. Ouvi gritos, depois soluços, depois os gemidos do vento.
Vinha por aí borrasca. Era a ira de Deus. Ontem um nevão de Outono, um
despropósito, e esta noite um verdadeiro temporal, com as persianas a bater, o
vento a assobiar nas caleiras e a fazer a casa ranger.
Continua.
Mais, mais! Gosto deste jogo, deste partilhar de leituras com os amigos.
ResponderEliminarAbraco grande , Janita
Eu sei, Ricardo.
EliminarTens paciência e gosto, suficiente, para apreciar este tipo de partilhas!
E eu, estou a gostar muito de partilhar...Tudo vale a pena, - como disse o poeta- não é assim? :-)
Um beijinho e abraço muito grandes.
Assim sem o contexto percebo pouco...
ResponderEliminarDevagar devagarinho, vais percebendo tudo, Daniel.
EliminarO contexto vai-se apreendendo aos poucos.
O Cranmer é um agente secreto reformado. Com o Larry e a Emma vão formar um triângulo cheio de emoções. Já estou quase a terminar o livro, mas obviamente que não posso transcrever para aqui o livro na íntegra. São 393 páginas.
Estou a fazer uma selecção que dê para perceberem, sem se tornar exaustivo, para vós e para mim, claro está.
Se eu quisesse resumir, faria como tenho feito das mais vezes. Percebeu?
;)
Tá percebido.
EliminarAcho, acho não, tenho a certeza, nunca li um policial.
Agora fizeste-me rir.
EliminarOs serial killers que tu crias nunca são apanhados, pois não? Lol
Este é mais de espionagem...
:)
Vou continuar a acompanhar.
ResponderEliminarBeijinhos
Fico muito contente, Pedro.
EliminarE quase posso garantir que o Pedro não se vai arrepender, espero! :)
Beijinhos
Gostei. Gosto destes medos que nos acordam e nos fazem viajar.
ResponderEliminarLuis Coelho,
EliminarSe puder siga esta leitura que estou certa lhe irá agradar.
Obrigada.
Gostei da tua partilha, vou aguardar e cuscar até ao proximo episódio.
ResponderEliminarUm beijinho
Amiga Adélia,
EliminarSe conseguires; com paciência e um bocadinho de tempo, lê até ao fim. Vais gostar. :)
Sei que na blogosfera este tipo de publicações, alongadas, não despertam muito a atenção dos leitores.
Mas eu gosto. Assim como gosto de os publicar gosto de os ler em outros blogues.
Um beijinho.
um escrita límpida e impressiva. gosto muito - há muito tempo! rss
ResponderEliminarbeijo
Oh, meu amigo, isto vai ficar um pouco nebuloso, quando a personagem principal se embrenhar pelos meandros da Inglaterra pós-thatcheriana...:)
EliminarPosso perguntar-lhe se já leu o livro?
Beijinhos!