quinta-feira, 27 de julho de 2023

CAGANÇAS & CARAPAUS DE CORRIDA.

 


"Sou um tipo moderno. E chique. Muito chique. Por isso não podia deixar de entrar num restaurante gourmet da moda. Vesti um Armani que comprei num saldo dos chineses, calcei umas sapatilhas com uma virgula estampada que regateei ao ciganito da feira e esvaziei, pelo pescoço abaixo, meio frasco de Chanel dos marroquinos.
E foi assim, cheio de cagança, como mandam as regras da pelintrice lusa, que fui jantar ao tal restaurante gerido por um “chef” reputado com categoria internacional e olímpica.

Tramei-me! Antes tivesse ido ao tasco da esquina aviar uma bifana! Confesso que já levei muita tanga, mas como esta, nunca!

Passei fome, fui gozado e fui roubado. É no que dá quando um parolo se quer armar em carapau de corrida...

Sempre achei que cozinhar era um acto de descontracção, de partilha, de alegria, de afecto. E eu devia desconfiar, porque aqueles concursos gastronómicos das TVs transformaram uma actividade social sadia, numa agressão stressante, provocadora de lágrimas e depressões. Já para não falar das parvoíces dos mestres cozinheiros da moda, cujos pratos estapafúrdios e minimalistas se apelidam agora de 'criatividade culinária'.

Colocaram-me um prato à frente que foi mais difícil de decifrar que as palavras cruzadas do Público ao domingo. Um prato que exibia 5 cm2 de um pobre robalo que morreu inutilmente só para lhe extraírem um pedacito do cachaço, meia batata engalanada com um pé de salsa, e duas ervilhas a nadarem numa colher de chá de um azeitado molho de escabeche, bem disfarçado com um nome afrancesado que nem vem nos dicionários. Para remate, três riscos de uma substância pastosa, estilo Miró, para preencher os restantes 90% do prato vazio.


E o portuga, habituado à sua travessa de cozido e ao panelão de feijoada, olha para aquilo com uma cara de parvo capaz de partir todos os espelhos lá de casa.
Esboça um sorriso amarelo, engole em seco, diz que está tudo óptimo ao empregado de mesa que mais parece uma melga à nossa volta, e enfiam-se dois Xanax quando nos metem a conta à frente. E, a muito custo, cala-se o berro de duas peixeiradas à moda do Norte que nos vai na alma.

Nunca mais lá volto. E sabem porquê?

Porque se quiser comer aperitivos, vou à tasquinha do Zé da Esquina comer bolinhos de bacalhau e tremoços, que são muito mais saudáveis e baratos.

Porque para ver pintura abstracta vou a uma exposição.

E, acima de tudo, porque desconfio de um cozinheiro que vive e trabalha com a ambição obsessiva de ser medalhado por uma companhia de pneus..."


[Texto de Francisco Gouveia com algumas adaptações da autora do blogue]



23 comentários:

  1. Fui ao gourmet e tramei-me, é esse o texto, não é??
    Beijinhos

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    1. Precisamente, Pedro!!
      Mas achei o título demasiado prosaico. O que escolhi tem mais a ver comigo!!! :))
      Beijinhos.

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  2. Quem se faz passar pelo que não é...acontece-lhe o que não quer que aconteça, 😁😁😁
    .
    Saudações cordiais e poéticas
    .
    Poema: “ Sorrindo me mentes “
    .

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    1. A graça do texto está justamente na forma do autor parodiar o tuga metido a fino!! E há tantos...😁😁
      Saudações cordiais e risonhas.

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  3. Identifiquei-me com este texto que me fez rir, porque é bem ilucidativo as "caganças" da actual gastronomia portuguesa praticada por muitos chefes "estrelados ou premiados" pretendem ser mesmo "carapaus de corrida"! Raramente como fora e quando o faço fujo dessas figurinhas!
    No programa da SIC "Portugal na esplanada" fico pasmada com a mini e quase impercetível quantidade decorada com...não digo e vai lá vai o convite é belo mas a conta deve ser de fugir!
    Obrigada amiga por este momento hilariante mas tão real!
    Beijos e um bom dia

    (PS: pergunto com muita preocupação se os teus estão bem e des já peço desculpa)



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    1. Também achei este texto com um sentido de humor tão oportuno, tão demonstrativo que uma crítica pode ser feita com 'estilo' e 'graça', que não resisti à vontade de o roubar a quem já o havia roubado. :)
      Ah, não me fales nesse programa, ao final da emissão de um canal das nossas TVs, que me lembro da cara de parvo do apresentador. O programa até é bem intencionado, pois mostra-nos restaurantes de terreolas do interior - e não só - onde se podem degustar as nossas iguarias ao ar livre, em esplanadas, adaptadas ao estilo gourmet, ou seja, àquilo a que eu chamo a 'prova'. Não posso é com a cara, ou o jeito, do rapaz! Raramente 'embirro' com alguém sem ter motivos para isso. Mas aquele olhar 'sacana' de quem está ali para comer e beber à borla, aquele jeito melífluo, faz-me mudar de canal ! É mais forte do que eu esta antipatia...
      Vou dar-te um exemplo: Aos sábados de manhã, enquanto tomo o pequeno almoço, ligo o pequeno televisor da cozinha e até me farto de rir com um programa de Apanhados Canadiano. Acontece, por alma não sei de quem, que no mesmo surge o maior palerma tuga, metido a humorísta que é um tal fernando rocha...Ó menina, se quero que o dia me corra bem, tenho de tirar o som até que venha quem tem realmente piada. A equipa do Canadá...Aquilo é outra coisa, gente que sabe da Arte de fazer rir sem precisar de recorrer à vulgaridade. O portuga nortenho, suponho, é-me completamente intragável.
      Isto para te dizer que gosto dos programas e detesto alguns apresentadores...
      Bem, parece que cheguei ao fim. :))
      Beijos e bom resto de semana.

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    2. Ah, desculpa, Fatyly.
      As últimas notícias que tive da Ilha de Rodes, ou seja, do meu filho, numa mensagem de voz, era de que se tinham mudado, através de uma viagem longa por estradas onde não houvesse o perigo de fogo, para mais perto do aeroporto. Conseguiram um mini estúdio para ficar e hoje regressam à Holanda. Vamos ver se tenho notícias deles ainda hoje ao final do dia.
      Obrigada, pelo teu cuidado.
      Abraço.

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    3. A minha gente já está em casa, Fatyly. Graças a Deus!
      Com chuva e temperaturas baixas, mas estão na sua casinha...

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  4. Bom dia
    Quem se arma em carapau de corrida, só pode mesmo sujeitar-se a ser comido por lorpa .
    O que hoje se vê mais é cagança .

    JR

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    1. Também não acho que seja comida que satisfaça alquém com apetite, aquelas 'caganitas' de comida no centro de um prato enorme, não satisfaz, mas é fino e está muito em voga, amigo JR!
      Vive-se num mundo de aparências e salamaleques, é o que é!
      Boa noite, JR!!

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  5. O gourmet e a comida de plástico nunca me seduziram. Então, 'bora lá aos pastelinhos de bacalhau da tasca mais próxima.
    Beijinho, Janita.

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    1. Pastelinhos de bacalhau, umas rodelas de salpicão, um pratinho de azeitonas, com umas tiras de broa de milho amarelo, para mim é o melhor manjar.
      Alinhas? Bora lá, então.
      Beijinho, António

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    2. Alinho. Onde me devo dirigir? 😉

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    3. Ao Norte, meu amigo, ao Norte...!! 😁

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  6. O que já me ri com o teu texto :) :)
    Também não alinho nestes floreados gastronómicos.
    Uns caracóis e uma bjeca para mim, são um manjar dos deuses.
    Beijinhos Janita

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    1. O texto não é meu, Manu! Roubei-o, acrescentei-lhe umas parvoíces à minha moda e trouxe-o para quem o quiser ler. :))
      Ah...caracóis... Adoro! Só a lembrança do cheirinho dos orégãos e do alho me fazem salivar... :))
      Beijinhos, amiga.

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  7. Nessa não caio eu! Pago 35€ por uma posta de vitela que não vale nada, mas trago-a para casa pare fazer o jantar do meu Pastor de Beauce.

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    1. Bolas, Tintinaine...(sem ofensa) - será que não está também a armar-se em "carapau-de-corrida"?...Paga 35€ por um naco de carne, ou seja, sete contos de réis, ou ainda - se bem me lembro - para cima de sete mil escudos para dar ao seu canito de estimação?
      Então, o dono?... Só come caviar e rosbife?
      Olhe que jaquinzinhos de escabeche fazem muito bem à saúde...

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  8. Olá, bom dia (ou bôa nôte) minha amiga. Bem podes dizer que só um cheirinho a petisco me faz "sair" da toca porque de facto este teu texto (a meias com o F.Gouveia, pelo que percebi) desperta-me sabores e cheiros agradáveis mas ao mesmo tempo repulsa por paladares e odores inventados, chamados pomposamente de "renovados" por acreditarem que um cozido, uma feijoada ou um gaspacho continuam a ser um cozido, uma feijoada e um gaspacho depois das inovações que produzem. Já para não mencionar os charrinhos alimados; nem imagino o que sairia numa cena gourmet.
    Bálhalhesosdeuses das comezainas!
    Amiga Janita, talvez aproveite esta tua boleia (sobre petiscos e afins) para engendrar um texto sobre cenas semelhantes em Lisboa.
    Beijos temperados com sorrisos ô_ô

    §-já vi que tiveste aí os teus amores. adivinho-te babada

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    1. Meu querido amigo Kok...só tu para me fazer sorrir alegremente.
      É verdade! Enfiaste-te na toca, a salvo de bactérias e contaminações perniciosas para a saúde, mas, se te chegar ao nariz o cheirinho dos condimentos alentejanos, mormente se forem ultrajados pelas modernices minimalistas destes chefes que só têm em mente alcançar as estrelas da fama, associadas à tal marca de pneus, aí, ninguém te segura... ó_ó
      Vou já ver o que engendraste, uma vez que és grande engendrador de histórias... 😋
      Beijos e abraços temperados com os condimentos da nossa velha amizade. 🤗

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  9. Excelente texto: obrigado pela visita. Fiquei fiel seguidor.

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    1. Olá! 😊

      Por Terras de Isis e de Lucífer, não andam completamente alheios a quem lhes entra porta dentro, sem pedir licença.
      Foi, para mim, uma agradabilíssima surpresa ver o Compadre Zé neste meu modesto recanto da blogosfera.

      Essa sua declaração de 'fiel seguidor' enche-me de orgulho, pois sei que o não o disse de ânimo leve. Suponho que andou a pesquisar os 'meus antecedentes', ou seja, constatou que entre este cantinho e as "Conversas do Compadre Zé", pessoa que sabe das coisas e fala/escreve com saber e sentido de oportunidade, há uma diferença abismal. No entanto e apesar disso, diz-se meu fiel seguidor. Creio que isso é das coisas mais bonitas que me disseram ao longo de todos estes anos.
      Muito obrigada!

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