De volta ao escritor e poeta José Saramago, trago-vos a derradeira parte da sua autobiografia. Se algo mais sair a público, e eu creio que sairá, será escrito por alguém que não o Nobel da Literatura. Talvez a sua viúva, Pilar-del-Rio. Talvez...
Uma imagem que exprime a plena Felicidade de ambos. Há, no olhar do escritor, uma ternura imensa. |
Poderá o leitor ler, ou reler, aquilo já anteriormente publicado neste espaço.
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«Autobiografia de José Saramago»
[4ª e última parte]
(...)
Sem emprego uma vez mais e, ponderadas as circunstâncias da situação política que então se vivia, sem a menor possibilidade de o encontrar, tomei a decisão de me dedicar inteiramente à literatura: já era hora de saber o que poderia realmente valer como escritor.
No princípio de 1976 instalei-me por algumas semanas em Lavre, uma povoação rural da província do Alentejo. Foi esse período de estudo, observação e registo de informações que veio a dar origem, em 1980, ao romance "Levantado do Chão", em que nasce o modo de narrar que caracteriza a minha ficção novelesca.
Entretanto, em 1978, havia publicado uma colectânea de contos, Objecto Quase, em 1979 a peça de teatro A Noite, a que se seguiu, poucos meses antes da publicação de "Levantado do Chão", nova obra teatral, Que Farei com este Livro?. Com excepção de uma outra peça de teatro, intitulada "A Segunda Vida de Francisco de Assis" e publicada em 1987, a década de 80 foi inteiramente dedicada ao romance: "Memorial do Convento", 1982, "O Ano da Morte de Ricardo Reis", 1984, "A Jangada de Pedra", 1986, "História do Cerco de Lisboa, 1989.
Em 1986 conheci a jornalista espanhola Pilar del Río. Casámo-nos em 1988.
Em consequência da censura exercida pelo Governo português sobre o romance "O Evangelho segundo Jesus Cristo" (1991), vetando a sua apresentação ao Prémio Literário Europeu sob pretexto de que o livro era ofensivo para os católicos, transferimos, minha mulher e eu, em Fevereiro de 1993, a nossa residência para a ilha de Lanzarote, no arquipélago de Canárias. No princípio desse ano publiquei a peça "In Nomine Dei", ainda escrita em Lisboa, de que seria extraído o libreto da ópera "Divara", com música do compositor italiano Azio Corghi, estreada em Münster (Alemanha), em 1993.
Não foi esta a minha primeira colaboração com Corghi: também é dele a música da ópera "Blimunda", sobre o romance "Memorial do Convento", estreada em Milão (Itália), em 1990. Em 1993 iniciei a escrita de um diário, Cadernos de Lanzarote, de que estão publicados cinco volumes. Em 1995 publiquei o romance Ensaio sobre a Cegueira e em 1997 Todos os Nomes e O "Conto da Ilha Desconhecida". Em 1995 foi-me atribuído o Prémio Camões, e em 1998 o Prémio Nobel de Literatura.
Em consequência da atribuição do Prémio Nobel a minha actividade pública viu-se incrementada. Viajei pelos cinco continentes, oferecendo conferências, recebendo graus académicos, participando em reuniões e congressos, tanto de carácter literário como social e político, mas, sobretudo, participei em acções reivindicativas da dignificação dos seres humanos e do cumprimento da Declaração dos Direitos Humanos pela consecução de uma sociedade mais justa, onde a pessoa seja prioridade absoluta, e não o comércio ou as lutas por um poder hegemónico, sempre destrutivas.
Creio ter trabalhado bastante durante estes últimos anos. Desde 1998, publiquei Folhas Políticas (1976-1998) (1999), "A Caverna" (2000), "A Maior Flor do Mundo" (2001), "O Homem Duplicado" (2002), "Ensaio sobre a Lucidez" (2004), "Don Giovanni ou o Dissoluto Absolvido" (2005), "As Intermitências da Morte" (2005) e "As Pequenas Memórias" (2006). Agora, neste Outono de 2008, aparecerá um novo livro: "A Viagem do Elefante", um conto, uma narrativa, uma fábula.
No ano de 2007 decidiu criar-se em Lisboa uma Fundação com o meu nome, a qual assume, entre os seus objectivos principais, a defesa e a divulgação da literatura contemporânea, a defesa e a exigência de cumprimento da Carta dos Direitos Humanos, além da atenção que devemos, como cidadãos responsáveis, ao cuidado do meio ambiente. Em Julho de 2008 foi assinado um protocolo de cedência da Casa dos Bicos, em Lisboa, para sede da Fundação José Saramago, onde esta continuará a intensificar e consolidar os objectivos a que se propôs na sua Declaração de Princípios, abrindo portas a projectos vivos de agitação cultural e propostas transformadoras da sociedade.
[Fonte: Fundação José Saramago/Autobiografia de José Saramago.]
Nota: Depois de "A Viagem do Elefante", José Saramago escreveu "Caim ", "O Caderno I" e "O Caderno II", livros que não chegou a acrescentar à sua Autobiografia. Como todos sabemos, José Saramago faleceu em 18 de Junho de 2010.
Alegria
Já ouço gritos ao longe
Já diz a voz do amor
A alegria do corpo
O esquecimento da dor
Já os ventos recolheram
Já o verão se nos oferece
Quantos frutos quantas fontes
Mais o sol que nos aquece
Já colho jasmins e nardos
Já tenho colares de rosas
E danço no meio da estrada
As danças prodigiosas
Já os sorrisos se dão
Já se dão as voltas todas
Ó certeza das certezas
Ó alegria das bodas
José Saramago, in "Provavelmente Alegria".
Lisboa: Editorial Caminho, 1985.
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Uma vez mais quero deixar expresso o meu profundo agradecimento, a todos os leitores, visitantes e amigos
que me têm acompanhado nesta
homenagem ao nosso
escritor/poeta José Saramago, Nobel da Literatura.
Muito Obrigada!
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Que viva Saramago. Uma justa homenagem a que me associo.
ResponderEliminarBoa Noite, um abraço.
Bom Dia, Luís!
EliminarSaramago vive agora através dos seus poemas, da sua Obra.
Na memória dos que dele se lembrarem.
Muito Obrigada, pelo apoio.
Um abraço.
Eu é que lhe agradeço por este trabalho sobre o nosso Nobel da Literatura. Muito do que li aqui ao longo destes posts era-me desconhecido.
ResponderEliminarAbraço, saúde e bom domingo
Amiga Elvira.
EliminarFiquei imensamente satisfeita com as suas palavras e o seu apoio a esta iniciativa.
Um grande abraço e muita saúde.
Bom domingo.
Ora Janita não tens nada que agradecer esta bela e grande homenagem que fizeste a um homem controverso mas coerente consigo próprio. Já conhecia o seu historial e desconhecia este poema seu de 1985 e que gostei.
ResponderEliminarBeijos e um bom domingo
Sinto-me grata, sim, querida Fatyly, pois sabia que a maioria de vós, mais entusiastas pela escrita de Saramago do que eu, já saberíeis. No entanto, nunca deixaram de me acompanhar.
EliminarEscolhi este poema por ele espelhar, pareceu-me, a felicidade do escritor, se bem que o tenha escrito pouco antes de conhecer a Mulher por quem se apaixonou, e ao lado de quem terminou os seus dias.
Beijinhos e bom Domingo.
Eu nunca fui e nem sou "entusiasta da escrita Saramago" embora tenha lido a sua biografia total. Gosto apenas e tão só de alguns poemas e reflexões mas livros bem tentei dois mas fiquei pelo caminho. No muito que se diz e ou se escreveu, porque raio virou as costas e bazou de cá? Cada um é livre de fazer o que entender, mas sinceramente é uma parte que nunca percebi.
EliminarBeijocas e um enorme abraço para te sentires mais quentinha:)))
Mas, Faty...Saramago explica o motivo dessa sua zanga com o Governo português que o levou para aquela Ilha ( feia como uma noite de trovões). Olha lê de novo:
Eliminar"Em consequência da censura exercida pelo Governo português sobre o romance "O Evangelho segundo Jesus Cristo" (1991), vetando a sua apresentação ao Prémio Literário Europeu sob pretexto de que o livro era ofensivo para os católicos, transferimos, minha mulher e eu, em Fevereiro de 1993, a nossa residência para a ilha de Lanzarote, no arquipélago de Canárias."
Prefiro só o teu abraço quentinho, sempre aconchega mais. :))
Eu nunca gostei muito, sou sincero, deste lado de estrela Pop que ele pareceu ter, principalmente depois do Nobel. Acho que h+á claramente um antes e depois do Nobel na carreira e na personalidade dele. Quer em mensagem, quer em postura pública. É só a minha opinião.
ResponderEliminarPara ser sincera, nem eu gostei desse aspecto de astro que ascendeu ao estrelado das Letras. De repente, Saramago pareceu-me muito eufórico e encandeado com o próprio brilho. Porém, fiz sempre por tentar compreender que aquela súbita ascênção, o tenha envolvido em diversas circunstâncias da ribalta, das quais não lhe seria fácil fugir.
EliminarO Miguel deve saber como os jornalistas desassossegam os famosos.
Bom domingo. :)
É curioso que mencionem este aspecto, que é muito importante. Lembro-me perfeitamente que, quando ele recebeu o Nobel em Estocolmo, os repórteres foram, de manhã, ao quarto do casal. Foi o próprio Saramago que disse numa entrevista que não queria todo aquele espalhafato mas que o fazia porque a mulher assim o queria. Eu acho que ela foi muito responsável pela forma como ele passou a agir. Eu vi o filme que fizeram e apercebi-me logo disso
EliminarE natural, sim, é até isso é compreensível.
EliminarSabes que na sua qualidade de ex-jornalista, a Pilar sabia da importância em se concederem entrevistas. Esse facto, poderia trazer-lhes muitas vantagens, convites para eventos, conferências e um sem número de outras coisas mais.
Não devemos esquecer que a Pilar não tinha/tem a simplicidade do seu José, como ela dizia gostar de o tratar... 😊
Talvez.
EliminarEla foi uma influencia, não sei se positiva se negativa, na vida dele. Até a Pilar, ele era assumidamente mulherengo, e até boémio. Depois da Pilar, mudou por completo. As mulheres são os seres mais poderosos do universo por alguma razão:-)
😊 Concordo com a última frase, mas também não conheço a razão...
EliminarQuando comecei a ler a última quadra até me arrepiei ao tentar adivinhar o último verso. Felizmente que me enganei, lol ( brincando)
ResponderEliminarUma enorme poeta e escritor sem dúvida alguma
.
Um domingo feliz …. Abraço e/ou beijinho.
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
Este poema é muito leve e bonito, ao alcance da compreensão e entendimento de todos. Não tem como haver duplicidade de significados.
EliminarObrigada.
Bom Domingo.
Eu é que tenho que te agradecer toda a valiosa informação sobre este grande escritor.
ResponderEliminarApesa de não conseguir ler os seus livros, já sobre a poesia, gosto
muito.
Este sobre a alegria gosto muito.
Pensei que já tinha colocado no meu blog a foto dele que tirei na sua terra natal, acho que não em breve sairá.
Bom domingo com saúde e muita alegria.
Beijinhos amiga Janita
Sim, Manu, já me tinhas falado na tua passagem pela Azinhaga do Ribatejo e fotografado o busto do escritor, mas também não vi ainda nada lá no teu estúdio. Não faltarão oportunidades, não é verdade?
EliminarEste poema é muito suave e dispõe bem. Achei que seria uma boa escolha para encerrar esta série de publicações. O próprio Saramago está alegre e feliz junto de quem ama. Há lá final melhor para terminar uma autobiografia, do que dois ❤ ❤ a pulsar lado a lado? 😊
Beijinhos, amiga!
Sempre muito bom saber mais sobre Saramago _ já li bastante sobre ele e tenho dois livros_'Viagem a Portugal e Caim' , que me lembro agora. Falou-se muito a respeito da saída dele de Portugal indo se isolar numa ilha,e houve quem nao aceitou bem a motivação _ penso que são essas coisas excêntricas de escritores estrelados e muito paparicados. Por tudo que andei lendo à época, era um bem temperamental. O certo é foi um grande nome da literatura portuguesa.
ResponderEliminarBoa semana Janita e gosto muito das suas publicações literárias.
Beijinhos
** sim ,sou sagitariana e novembro é o meu melhor mês do ano rsrs
obrigada pelas felicitaçoes.
Sobre o que o próprio escreveu da sua vida, ficou escrito. Dos anos que lhe restaram e o que com ele aconteceu escreverá quem souber e quiser.
EliminarOs motivos porque decidiu sair de Portugal o escritor explica-os, pelo próprio punho, se acaso houve algo mais é coisa que já transcende os meus conhecimentos.
Parabéns, então, amiga sagitariana. Muitas Felicidades e muitos anos de Vida.:))
Beijinhos, querida Lis. Fica bem.
Querida Janita, você fez um trabalho maravilhoso, aqui, um trabalho de fôlego! O que quero ler mais, de Saramago, a qual tenho a maior simpatia por ele e sua Pilar, são os seus poemas, os que li nesse seu trabalho são belos!
ResponderEliminarMinha próxima ida no Shoppings, nas livrarias, vou atrás de seus poemas.
O que temos aqui em casa são os livros 'Todos os Nomes', 'A Caverna', 'A Viagem do Elefante', 'Memorial do Convento', 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo', mas poesia, nenhuma!
Nós todos que te lemos é que agradecemos o teu belo trabalho, divulgando um dos mais conhecidos escritores portugueses, de peso! Os brasileiros gostam muito de Saramago.
Uma ótima semana, querida,
um beijinho.
Obrigada pela sua amabilidade, amiga Taís. Gostaria de ter mais conhecimentos sobre a Obra do prosador/poeta, para poder ter feito melhor.
EliminarJá eu, numa próxima oportunidade irei tentar adquir o livro da polémoca que afastou o escritos do seu país: "O Evangelho Segundo Jesus Cristo".
Um feliz e tranquila semana também, querida amiga.
Beijinhos.
Esse episódio de censura foi estúpido e deu-lhe muita fama.
ResponderEliminarOfendia os católicos.
Agora ofende-se os muçulmanos, os mormons, o raio que os parta.
Grow a pair!
Beijinhos, boa semana
Um caricato excesso de zelo pela moral e bons costumes, por parte do aburguesado Sousa Lara, levou Saramago ao «desterro voluntário» e ele também não ficou incólume. Acho até que essa estupidez foi dar um tiro no próprio pé.
EliminarBeijinhos, boa semana, Pedro.
Bom dia, Janita
ResponderEliminarVim aqui ler a última parte da Autobiografia de José Saramago que em boa hora resolveu publicar, bem como poemas seus.
Adorei e vou dedicar-me mais a ler esse lado da sua escrita.
Emocionei-me ver Pilar e Saramago, uma linda história de amor. Em tempos fiz dois posts, numa série louca que faço todos os anos, focando o encontro desses seres extraordinários.
Obrigada.
Beijo
Olinda
Olá, Olinda.
EliminarFico imensamente contente com a sua decisão em aprofundar essa faceta poética, quase desconhecida, no nosso Nobel da Literatura.
Escolhi propositadamente estas fotos, para ilustrar esse lado amoroso e terno, da vida pessoal do escritor.
Eu é que lhe agradeço sinceramente, Olinda!
Beijinhos.
Cara Janita, teu trabalho tem vários méritos designadamente o alinhamento da vasta obra de Saramago. Depois da sua morte, ainda foi publicado, pelo menos, mais um título "Clarabóia". Esse mesmo!
ResponderEliminarDiz, na sua autobiografia, que, e cito "participei em acções reivindicativas da dignificação dos seres humanos e do cumprimento da Declaração dos Direitos Humanos pela consecução de uma sociedade mais justa, onde a pessoa seja prioridade absoluta, e não o comércio ou as lutas por um poder hegemónico, sempre destrutivas."
O que Saramago não diz, porque já não estava cá para o saber, é que ele foi percursor de uma outra carta. Falarei dela numa das minhas próximas homilias!
Abraço
É verdade, Rogério!
EliminarO escritor fala nesse livro na sua autobiografia, mas muito ao de leve, sem o valorizar. E no entanto...
Não sei se o Rogério reparou mas eu frizei a itálico e sublinhei, uma frase desse parágrafo que refere.
Fale sim, na carta e em tudo o que achar por bem falar.
Foi o Rogério, com as suas Homilías Dominicais, iniciadas há já uns largos anos, o impulsionador no despertar do meu interesse em conhecer mais do escritor e chegar à sua poesia.
Depois daquela minha abordagem com o seu estilo literário, corrido, e da minha desistência, nunca mais peguei num livro seu. Aproveitemos as celebrações do seu centenário para reavivar a chama saramaguiana. :)
Um abraço.
Aqui, de volta a este aconchego a José Saramago. Um interessante trabalho que você fez. A poesia de Saramago continua pouco lida, portanto, pouco conhecida. E muito bom conhecer sua trajetória e conjunto da sua obra. Parabéns, Janita!
ResponderEliminarAbraços, amiga Janita!