De volta ao escritor José Saramago, trago-vos mais um belo poema, também este, sob o signo das palavras.
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago, em “Os Poemas Possíveis”.
( O título do poema é o mesmo que titula esta publicação.)
* * *
«Autobiografia de José Saramago»
Continuação DAQUI
(...)
"Embora tivesse vindo ao mundo no dia 16 de Novembro de 1922, os meus documentos oficiais referem que nasci dois dias depois, a 18: foi graças a esta pequena fraude que a família escapou ao pagamento da multa por falta de declaração do nascimento no prazo legal.
Talvez por ter participado na Grande Guerra, em França, como soldado de artilharia, e conhecido outros ambientes, diferentes do viver da aldeia, meu pai decidiu, em 1924, deixar o trabalho do campo e trasladar-se com a família para Lisboa, onde começou a exercer a profissão de polícia de segurança pública, para a qual não se exigiam mais “habilitações literárias” (expressão comum então…) que ler, escrever e contar. Poucos meses depois de nos termos instalado na capital, morreria meu irmão Francisco, que era dois anos mais velho do que eu. Embora as condições em que vivíamos tivessem melhorado um pouco com a mudança, nunca viríamos a conhecer verdadeiro desafogo económico. Já eu tinha 13 ou 14 anos quando passámos, enfim, a viver numa casa (pequeníssima) só para nós: até aí sempre tínhamos habitado em partes de casa, com outras famílias. Durante todo este tempo, e até à maioridade, foram muitos, e frequentemente prolongados, os períodos em que vivi na aldeia com os meus avós maternos, Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha.
Fui bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros de ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano. Transitei depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas excelentes no primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos…) tesoureiro da associação académica… Entretanto, meus pais haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico. O mais surpreendente era que o plano de estudos da escola, naquele tempo, embora obviamente orientado para formações profissionais técnicas, incluía, além do Francês, uma disciplina de Literatura.
Como não tinha livros em casa (livros meus, comprados por mim, ainda que com dinheiro emprestado por um amigo, só os pude ter aos 19 anos), foram os livros escolares de Português, pelo seu carácter “antológico”, que me abriram as portas para a fruição literária: ainda hoje posso recitar poesias aprendidas naquela época distante. Terminado o curso, trabalhei durante cerca de dois anos como serralheiro mecânico numa oficina de reparação de automóveis. Também por essas alturas tinha começado a frequentar, nos períodos nocturnos de funcionamento, uma biblioteca pública de Lisboa. E foi aí, sem ajudas nem conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela vontade de aprender, que o meu gosto pela leitura se desenvolveu e apurou."
(Fotos da Net)
Continuarei com esta série de publicações,
até terminar a autobiografia do
Nobel da Literatura Portuguesa.
💎 📘 💎
Saúdo o homenageado e a autora desta publicação.
ResponderEliminarBoa Noite.
Um abraço.
E eu, agradeço ambas as saudações, Luís!
EliminarBom Dia.
Um abraço.
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EliminarBoa malha! Feliz empenho!
ResponderEliminarMas olhando a autobiografia reparo no que já sabia. Eu e Saramago temos em comum várias coisas (para além de ambos militarmos no mesmo Partido):
- nossas famílias, a minha tal como a dele, viveram em quarto alugado durante alguns anos;
- curiosamente, morei na rua em que Saramago morou (Rua Carrilho Videira)
- frequentámos a mesma escola profissional (Escola Industrial Afonso Domingues) e tirámos o mesmo curso (serralheiro mecânico)
Vivemos assim, apesar da diferença de idades, contextos sociais similares o que reforça o meu apreço pela sua obra.
Abraço largo
Eu sabia, Rogério.
EliminarE o que não sabia imaginava.
Não é por acaso, que se diz sermos Todos irmãos.
Largo e comprido Abraço Fraterno.
Mais uma bela partilha com esta biografia de Saramago, que tinha lido com estes detalhes aqui colocados. Uma bela generosidade Janita, ler, pesquisar e selecionar para compartilhar os amante de poesia.
ResponderEliminarGostei.
Um bom domingo alegre e leve.
Abraços amiga.
Eu é que lhe agradeço, amigo Toninho.
EliminarQuando fazemos determinada publicação ou série de publicações, é para todos os que fazem o favor de nos visitar. Se uns sabem tudo acerca do tema, outros, porventura, será a primeira leitura. Eu própria, fui descobrindo e enriquecendo os meus conhecimentos sobre o escritor, à medida que fui pesquisando.
Um grande bem-haja e um abraço amigo.
Daí
Já li a biografia dele e sim este poema gosto muito. Fizeste um belo post para quem desconhece a sua vida que no começo e até atingir o que atingiu foi igual a tantas outras, feita com muito empenho, garra e determinação debaixo de uma ditadura que nem penso tê-la de novo.
ResponderEliminarA propósito dessa vida dura a que muitos foram sujeitos ao ver as manifestações contra as alterações climáticas reparo que 90% dos que o fazem não abdicam de telemóveis, garrafas etc e quando passam deixam um rasto que vai-lá-vai.
Falo disto porque Saramago também foi um acérrimo defensor da natureza.
Beijocas e um bom domingo
Amiga. eu sei que a maioria dos meus leitores e amigos conhece mais acerca de Saramago do que eu. Disso não tenho a menor dúvida, tanto mais que revelei no post anterior a minha rejeição à sua escrita. Nunca é tarde para recomeçarmos seja o que for. :)
EliminarSim, o escritor subiu a pulso na vida comum a tantos outros portugueses quanto no êxito literário que o guindou ao galardão mais alto da Literatura mundial.
beijinhos e bom domingo
Como um homem que aparentemente nasceu de olhos fechados para o outro lado da vida, o conseguiu retratar melhor que ng
ResponderEliminarÉ isso mesmo, Miguel..."o outro lado da vida".
EliminarAquele que poucos conhecem e, a maioria, reclama de barriga cheia....E mais não digo!
Obrigada, bom Domingo. 😊
Exatamente.
EliminarÊnfase no reclama de barriga cheia
:-)
Uma bela homenagem a um escritor controverso mas que eu aprecio bastante tenho a felicidade de já ter lido quase toda a sua obra.
ResponderEliminarUm abraço e bom Domingo.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Bom dia, Francisco.
EliminarTalvez que no final desta série de publicações, eu volte a ler a prosa saramaguiana e lhe apanhe 'o jeito'. :)
Obrigada, um abraço e bom Domingo
Que belo trabalho estás a fazer, amiga!
ResponderEliminarHá livros dele que não consegui acabar, mas outros são obras-primas! Por exemplo, não consegui ler " O evangelho segundo Jesus Cristo " mas adorei o "Levantado do Chão " e " O Memorial do Convento ".
Gostava de expressar aqui a minha total concordância com a opinião da Fatyly em relação às manifestações por ocasião da COP26. A maior parte daquela gente nunca abdicaria dos seus tlm, tablets e quejandos. Já para não falar da roupa que vestem e que consomem às carradas...
Não me parece que seja sequer trabalho, pois faço-o com gosto, querida Manela. Pode ser que um dia volta a pedir ao meu genro qualquer um dos que ele tem para lá a encher umas quantas prateleiras das estantes. Talvez a Jangada de Pedra, não sei vamos ver se sigo o exemplo de todos quantos aqui têm vindo e todos o leram o gostaram.
EliminarPodes expressar a tua opinião à vontade, tanto acerca daquilo que escrevo ou escrevem os comentadores.
Não me manifestei sobre isso porque nos dias que correm o uso de stupidphones é como os mini radio portáteis de outras eras. :)
Beijinhos
Querida Janita, de volta ao passar uns dias sem internet, parece que foram meses, rss. Isso prova que estamos viciados. Vício bonzinho, rs.
ResponderEliminarBem, e retomando as publicações dos amigos, tenho a grata surpresa de deparar com essa tua magnífica postagem que acompanharei toda, gosto demais de Saramago, acompanhava o seu blog Cadernos...além de seus livros. Grande Saramago! Parabéns por essa bela postagem amiga!
Esse poema é belíssimo, não o conhecia!
Dê uma olhadinha, tudo de Saramago desperta curiosidade:
http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2010/06/leia-ultimo-texto-publicado-no-blog-de-jose-saramago.html
Beijinho, uma feliz semana!
Querida Taís.
EliminarPensei que durante o tempo em que senti a sua falta aí pela blogosfera, a Tais estivesse numa fase de descanso.
É bem verdade, habituamo-nos de tal forma a este tipo de convívio virtual que, quando a net nos falta, nos sentimos quase perdidos. Comigo acontece o mesmo. :)
Embora um pouco tardiamente, agradeço a informação que me trouxe acerca da existência do blog de José Saramago. Quem diria que no mesmo ano, ambos, ele e eu, nos iniciaríamos nesta aventura virtual?!
Acedi ao site indicado e soube que o escritor criou o blog para estabelecer uma nova forma de comunicação com os seus leitores. Veja só a oportunidade que eu tive à minha disposição e perdi por falta de informação. Agora não adianta chorar sobre o leite derramado.
Agradeço-lhe, amiga, e desejo-lhe uma excelente semana com muita saúde.
Beijinhos
É maravilhoso poder continuar esta biografia. Obrigada , Janita!:))
ResponderEliminar*
Beijo, e um excelente Domingo...
Será maravilhoso saber que a Cidália continuará a ler a biografia do nosso Nobel, isso é que será uma grande conquista, para mim.
EliminarUm abraço e boa semana, amiga.
Excelente publicação!
ResponderEliminarNão sabia que Saramago nasceu a 16 de Novembro, tal como outro ilustre da nossa praça 😉
Beijinho, Janita, bom domingo.
António.
EliminarTambém me parece haver alguém aqui pelo meu blogobairro que faz anos nesse dia. Vamos ver se daqui até lá, me lembro quem é.
Tu sabes? Neste momento não estou a ver.
Beijinhos e boa semana, amigo!😊
Excellent.
ResponderEliminarThanks. 😊
EliminarUm poema belíssimo. Como sabe sou fã da sua poesia.
ResponderEliminarParabéns pelo trabalho de divulgação que está fazendo.
Abraço, saúde e boa semana
A bem dizer a Elvira é fã da boa Poesia de um modo geral.
EliminarMuito obrigada, mas é um prazer prestar esta homenagem ao escritor, nesta fase de celebração do seu centenário.
Um abraço com votos de boa semana.
Que interessante dar a conhecer a poesia de José Saramago! Afinal pouco se conhece a poesia do Prêmio Nobel de Literatura. E, claro, uma boa oportunidade para conhecermos o embate de Saramago com a linguagem e tomarmos consciência das suas múltiplas operações textuais, em que aflora “uma sensibilidade linguística que jamais deixou de estar presente na sua prosa” como o disse o crítico Horácio Costa. Então, é hora de o leitor descobrir o Saramago poeta e lançar sua rede de pescar palavras, como sugeriu Octavio Paz.
ResponderEliminarGostei do estímulo!
Abraços, Janita!
Bom dia, José carlos.
EliminarNo dia 16 de Novembro de 2022 assinala-se o centenário do escritor, de modo que eu, antecipando os acontecimentos, que, aliás, começam já no próximo dia dezasseis, estou a prestar-lhe a minha homenagem enquanto cidadã portuguesa, divulgando a sua Poesia.
É tal e qual diz: "...é hora de o leitor descobrir o Saramago Poeta..." Nem mais! :)
Um abraço e feliz semana.
E até tem pontuação!!!!!
ResponderEliminarBeijinhos, boa semana
E não é que eu não tinha ainda reparado nesse IMPORTANTE pormenor, Pedro?!
EliminarAfinal, o Saramago poeta, tem uma outra noção de escrita bem diferente do Saramago prosador. Ele há coisas...
Beijinhos, boa semana. :)
Your blog is so convincing that I never stop myself to say something about it. You’re doing good work, Keep it up. 100% sure I will share your post on all Social media platforms with my contacts…
ResponderEliminarRead more:- Satta King
Eliminar...What a surprise. Who do you talk to about my blog?
I was so happy to tell me that...
Thanks.
I saw a comment here a few weeks ago about Dr Akhere and i decided to contact him as instructed, thanks to this man for bringing joy to me as wished for. i followed instructions which he gave in other to get my lover back who left me and the kids for 3years now, but thanks to Dr Akhere because they are back to me now for good and we are happy together. please do contact him for help too if in relationship problem via email at: AKHERETEMPLE@gmail.com or call/WhatsApp:+2349057261346 . And testify for yourself.
ResponderEliminarSorry, but I didn't lose anything so, I can't get back what I didn't lose.
EliminarThanks and goodbye.
Talvez, bem lá fundo. sejam as palavras que nos procuram para ( e por que ) é "obrigatorio" serem ditas...
ResponderEliminarBeijo, amiga
Concordo consigo, Manuel Veiga.
EliminarAs palavras que vivem reféns, tal como as pessoas, precisam de um 'porta-voz' que as traga à luz do conhecimento geral, que faça passar as suas mensagens de boca em boca, que as torne conhecidas. Às pessoas por elas escolhidas, chamamos: Poetas.:)
Um abraço amigo.