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quarta-feira, 31 de maio de 2017

POETAS DA MINHA TERRA.

Numa pequena esplanada da Rua de Sevilha, ali mesmo às Portas de Beja, o marido de uma amiga
( por sinal, a filha do meio das três filhas do fotógrafo de que já vos falei. Os outros dois eram rapazes) após uma meia hora de boa e amena cavaqueira, em que se abordou o meu amor pela poesia e a paixão da minha irmã pela declamação, deliciou-nos com a leitura de vários poemas de sua autoria.
A mulher, a seu lado, olhava-o com ar de profunda veneração. Como se fosse aquela a primeira vez que o ouvia. Eu sorria. Quase nem me atrevia a respirar. Sentia-se no ar um clima sublime, de algo especial e divino, tal era a paixão que se sentia vibrar na voz do  poeta - que o não queria ser - 
Poeta? Não! Apenas gosto de deixar a alma falar...em palavras que vou escrevendo quando não me cabem mais cá dentro...
Eu, sorria, e ouvia enlevada...Pedi se poderia fotocopiar os poemas e trazê-los. Que sim... fui a correr à loja da minha amiga fotógrafa ali mesmo, do outro lado da rua, para me fazer as fotocópias - frente e verso na mesma folha, que o papel está caro- diz-me ela a sorrir.


Cheguei a lamentar, com alguma tristeza que, na roda da vida, eu tivesse sido forçada, aos doze anos, a  abandonar aquela terra que é a minha, e onde algo me diz, poderia ter sido muito feliz.


O VELEIRO

O veleiro faz-me sonhar
Com viagens eternas sem destino
Percorrendo o Mundo através do Mar
Ao encontro dos meus sonhos de menino.

Sem tempo, sem dia, sem hora
Como cenário, o Mar e o Céu
Vivendo da Vida apenas o “agora”
E à noite, as Estrelas, o Sonho e eu.

Como a gaivota solitária
Planar no infinito do Céu
Sem limites, como um pária
Que há muito a identidade perdeu

Talvez que a imagem do veleiro
Desperte em mim a ânsia de libertação
Daquele que sou e que rejeito
Partindo para outro que procuro em vão.


Gostaria de lhe ter dito que o sonho, que tantas vezes se procura longe, por vezes, está ali, no lugar onde sempre estivemos.

( O Autor do Poema é português, serpense, mas tem apelido Castelhano. Mais do que isto, não posso nem devo dizer)



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sexta-feira, 1 de junho de 2012

Se Eu Mandasse…

Imagem DAQUI

Quando estou à janela do meu quarto gosto de olhar para todas as janelas dos prédios aqui em volta, tão juntos, tão juntos que a gente quase acredita que pode estender a mão para lhes tocar nas paredes.

Estranho, como as pessoas cada vez vivem mais juntas umas das outras e cada vez se conhecem menos. Eu cá, se fosse essa tal comissão de moradores que o meu pai falava há dias, havia de conseguir juntar as pessoas aqui destes prédios para que, ao menos, soubéssemos o nome daqueles com que cruzamos todos os dias no elevador, na escada, na bicha do autocarro. Eu sou a Teresa, eu sou a Emília, eu sou o Eduardo, eu sou o Zé António, muito prazer, muito prazer.
E depois os nossos sorrisos pela manhã, quando nos encontrássemos, já seriam diferentes. E eles deixariam de ser o vizinho do 3º esquerdo ou do r/c direito para se tornarem no Sr. João Fonseca ou a D. Madalena, viúva com três gatos siameses em casa, ou a D. Cristina e a D. Flávia, irmãs solteiras olhando à noite para os álbuns de fotografias de quando eram novas e juravam casar antes de chegarem aos vinte anos.

E eu havia de dizer àquela vizinha do prédio ao lado que deixou esturrar a comida, talvez porque estivesse a ver televisão, ou apenas porque estivesse aborrecida a pensar na vida:

 “Deixe lá vizinha, amanhã vai ser melhor, o mundo não são apenas as paredes de sua casa e a sua família é muito maior do que julga. Desça à praceta e veja como aquele pinheiro bravo conseguiu sobreviver no meio deste emaranhado de prédios e de ruas, apanhe um punhado de azedas desse descampado nas traseiras de sua casa, que não tarda esteja cheio de outras casas iguais, olhe bem o amarelo das azedas, sinta-lhes o sabor ácido do líquido que escorre pelo seu talo fino e quebradiço, tal como fazia quando era criança e ia passar ao campo as férias grandes”.

Eu cá, se um dia for Presidente da República, hei-de fazer uma Constituição que diga logo no 1º artigo: “é obrigatório que todos os cidadãos conheçam os seus vizinhos, lhes saibam o nome, a profissão e lhes sorriam pelo menos três vezes ao dia.” 

Texto da autoria de  Alice Vieira 
(Adaptado)

Este é mais um texto transcrito de um livro que fui buscar àquele meu velho baú.

E ao escrevê-lo senti, mais do que nunca, o quanto preciso  descer à praceta.



Fraternidade
Não me dói nada meu particular.
Peno cilícios da comunidade.
Água dum rio doce, entrei no mar
E salguei-me no sal da imensidade.

Dei o sossego às ondas
Da multidão.
E agora tenho chagas
No coração
E uma angústia secreta.

Mas não podia, lírico poeta,
Ficar, de avena, a exercitar o ouvido,
Longe do mundo e longe do ruído.


Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'

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