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Quando estou à janela do meu quarto gosto de olhar para todas as janelas dos prédios aqui em volta, tão juntos, tão juntos que a gente quase acredita que pode estender a mão para lhes tocar nas paredes.
Estranho, como as pessoas cada vez vivem mais juntas umas das outras e cada vez se conhecem menos. Eu cá, se fosse essa tal comissão de moradores que o meu pai falava há dias, havia de conseguir juntar as pessoas aqui destes prédios para que, ao menos, soubéssemos o nome daqueles com que cruzamos todos os dias no elevador, na escada, na bicha do autocarro. Eu sou a Teresa, eu sou a Emília, eu sou o Eduardo, eu sou o Zé António, muito prazer, muito prazer.
E depois os nossos sorrisos pela manhã, quando nos encontrássemos, já seriam diferentes. E eles deixariam de ser o vizinho do 3º esquerdo ou do r/c direito para se tornarem no Sr. João Fonseca ou a D. Madalena, viúva com três gatos siameses em casa, ou a D. Cristina e a D. Flávia, irmãs solteiras olhando à noite para os álbuns de fotografias de quando eram novas e juravam casar antes de chegarem aos vinte anos.
E eu havia de dizer àquela vizinha do prédio ao lado que deixou esturrar a comida, talvez porque estivesse a ver televisão, ou apenas porque estivesse aborrecida a pensar na vida:
“Deixe lá vizinha, amanhã vai ser melhor, o mundo não são apenas as paredes de sua casa e a sua família é muito maior do que julga. Desça à praceta e veja como aquele pinheiro bravo conseguiu sobreviver no meio deste emaranhado de prédios e de ruas, apanhe um punhado de azedas desse descampado nas traseiras de sua casa, que não tarda esteja cheio de outras casas iguais, olhe bem o amarelo das azedas, sinta-lhes o sabor ácido do líquido que escorre pelo seu talo fino e quebradiço, tal como fazia quando era criança e ia passar ao campo as férias grandes”.
Eu cá, se um dia for Presidente da República, hei-de fazer uma Constituição que diga logo no 1º artigo: “é obrigatório que todos os cidadãos conheçam os seus vizinhos, lhes saibam o nome, a profissão e lhes sorriam pelo menos três vezes ao dia.”
Texto da autoria de Alice Vieira
(Adaptado)
Este é mais um texto transcrito de um livro que fui buscar àquele meu velho baú.
E ao escrevê-lo senti, mais do que nunca, o quanto preciso descer à praceta.
Fraternidade
Não me dói nada meu particular.
Peno cilícios da comunidade.
Água dum rio doce, entrei no mar
E salguei-me no sal da imensidade.
Dei o sossego às ondas
Da multidão.
E agora tenho chagas
No coração
E uma angústia secreta.
Mas não podia, lírico poeta,
Ficar, de avena, a exercitar o ouvido,
Longe do mundo e longe do ruído.
Peno cilícios da comunidade.
Água dum rio doce, entrei no mar
E salguei-me no sal da imensidade.
Dei o sossego às ondas
Da multidão.
E agora tenho chagas
No coração
E uma angústia secreta.
Mas não podia, lírico poeta,
Ficar, de avena, a exercitar o ouvido,
Longe do mundo e longe do ruído.
Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'
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Janita, querida, este espaço aqui não deTxa de ser uma praceta virtual, não é mesmo? Sabemos os nomes uns dos outros e conversamos como se fossemos velhos amigos. Um grande abraço e um bom fim de semana para você
ResponderEliminarUma delícia este texto da Alice Vieira que, se não estou em erro, foi escrito a propósito do Dia Mundial do Vizinho.
ResponderEliminarBeijos e bom fds
Podes acrescentar no decreto que é obrigatório comer azedas ou já nos basta a amarga vida que nos obrigam a levar?
ResponderEliminarE quando dizes bom dia no elevador, respondem-te?
Sortuda!
Beijocas.
Janita, boa noite!
ResponderEliminarAdorei o texto e adorei o poema, os dois, completam o tema do post na perfeição.
Efectivamente, cada vez mais as pessoas se conhecem menos. A vida é uma correria e o tempo acaba por não chegar para nos darmos a conhecer. Tudo mudou abruptamente, por isso hoje os valores e a sensibilidade escasseiam, cada um vive por si e preocupado consigo mesmo e com os que lhe são queridos, o resto, lá fora, são apenas cidadãos comuns que nada lhes dizem.
Bem pensado, é muito triste!
Beijinho,
Ana Martins
Bellos sueños son los que tienes y escribes para que nos enteremos, pero es tan difícil poderlo lleva a la práctica con la poca sensibilidad existente.
ResponderEliminarSaludos
Janita Amiga,
ResponderEliminarGostei! O nome é o atributo mais importante de uma pessoa. Isto, aliado à cortesia e à fraternidade de Miguel Torga, seria uma trilogia para recomendação universal.
Aqui, neste recanto do Alentejo, os vizinhos tratam-se por... "vizinhos"...
Bj
J
Eu cá, se um dia for Presidente da República, hei-de fazer uma Constituição que diga logo no 1º artigo:
ResponderEliminarRespeite sempre o seu vizinho
Se não quer que ele tenha um desatino!
Não use a janela para o espreitar,
Poderá ser motivo para ele barafustar!
eheheheh=)
Beijinhos!
Olá, Janita!
ResponderEliminarTer o melhor de dois mundos é o que todos gostaríamos fosse possível, mas se este que temos fosse um pouquinho melhor daria imenso jeito...
Quem vem de meios pequenos onde todos se conhecem,este viver de quem mora em prédios citadinos é dificilmente compreensível - para além de frio e distante.
O poema do Miguel do Miguel Torga, acho que resume lindamente este dilema, esta diferença entre dois mundos.
E não te esqueças do que prometeste quando chegares a Presidenta...
Boa escolha de tema; beijinhos; bom fim de semana.
Vitor
Minha querida amiga Janita , não precisas de te preocupar tanto, com o saberes o nome dos vizinhos, na morgue podes apenas ser mais um número mas nas finanças tens nome morada nº de cidadão e se não tiveres a escrita em dia vais dentro. Mas de certeza que dentro da tua casa até o penico tem valor, minha querida tu que anda sempre para aí a dizer que eu só sei escrever poemas tristes vai ao lamentos para veres o que é sofrimento não sei se estás cá, ó se estás lá, mas estejas tu onde estiveres uma coisa é certa tenho por ti uma grande admiração, e te dou um beijinho de luz porque a luz está muito cara e que além de um gajo bom e podre de rico, tenhas uma semana farta não de trabalho mas de coisas boas e maravilhosas...
ResponderEliminarTenho uma terrível experiência com a Alice Vieira. Na escola, no ciclo, tive que ler um livro todo dela. Traumatizou-me tanto que só voltei a pegar num livro aos 16 anos. E quando peguei foi no Assim Falava Zaratustra. História verídica.
ResponderEliminarObrigado pela canção do Zeca.
Devo confessar que não sou fã dele, nem do Bob Dylan, que acho que é o equivalente americano. Mas é sempre bom ter contacto com tudo. :)))))
Manda mais se te aprouver. ;)
Vivemos cada vez mais como ilhas, ensimesmados em nós mesmos!
ResponderEliminarA vida de relação cada vez se estreita mais... a alegria esfuma-se!
Que andam a fazer de nós?!
Beijinhos, Janita.
É muito importante tudo o que aqui deixa, de facto passamos na vida sem nos quedamos um pouco nesta procura de sermos mais próximos.
ResponderEliminarEu sinto isso mas, por vezes, penso que não vale a pena conhecer para não ficarmos decepcionados.
Fica a bela intenção.