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Como todos os outros que aqui tenho trazido, faz parte do seu livro Contos da Montanha.
Por ser de uma simplicidade enternecedora, é um dos que mais gosto!
Hoje, lembrei-me deste conto...mas não me perguntem porquê...
O DESAMPARO DE S. FRUTUOSO.
Não tinha nenhuma razão particular para estar grata a Deus ou a qualquer dos membros da sua corte celestial. A não ser que considerasse um favor o simples facto de viver…
Esse privilégio, porém, fora dado a tantos, inclusivamente a toda a casta de bichos e ervas, que francamente! Não desfazia na obra de ninguém, é claro…malucava, apenas.
Zorra, criada aos baldões, sempre arrastada, mal se poderia considerar uma pessoa humana, quanto mais uma pessoa reconhecida ao Criador!
Sabia que S. Frutuoso não metia prego nem estopa nesse capítulo da geração dos mortais. Mas também não sentira ainda que os poderes de que ele dispunha a beneficiassem. Pedira-lhe ajuda numa ocasião em que uma pragana lhe cegara uma vista, e nada! Prometera-lhe uma vela na altura da pneumónica, e foi o que se viu: ia deitando os bofes pela boca. Nascera-lhe não sei quê num seio, rogara-lhe entre o cálice e a hóstia a esmola da cura, e o caroço cada vez crescia mais, de maneira que, a falar franco, não devia favores a ninguém.
Em todo o caso, doera-lhe ver o pobre santo naquele preparo. Que, considerando bem, a chuva caía em cima…e como parece que no céu é que estava o governo do mundo, não custava nada a quem lá morava…além de ser uma obra de caridade para com os que vivam cá neste vale de lágrimas.
Quatro meses de invernia, sem uma aberta, sem uma réstia de sol, nevões, nevões, e agora aquele dilúvio seguido. Um lindo serviço, não haja dúvida!
Como não era de arcas encoiradas, falara ao prior no destempero duma coisa assim.
- E que queres que te faça?
Sabia lá! Mas já que ele representava Cristo na terra, podia, talvez…
- Não há nada que ande tanto à vontade de Deus como o tempo, mulher! Nunca ouviste dizer?
- Eu não senhor!
- Pois é pena.
Pronto! Se era assim…ao menos ficava esclarecida. Em todo o caso punha as suas dúvidas quanto às vantagens, humanas e divinas, de tanto frio, tanto vento e tanta chuva. Chamassem-lhe maluca à vontade. Não concordava, não concordava!
Como havia o desgraçado do S. Frutuoso resistir àquilo? Fiada na caridade humana, fartara-se de pedir providências. Mas quê, ninguém quisera saber. Talvez por não terem visto o que ela vira…Vinha a passar, abrigara-se duma bátega mais valente no alpendre da capela, dera uma olhadela lá para dentro, e até os olhos se lhe arrasaram de lágrimas ao encarar o mísero, alagadinho, encolhido como um pito riço. Sempre era um santo, com mil diabos! Pois chovia-lhe em cima como se estivesse no meio da rua. Metia dó! Os pingos batiam-lhe na cabeça, escorriam-lhe pela cara abaixo, derretiam-lhe a pintura, transformavam-lhe o hábito num borrão esverdeado, e alastravam aquela nojeira pela toalha do altar.
Dera imediatamente o alarme. Valeu bem! Foi o mesmo que nada.
- Se vê que está mal, que se mude. Ou então que componha os astros…-respondera-lhe o Faustino, que não perdoava ao orago o atraso em que tinha as sementeiras.
O abade também nada adiantou. Que torna, que deixa…Ora, se os responsáveis procediam assim, não lhe competia a ela incomodar-se, de mais a mais estonada de fome e sem culpas no cartório. Evidentemente que era crente. Acreditava que há-de haver uma lei que nos governe. Isso, porém, não queria dizer que tivesse de se meter em brios de zeladora.
Mas o coração às vezes também manda. E o dela compadecera-se humanamente da sorte daquele desinfeliz que nem um cortelho vedado tinha para se abrigar.
Apenas por essa razão se tirara de cuidados e dera andamento à ideia de o acautelar de qualquer modo. Tecer a croça, francamente, custara-lhe pouco: até lhe servira de entretém. Agora subir a serra aos empurrões do vento e a furar as bátegas, isso sim, chegara para afligir! Mas acabou-se. Lá vestira o gabinardo ao miserável, e, apesar de encharcada, podia finalmente dormir em paz…
Meus amigos, a todos desejo uma Páscoa muito Feliz.
Espero que gostem...tanto quanto eu...!
Espero que gostem...tanto quanto eu...!
Adoro Miguel Torga!
ResponderEliminar"À Beleza
Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço."
Miguel Torga
Páscoa Feliz! Não te esqueças de abusar do folar e de te excederes nas amêndoas e no chocolate!
Bjis :)
Feliz Páscoa para você também, querida!
ResponderEliminarVim desejar:
ResponderEliminarVotos de Boa Pascoa :))
Jocas!!
Um conto muito belo antecendo a páscoa. Que a páscoa verdadeira se faça dentro de nós.
ResponderEliminarBoa Páscoa e uma beijoca.
ResponderEliminar;)
Olá, Janita!
ResponderEliminarExcelente escolha:O prazer da leitura tanto se encontra na linguagem simples dum conto, como na escrita muito elaborada e erudita.
Esta à volta duma mulher simples, sem direito a nome. Mas de coração enorme, que consegui ver gente onde apenas havia um santo...
Beijinhos; fica bem.
E Páscoa feliz!
Vitor
Torga é inexcedível!
ResponderEliminarE vê-se-lhe a bondade no gesto de alguém que se desprende da sua protecção para a dar a uma estátua que supõe divina... ou intercessora do divino!!
Bem, isto cá para nós que ninguém nos ouve, não acredito em tanta bondade, mas sim na preservação da possibilidade de intermediação através do santo... isto é, da possibilidade de manter acesa a possibilidade da cunha a esse que parece que tudo pode!
Aproveita bem estes dias para descansares e sorrires... sejam eles de páscoa ou de simples números num calendário qualquer.
Beijinhos.
Janita
ResponderEliminarMiguel Torga deixou-nos uma rica herança. Talvez a simplicidade dum grande escritor (como homem)aumente essa riqueza.
Um boa páscoa.
Beijo
Rodrigo
Janita
ResponderEliminarTambém te quero desejar uma Páscoa feliz. Li os "Novos Contos da Montanha" em miúdo. Nunca li os "Contos da Montanha" e fiquei com vontade de ler a obra completa. Vou pesquisar na net. :)
Beijinhos grandes. :)
Si es un gran legado el que dejo para las juventudes venideras pudieran conocer la gran obra de D. Miguel Torga.
ResponderEliminarSaludos
Ora cá está um dos que também me deleitam...ainda por cima eu também sei o que é andar com as cabras em dias de frio e escuridão...
ResponderEliminarBj
BShell
Isto é literatura! Nada a ver com disparates que certas pessoas escrevem em blogs...
ResponderEliminarUm grande escritor, sim senhora.
ResponderEliminarBoa Páscoa Janita!
Uma boa escolha amiga Janita.
ResponderEliminarO telurismo de Miguel Torga evidencia-se como sempre.
Deixo-lhe aqui um abraço, desejando-lhe um Feliz Domingo de Páscoa na companhia de todos que lhe são queridos.
Jorge
janita
ResponderEliminarAmo Miguel Torga e tudo quanto escreve dele. Pergunto por José,
pois não mais o encontrei e sinto a sua falta.
A encontrei em Tossan e bendito encontro.
Lhe desejo Páscoa Feliz,
Maria Luísa
Como não sei trabalhar com o Facebook, partilho por aqui...
ResponderEliminarBoa Páscoa
http://www.youtube.com/watch?v=9LqdfjZYEVE