quarta-feira, 2 de junho de 2010

O IMPROVISADOR DE SONHOS...






Todos nós temos os nossos pequenos-grandes tesouros que guardamos ciosamente em algum cantinho que é só nosso. Desde as madeixas de cabelo dos nossos filhos, quando lho cortámos pela primeira vez... Fotos antigas ... Cartas, etc.

Eu possuo todos estes tesouros que referi e mais dois muito importantes para mim... Uma caixinha onde guardo religiosamente os versos que o meu filho Luís me dedicava, desde que aprendeu a ler e escrever, até quase completar os treze anos de idade. São versos que foram evoluindo há medida que evoluiam os seus conhecimentos literários, mas todos eles de uma candura e de um amor tão puro e devotado...que se tranformaram no bálsamo, que ameniza e atenua a distância que hoje nos separa.

O outro é um livro de poemas Inéditos desse grande e inigualável poeta popular que se chamou António Aleixo, e que foi editado por seu filho Vitalino Martins Aleixo, em 1978, vinte e nove anos após a morte do poeta. Possuo, igualmente, um exemplar da 2ª Edição de "Este Livro Que Vos Deixo". Os poemas inéditos que hoje vos trago são, talvez, dos mais tristes que o poeta escreveu, já muito perto da sua morte. Fi-lo intencionalmente, para vos mostrar que esse grande Homem, que se ria da própria desgraça, através de quadras cheias de um humor satírico e acutilante, comeu o pão que o diabo amassou, sofreu como um condenado, morreu de tuberculose e na miséria, mas nunca se vendeu... E soube sempre transmitir aos filhos o sentido da honra e da palavra dada. Selada apenas com um simples aperto de mão....


Tudo o que se segue são transcrições do livro:




INÉDITOS


ANTÓNIO ALEIXO
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Sextilhas


Estou gasto, velho e doente
Sei que pouco viverei…
Faço a minha despedida,
Repetindo mentalmente
As lições que decorei
Em meio século de vida.

Tudo o que sou, sou sem querer;
Vivo com hipocrisia…
E vou de mal a pior…
Porque o mundo me faz ser
Aquilo que eu não seria
Se o mundo fosse melhor.

Ao querer saber como a gente
Neste planeta aparecemos,
Li os dois livros melhores…
E neles, sinceramente,
Apenas vi que não temos
Duas mentiras maiores. (1)

(1) Não foi possível apurar a que livros o poeta se refere.


PEDIDO DE AUXILIO


I

Volto de novo ao passado,
Vou para os campos guardar gado,
Tal qual como outrora fiz…
Dentro da minha desgraça,
Nada o mundo tem que eu faça
Que me torne mais feliz…

II

Vou procurar entre as flores,
Esquecer os dissabores
De há muito por mim sofridos;
Mas como gado não tenho,
A minha palavra empenho
Aos meus amigos mais qu´ridos.
III

E o amigo que me ajude,
Faz pela minha saúde,
Dando aos meus filhos o pão.
E, ajudando um pobre amigo,
Terá menos um mendigo
Na rua a estender-lhe a mão.

IV

Envergonhado vos digo
Que me esforço, e não consigo
Dar um sentido perfeito
Nestes versos que vos canto,
P´ra vos agradecer tanto
Quanto por mim têm feito. (1)

(1) Estas quatro sextilhas foram enviadas, como penhor, aos amigos a quem António Aleixo, em 31 de Março de 1941, dirigiu uma carta a pedir auxilio para : «quem, como eu, deseja viver, para que a vida dos que tenho a meu cargo seja mais suave».
E para o que necessitava - «comprar umas cabritas, para delas usufruir o leite necessário para prolongar a minha vida».
O pedido do poeta foi satisfeito.

Natural de Vila Real de Santo António, António Aleixo faleceu em Loulé, a 16 de Novembro de 1949, com apenas 50 anos de idade.

8 comentários:

  1. Olá, JANITA,
    Tudo oque conhecemos de nós e da nossa vida talvez seja, como a memória deste poema de António Aleixo.

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  2. Olá Querida amiga Janita!
    Parabéns por esta bonita homenagem, que faz a este grande poeta que foi o António Aleixo,e de quem eu em pequenino comecei a ler as quadras que ele vendia nas feiras e mercados,
    e talvez fosse por isso tenha começado a escrever os meus versos.
    O que conhece melhor da família dele é o Victor Aleixo,já foi presidente da Câmara de Loulé,é muito amigo dos meus filhos e do meu genro.

    um beijinho grande,
    José.

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  3. Amiga querida tal como tu tenho uma grande simpatia pelo poeta, e quero-te dizer que também eu tenho o livro dele.
    Linda a tua homenagem só assim revelas o coração lindo que tens, um grande bem-aja para ti amiga.
    Bjs

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  4. Olá querida amiga, fiquei muito feliz por te saber no teu cantinho e a escrever essas coisas tão lindas. Linda homenagem ao poeta que partiu tão cedo. Obrigada pela visita e comentário sempre encantador. Voltarei com mais tempo. Beijos muitos com carinho

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  5. Minha Querida Amiga Janita,
    Venho expressamente aqui para lhe dizer que não tem razão em pensar que estou zangado consigo, já lhe respondi na Tulha e agora confirmo .
    Voltarei para ler com atenção os poemas de Aleixo que aprecio muito.
    Há um camarada meu também algarvio que faz poemas ao genero dele e com tempo irei colocá-los na Tulha para que possa apreciar.
    Beijinhos amigos.

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  6. Minha Querida Janita,
    Voltei para acabar de ler os poemas que apreciei. envio-lhe duas quadras do meu amigo Caniné:

    Iguais seremos talvez
    perante a lei, nada mais,
    pois diferentes Deus nos fez
    pra que a lei nos faça iguais.

    Procurar fugir de si
    muita gente há que costuma,
    sem ver que indo por aí
    nunca vai a parte alguma.

    in Inquietando.

    Beijinhos amigos.

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  7. Sempre pensei que apenas nos deixasse aquele livro. Afinal, não só e o filho ainda lhe deu continuidade !
    Que poeta popular extraordinário !!!
    Sabes que eu tenho uma admiração muito grande pelas gentes ditas de pouca instrução, pelos idosos e pelos aldeões ?!... Muito se aprende com “estas gentes”, desprezadas ou ignoradas pela maioria ! Algumas delas são autênticos poços de sabedoria, mas que não chega “à cidade” ! ... e muitas vezes bastaria um pequeno empurrãozinho de "nós próprios" !

    Obrigado, Janita ! :))
    .

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