"Elogio da Sombra"
A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo da nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
pode ser o tempo da nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os actos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las.
Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.
Autor:
Jorge Luis Borges
Nasceu em Buenos Aires, capital da
Argentina e faleceu em Genebra.
É considerado o maior poeta
argentino de todos os tempos e um dos mais importantes escritores da literatura
mundial.
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Não é só Borges...
ResponderEliminarA Argentina é um país que me seduz muitíssimo.
Por que será que a Argentina tem esse poder, o poder de sedução?
ResponderEliminarLamentavelmente, ainda não li nada (que me recorde) desse escritor.
Associei, de imediato, o título deste post à grande obra operática do mestre Wagner. Deste escritor também nunca li nada (puro desconhecimento de quem passa a maior parte do tempo a ouvir música)...(não se pode ir a todas). Espero, um dia, vir a ter a mesma visão da velhice. Todos nós para lá caminhamos. Saibamos vivê-la quando chegar... se chegar. :-):-):-)
ResponderEliminarBeijinhos
TEATRINHO
ResponderEliminarTempo - Olá dona Velhice
Velhice - Olá, senhor Tempo, Bom Ano lhe desejo para que mo possa dar
Tempo - Eu não dou nem tiro, sou apenas a marca do que vai acontecendo e a oportunidade de aproveitares o espaço para fazeres o que te resta
Velhice - E o que me resta?
Tempo - Saberes quem és. Se não conseguires não te admires. São tantos os que partem sem o saber
CAI O PANO
[Janita o (belo) poema de José Luís Borges é um desafio...]
Janita,
ResponderEliminaro poema é belo (apesar do autor não ser dos meus preferidos).
Quanto à sombra, esta sombra, é fria, tal como a outra. Gosto mais do sol e do ... sol da vida!
Na sombra, por vezes, já nem sabemos quem somos....
Beijinho
Bonito texto de JLB.
ResponderEliminarUm bom ano
Janita gostei muito, mas não conhecia, nunca li nada deste autor!
ResponderEliminarA velhice não é algo que preocupa, tento viver um dia de cada vez, assim aprendi com a doença e a morte do meu falecido marido e com a morte do meu netinho, o que me assusta é os meus netos não me terem para continuarem a ter a vida com o minimo de condições e alguma comida enquanto eu posso.
Bom fim de semana amiga
beijinho e uma flor
La Recoleta é o nome de um cemitério. Um dia iremos todos para lá morar. :-(( Entretanto fico-me pela tranquilidade da minha cubata. :-))
ResponderEliminarOlá, Janita!
ResponderEliminarFelizes dos que se despedem assim...De bem com a vida, e sem chorar a partida.
E amanhã vai estar solzinho; bom Domingo!
Beijinhos; fica bem.
Vitor
Este grande poeta merecia um lugar em La Recoleta.
ResponderEliminarBeijinho minha querida Janita!
Tuve la suerte de escucharle hace bastantes años ya no me acuerdo como se llamaba donde dió unas magnificas charlas.
ResponderEliminarArgentina un país enorme grande y cuando estuve ya demostraba una singular riqueza y la gente super amable,estoy hablando cuan gobernaba Galtieri.
Saludos
Jorge Luis BOrges, difícil de ler.
ResponderEliminarAcabadinho de chegar, neste dia cinzento, dou aqui com este post sobre a Argentina e Borges, a combinação (quase) perfeita. Isso não se faz, amiga! :-)))
ResponderEliminarComecei a visita aos amigos que durante este tempo de ausência mantiveram a fidelidade das suas visitas e comentários, o que me deixa desvanecido. Há coisas muito boas na vida e uma delas é a blogosfera e os amigos que nela criamos.
Obrigado
Beijinho e até breve. As visitas continuam...
Minha querida Janita
ResponderEliminarMuito verdadeiro este poema...ir para o outro lado serenos é muito bom.
Deixo o meu primeiro beijinho deste ano e desejo que a felicidade esteja sempre na tua vida.
Sonhadora
O Borges...
ResponderEliminarAndo a ler contos do Borges. Voltei a ter aquela sensação de "ter um bom livro para ler" que é uma coisa muito próxima da felicidade. Ele lida com o "tempo" como mais ninguém. Estava a ler o poema e a pensar que só podia ser do Borges, e quando vi que era, fiquei feliz como um puto que encontra um brinquedo perdido.
Beijo
Amiga Janita, esta música arrepia-me sempre que a ouço e na voz de Joan Baez ainda é mais arrepiante e bela.
ResponderEliminarO poema não conhecia e fez-me reflectir . LINDO!
beijinho