quinta-feira, 17 de abril de 2014

Estranhos Dias Treze.


Imagem da Net.

O NASCIMENTO DO POETA

Ora foi num dia treze
Em seu bíblico lugar de dor
Minha mãe deu por completas
as letras de meu teor

Porque para acabar o mundo
era precisa a minha mão
do azul calafetado
caí nas facas do chão

Machucada de nascida,
da minha sofrida região
pus-me a levantar o mapa
em ponto de exclamação

Assim na câmara escura
de cada privada saliência
meus olhos se revelaram
negativos da ausência

Soube que o tempo é uma luva
antissética que o infinito
calça para joeirar
sem contágio o nosso trigo

daí o amor ser o meio
do homem dividido em dois
e a pior metade é estarmos
à espera de sermos depois

Soube que quando a amargura
nos gasta a pintura aparece
a cor que teriam os olhos
de um deus apócrifo se viesse

não refulgente ou teologal
tampouco suspensa espada
mas ocasional como vestir
uma camisa lavada

porque a vida é a ocupação
do único espaço disponível
para o possível amanhã
da nossa véspera impossível

e o sidéreo, adeus mistério
é um queijo de paciência
para a gulodice da terra
(e não perdi a inocência)

Soube coisas que sabê-las
foi eu ir ficando nua
como no apocalipse uma última
pedra vestida de lua

como no fim do mundo um lírico
verme a recomeçá-lo
a beber estrelas e peixes
pelo seu estreito gargalo

Como eu em amorosa
posição de cana erecta
a pescar no indizível
o sinónimo de poeta
                    Natália Correia, A Mosca Iluminada, 1972


Enquanto saboreiam «O Nascimento do Poeta», ofereço-vos um chocolatinho.
Há-os para todos os gostos. Que ambos vos saibam bem.





 

20 comentários:

  1. Respostas
    1. A Natália dos tempos que já lá vão, Mar!

      Um beijo e Boa Páscoa.

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  2. daí o amor ser o meio
    do homem dividido em dois
    e a pior metade é estarmos
    à espera de sermos depois

    vou saborear esta amêndoa

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    1. Saborei à confiança, Rogério!

      Aqui as amêndoas amargas, são muito raras e aparecem contra a vontade de quem as oferece. Vêm misturadas com as doces...:)

      Um beijo e Boa Páscoa.

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  3. Querida Janita
    Ah, como são estranhos os dias 13! Tão estranhos que me fazem voar pelo azul fulgente do mistério...

    Beijo enorme :)

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    1. Querida Capuccino...

      Não o fiz com má intenção, mas assim como a Natália Correia se colocou na posição da cana para pescar o sinónimo de Poeta, eu coloquei o título no post para ver se 'pescava' algo acerca desse vosso famoso dia 13!

      Não é que tive a sorte de me trazeres algo tão belo, como esse voar pelo azul fulgente.... Mistério? Hummm....:))

      Beijo grande, sem mistério :)

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    2. Sorry, Capuccino!

      Esqueci-me de te/vos desejar: Boa Páscoa .)

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  4. Souberam-me muito bem!
    Obrigada!

    Abraço

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    1. Ainda bem que gostaste, Rosa dos Ventos!
      Ofereci-os com a melhor boa vontade:)

      Um abraço e Boa Páscoa.

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  5. Olá, Janita!

    Lida a poesia da Natália, com um certo travo amargo, levo comigo um chocolatinho doce.E se antes aqui não voltar, já cá deixo os Votos de Feliz Páscoa, no possível à medida dos teus anseios.

    Beijinhos amigos.
    Vitor

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    1. Olá, Vitor!

      Fizeste bem em comer o chocolatinho para tirar o gosto que te ficou na boca!

      Os meus anseios, meu Amigo, giram todos à volta do mesmo: Saúde e Paz!
      Leva, também, os meu votos de uma Boa e Feliz Páscoa.

      Beijinhos.

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  6. O poema soube bem e o chocolate foi a cereja no topo do bolo.
    Bolo? Que bolo?
    Não interessa.
    Uma Santa Páscoa para ti e para todos os teus.
    Beijoca

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    1. Nem sabes como fico feliz com a tua alegria, António!!:)

      Não interessa mesmo! Guardado está o bocado para quem o há-de comer. :))

      Boa Páscoa, para ti e família.

      Beijocas!

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  7. Que inspiração! Sinônimos de poeta... são tantos. Infindos, eu creio. Beijos.

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    1. Penso que a Natália deve ter encontrado o sinónimo que pretendia, Carlos.

      Para tal se colocou na posição que melhor achou seria necessária.

      Um beijo e Boa Páscoa, amigo!

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  8. Natália Correia
    Escrevia poesia
    Mas durante o dia
    Fritava lampreia

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  9. No seu Botequim até altas horas
    Natália Correia bebia e fumava
    nas longas tertúlias de tudo se falava
    ele era política, poesia, literatura
    não sei se comiam, se só discutiam
    se petiscos houveram seriam caracóis
    lampreia não era, quiçá, porventura
    saciassem o apetite fritando rissóis.

    E não me venhas com mais poesias foleiras
    Come um chocolate esquece as asneiras...:))

    * _ *

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  10. Obrigado, JAnita,

    Saborear o chocolate sim, esta poesia não obrigado.

    Abraço ?

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  11. Claro que sim, Argos! Abraços, sempre:)

    Beijinhos, muitos.

    * 

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  12. Mais uma vez com os meus atrasos, mas acabo sempre por chegar aqui...
    Bela e oportuna recordação de uma enorme Senhora, nas letras, na política, na Arte, enfim, na Vida.

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