Como
Antonieta era festiva…Ainda que por circunstâncias de horário eu tivesse de lhe
tocar à campainha muito cedo, num daqueles prédios do Lumiar, em que tanto dá
um como outro, nunca encontrei má vontade. Abria-me a porta, em roupão, com um
sorriso ainda ensonado, e deixava-se beijar.
Tinha vários homens, sabia-se disso no emprego, e, não obstante, jamais
me mostrou o menor sinal de enfado. «O amor livre?», dizia. «Eu encarno o amor
livre.» Não havia negar-lhe razão.
Observava-a de soslaio, cirandando para além dos vidros, fingindo eu que
examinava ozalides num estirador ou seguia um gráfico no ecrã. Porta sim, porta
não, no gabinete deste ou daquele, se é que se pode chamar gabinetes àquelas monótonas
cisternas entrevidradas, Antonieta deixava papéis, memorandos e simpatia.
Quando nos cruzámos, um rápido sorriso profissional de hospedeira de
bordo não me encorajava muito. Mas houvesse calma. Como quem diz: a pressa nos
desejos é tardança.
Oportunidade de trabalho, verificação de listas («listagens», como dizem
nas empresas, em estilo tecno-pífio), palavra atrás de palavra, sorrisos e
meios sorrisos, um café algures, ditos de espírito, um convite para casa, para
ver, estudar não sei o quê. Nada de directo. Só alusões. As mulheres impõem o
consabido preceito das divindades: deixam-nos o encargo de adivinhar os enigmas
e sempre o ónus de errar.
Na hora da verdade, a experimentada, ávida e estrondosa Antonieta não
queria outra coisa. Algo ela me ensinou. Regia os tempos. Escusava pressas,
mas, inesperada, também precipitava delongas. Ditava e mandava, disfarçando o
todo em lânguida doçura.
Cabeça revolta a dar a dar, um apego em crescendo, com torção do corpo e
um arranque abismal, bradado na surpresa dum rompante ao modo popular, exigindo
mais alguma coisa ou asseverando que algo estava a acontecer. Vocabulário crú,
em barda. Expressões que não me eram lembradas desde a pornografia adolescente.
Era morena, robusta, musculada, descontraída e, em absoluto, destituída
de pudor. Abria-se em concha, os braços encurvados, levantados ao ar, mãos solícitas,
os joelhos afastados, bem ao alto, a boca voraz, numa face expectante.
Quem socialmente a ouvisse exprimir-se, no seu jeito humílimo de estar
em público, não imaginaria que o alcance de Antonieta ia muito para além do
calhambeque amarelo que conduzia, sem vagares, em derrapagens controladas.
Não se esquecia, por um instante, de que se atribuíra o papel de seduzir e agradar, iludindo cansaços e
desfazendo enfados. Mantinha a conversação, entreactos, num registo segredado
de pequenas inconfidências e malícias, enquanto ia adivinhando a recomposição
do parceiro. Remava num recomeço gargalhado, a derivar numa busca de prazer
concentrada, explorada ao mínimo pormenor, sempre em ascensão, até ao
rompimento da deflagração final, que era tudo menos discreta. Tapava a boca com
a mão e eu ajudava, num pressentimento vago de que àquela hora, no prédio,
existiam ouvidos invejosos do tumulto que remoinhava no quarto de Antonieta.
- Vou ser transferida, sabe?
- Para onde?
- Haia.
- Já avisou todos?
Ficou uns momentos em suspenso, um indicador interrogativo entre a boca
e a aba do nariz. Depois rompeu a rir, alto, e puxou-me para si.
Bem que serão felizes tantos holandeses.
Nota: Apesar de me ter zangado com o autor deste livro
em virtude daquele seu deslize, Hoje, deu-me para transcrever o terceiro conto, quiçá, por falta de inspiração para criar algo de minha autoria, passe a redundância. Lá está, isto de ser autora de um blogue é uma grande responsabilidade. É como termos um filho a quem temos o dever de manter e sustentar.
Mas lá que também nos proporciona muitas alegrias, isso é a mais pura verdade!
em virtude daquele seu deslize, Hoje, deu-me para transcrever o terceiro conto, quiçá, por falta de inspiração para criar algo de minha autoria, passe a redundância. Lá está, isto de ser autora de um blogue é uma grande responsabilidade. É como termos um filho a quem temos o dever de manter e sustentar.
Mas lá que também nos proporciona muitas alegrias, isso é a mais pura verdade!
Espero que gostem. :)
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ahahahahahah
ResponderEliminarAntes uma mãe assoberbada que um Antonieta dos blogues.
Ganda Antonieta.
Boa tarde Janita
Mas esta Antonieta, não tem blogue, menina Noname!! Vê lá não confundas...;)
EliminarTu que sabes e eu que sei, cala-te tu que eu me calarei. ehehehe
Beijocas, NN
Eu li o livro. E confesso que adorei.
ResponderEliminarUm abraço
Na altura em que a Graça Sampaio falou no livro e eu fiquei morta de curiosidade, lembro-me da Elvira dizer que também o tinha lido.
EliminarAté chegar àquele malfadado conto, cujo título é "Viravolta", e me revirou as entranhas, a leitura corria sobre rodas. Mas..."as crianças, Senhor"...:(
Um abraço.
Moral da história: Então o post de hoje é do Mário de Carvalho. Foi ele que o escreveu.
ResponderEliminarSe puxar-mos um pouco mais a corda, se a Janita é a mãe do blogue, então o Mário Carvalho será o pai?
Mas afinal de contas, quem é o pai desta criança? Alguém sabe?
Hummm?
:-D
Foi ele que o escreveu...uma ova!!
EliminarEle escreveu o livro, tem teve a grande trabalheira de transcrever palavra a palavra, aqui para o blogue, foi cá a je, moi, me, yo, euzinha....
Esta criança é uma produção independente.
O Remusinho já ouviu falar disso? Lol
Mas o seu ponto de vista, está bem visto, sim senhor...:))
Lá estaremos
ResponderEliminarQue tudo corra pelo melhor!
EliminarAinda não vai ser desta vez que vou à Festa, O Puma!
Abraço.
Já li o livro logo quando saiu. É MUITO BOM!
ResponderEliminarEu sei, Graça! Foi graças a ti que o li. :)
EliminarBeijinhos
PS- Quem acedeu aos links, através das palavras "zangada" e "deslize", pode constatar que também já o tenho desde Janeiro.
Eliminar«Lá está, isto de ser autora de um blogue é uma grande responsabilidade. É como termos um filho a quem temos o dever de manter e sustentar.»
ResponderEliminarVerdade!
O meu anda tão à mingua...
Outros valores mais altos se têm 'alevantado' caro Amigo, Rogério, verdade?
EliminarNão se preocupe, cuide das prioridades, o blogue e os amigos compreendem e sabem esperar.
Um abraço farto. :)
Nunca li nada do Mário de Carvalho, assim como de muitos outros !
ResponderEliminarNunca fui um bom leitor de ficção ! :( ...
Com o blog, com uma enorme sêde de conhecimentos permanentemente, com tantos afazeres familiares e pessoais, não consigo imaginar-me a ler um livro de ficção ! :((
Abração, Jani :)
:) Eu sei que preferes livros científicos, Rui. Depois, o teu tempo já está tão preenchido que não te permite sentares-te comodamente, numa poltrona, e viajar por histórias de vidas fictícias.:) Mas, sabes?- Esse é um dos grandes prazeres da minha vida, desde muito, muito cedo. Os livros foram, e são, os meus grandes amigos e companheiros. Já não aprecio, como tu, ler biografias, e a ciência, deixo-a para os cientistas... Os livros fizeram-me viajar por mundos que nunca conhecerei in loco, conhecer outras culturas; e porque não?...viver outras vidas.
EliminarSe nos dispomos a ver um filme, porque não poderemos sentar-nos, nem que seja durante uma hora, e ler um livro? Postos de vista, claro!!
Gostei de ter aqui a tua opinião, Rui!
Grande abraçaço, Amigo! :)
Gosto de lê-lo.
ResponderEliminarBj.
Fiquei mais curiosa ainda sobre o livro.
ResponderEliminarum beijinho, bom descanso e até já
Tenho este livro na minha mesa de cabeceira (desde a altura em que a Graça publicitou o livro) e vou-o lendo a espaços, um conto por noite, às vezes mais... dependendo se o meu companheiro do lado está também virado para a leitura ou nem por isso. E como a leitura é feita apenas de quando em vez, dá-me tempo para esquecer o que li e de o querer voltar a ler. :)
ResponderEliminarÉ o bom de ler estes pequenos contos "avulso"... pois não há o compromisso de ler um livro inteiro de fio a pavio, e todo de seguida, sob pena de estarmos a chegar ao final e já não nos lembrarmos do que lemos no início.
Por tua sugestão recuei AQUI e também AQUI e claro que concordo contigo... pois a mim também não me caiu nada bem o décimo primeiro conto.
Boa ideia a de partilhares um dos contos...
Naquela altura também estive para fazer o mesmo, mas depois passou-me da ideia.
Beijinhos (vestidos dos pés à cabeça que hoje está mais frio)
(^^)