quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

ESSA É QUE É...EÇA.


Estátua de Eça de Queirós no Largo Barão de Quintela - Lisboa


Ondas de Solidão


Se possuísse uma canoa e um papagaio,
podia considerar-me realmente como um
Robinson Crusoé, desamparado na sua ilha.
Há, é verdade, em roda de mim 
uns quatro ou cinco milhões de seres humanos.
Mas, que é isso?

As pessoas que não nos interessam
 e que se não interessam por nós,
são apenas uma outra forma da paisagem,
um mero arvoredo um pouco mais agitado.
São, verdadeiramente como as ondas do mar,
que crescem e morrem,
sem que se tornem diferenciáveis
umas das outras,
sem que nenhuma atraia mais particularmente
a nossa simpatia enquanto rola,
sem que nenhuma, ao desaparecer, nos deixe uma mais 
especial recordação.
Ora estas ondas, com o seu tumulto,
não faltavam decerto em torno do rochedo de
Robinson - e ele continua a ser, nos colégios e conventos, 
o modelo lamentável e clássico da solidão.

[Eça de Queirós]






32 comentários:

  1. Eça de Queirós é o meu Deus no céu da literatura portuguesa.

    A estátua é de muito bom gosto.

    Beijo 😘 da amiga em ondas de solidão.

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    1. Já eu sou mais Guerra Junqueiro, Teresa.
      A foto com as palmeiras, visivelmente doentes, deve ser recente pois já as vi, com toda a sua beleza tropicalmente verde, há mais tempo.
      O nosso Eça sabia ir ao cerne das coisas onde tudo acontece. O vai-vem das ondas do mar, que o solitário Robinson Crusoé via, na sua ilha, é o vai-vem das pessoas que passam por nós, sem que nos façam sentir mais acompanhados.
      E o mais admirável, Teresa, é que tudo o que ele escreveu há mais de cem anos é actualíssimo.

      Beijo amiga, em ondas de fraternidade.

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  2. O poema é muito bonito a estátua também, mas da solidão não gosto.
    Abraço

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    1. Eu gosto muito dos meus momentos a sós comigo mesma, Elvira. Acho que todos precisamos disso. Mas não gosto, faz-me sofrer, o sentir-me só. São duas coisas diferentes, e neste texto, não é feita a apologia da solidão, muito pelo contrário. É uma questão de ler e entender a metáfora nele existente, e isso, a Elvira como a pessoa sensível e inteligente que é, sabe - e como sabe - bem fazer.

      Abraço e uma boa noite

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  3. Eça passou de moda

    Hoje o modelo clássico de solidão
    é o shopping que estiver mais à mão

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    1. HomEça!! Quem disse?? :)

      O shopping, as ruas das grandes cidades apinhadas de gente, o brilho do excesso de luzes como que para afogar carências, tudo isto são ondas que rolam e não nos aquecem a alma, Rogério.

      Abraço

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  4. Cito sempre o Vasco Santana - "Há três grandes escritores em Portugal, três enormes escritores - o Eça, o Eça e o Eça".
    Beijinhos

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    1. Grande fã do Eça, era o Vasco. Não conhecia essa frase!

      Beijinhos, Pedro.

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  5. Para além das palavras de Eça amparando a nudez crua da verdade que Teixeira Lopes lhe concedeu, as palmeiras estão mesmo infestadas de Rhynchophorus ferrugineus, Janita...

    Quanto à solidão - falo mesmo de solidão, não de abandono - , penso que é vivenciada de modo diferente por cada um de nós. Para mim, tem sido uma companhia muito pródiga, muito fértil em termos literários. No entanto, a verdade nua e crua é que muito raramente me sinto sozinha, embora esta progressiva perda de autonomia me seja extremamente penosa e torne ainda mais penosa - e perigosa... - qualquer pontual necessidade de sair para "espairecer"...

    Beijinhos :)

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    1. Sei que as palmeiras foram infestadas por uma praga de escaravelhos e larvas que as foram minando pouco a pouco. No meu jardinzito também havia uma que teve de ser abatida, agora que tinham esse nome científico é que eu não sabia, Maria João.:) Sempre aprendendo.

      Quanto à estátua, o autor baseou-se, e bem, na nudez da verdade de que o nosso Eça era protector. :)

      Considero a Maria João uma Mulher de forte personalidade e perfeitamente bem resolvida consigo e com as eventuais limitações de mobilidade. Só esse facto já me faz pensar que jamais se sentira só, mesmo estando sozinha.
      Há medida que vamos tendo conhecimento de quem nos rodeia neste mundo virtual, através daquilo que escrevem, vamos traçando o seu perfil.

      Beijinhos com admiração.

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    2. Obrigada pela compreensão, Janita.
      Tenho saudades das palmeiras desta alameda/passeio. Muitas, mesmo.

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    3. Nada a agradecer querida Poetisa!
      Eu é que agradeço a atenção das suas vistas, regulares, a este meu simples espaço.
      Muito obrigada.

      Um beijinho.
      ( acredito que as palmeiras que embelezavam a rua onde reside, lhe façam falta. Eram sombra nos dias de sol forte, e alegria para os olhos, nos dias cinzentos e tristes. )

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  6. Maravilhosa escolha para a sua postagem! Amei!
    Obrigada pela partilha, Janita!

    Beijos e um excelente dia!

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    1. Obrigada, Cidália.

      Eu é que lhe fico grata.
      Um beijinho

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  7. Ora 'Eça'!!!
    Boa quinta, senhora do norte :)
    Beijinho

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  8. Bonita estátua de Eça que desconhecia.
    Hoje lembrei alguns livros dele que li:
    Os Maias, A Cidade e as Serras, o Primo Basílio, etc..
    Foi bem recordar este grande vulto da literatura nacional.

    Beijinhos Janita

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    1. A estátua baseia-se no romance "A Relíquia", a que o autor deu como subtítulo: "“Sobre a Nudez Forte da Verdade - o Manto Diáfano da Fantasia". :) Para além desses livros que enumeras ainda há um outro muito conhecido "A Tragédia da Rua das Flores". Lembras-te?

      Beijinhos, Manu! :)

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  9. Belo poema, é mesmo assim!
    Conheço melhor Eça prosador e gosto muito dele, um dos grandes da nossa Literatura!

    Abraço

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    1. Um dos maiores vultos da nossa Literatura, sem dúvida.
      Este é um mais um texto poético, diria eu.

      Grata, Leo.
      Beijinho

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  10. É isso mesmo, para a generalidade das pessoas !!! ...
    Vivemos num mundo cheio de gente em nosso redor e é como se não
    existissem como pessoas, mas sim apenas como "agitação" em nossa volta ! :(
    Quantas e quantas vezes, nos cruzamos e nem uma simples saudação.:(
    Acabamos por viver isolados no meio das multidões.
    Curiosa a metáfora da ilha de Robinson Crusoé com a agitação das ondas em sua volta !

    Beijinhos, Janita

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    1. Hoje sinto-me definitivamente bem resolvida com esse tema, Rui.
      Mas tempo houve, em que só me sentia bem onde não estava. Tive muita dificuldade em enfrentar certa situação inesperada que surgiu na minha vida. Infelizmente, não recorri à ajuda de um profissional e entrei numa onda depressiva. Não havia ninguém, nem mesmos meus filhos, que me fizessem sentir acompanhada. Acho que me perdi de mim. Levei anos para sair desse buraco negro de solidão interior. A vinda ao mundo, do meu neto, restituiu-me à vida e à vontade de viver.
      Sabes que acreditei que ele nasceu para me salvar? Enfim...
      Estas coisas da alma são complicadas!

      Beijinhos, Rui!

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  11. Apreciador do Eça que sou (quem não é?), não conhecia este texto.
    (Está zangada?)
    bji.

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    1. Fico feliz por saber que há, enfim,
      algo que o José não conhece e eu, sim! :)

      Zangada?...Deveria estar?

      Beijinho

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  12. Eça por vezes só
    mas nunca isolado
    Bj

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    1. Comigo dá-se precisamente o mesmo, Mar Arável.

      Beijo, Poeta.

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  13. Ninguém gosta da solidão ,mas às vezes até faz bem :)
    Gostei!
    Beijinho Nita

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    1. Não só faz como sabe bem, mas só às vezes, Mena!
      Gostaste, minha querida amiga do contra?
      Milagre!!!!

      Beijinhos, Nina! :)

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  14. Como me é familiar Eça de Queirós !! Morei 11 anos numa rua com seu nome, foi na minha infância.
    Nunca esquecerei, o nome do grande escritor português, Eça de Queiros nº 540! Minha residência. Guardo com imenso carinho.
    Beijo, um bom fim de semana.

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    1. Gratas recordações que ficam para a vida, querida Taís.

      Um beijinho. Bom fim de semana. :)

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  15. Bem Janita, que belo poema tu compartilhas!
    «As pessoas que não nos interessam
    e que se não interessam por nós,
    são apenas uma outra forma da paisagem»
    Estes versos são para anotar e reler...
    Gostei, amiga. Muito!
    (Sortuda a nossa amiga Tais. Agora percebo porque é a sua escrita tão primorosa! Pois eu vivo numa rua colorida e florida: Rua das Acácias, e pinto - não flores, mas a «manta», de vez em quando!)
    Beijo para as duas.

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    1. Grata pelo teu apreço querida Teresa! :)
      O mérito, obviamente, é do escritor e da nossa amiga Taís que, influenciada ou não, pelo grande escritor português, escreve crónicas fabulosas.
      Curiosamente não te imagino a a 'pintar a manta'!!! :))

      Beijinhos meus.

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