O Pranto e o Riso
Se o Pranto e o Riso aparecessem neste grande teatro no traje da verdade (sempre nua), sem dúvida seria a vitória do Pranto. Mas vestido, ornado e armado de uma tão superior eloquência, que o Riso se ria do Pranto, não é merecimento, foi sorte. De tudo quanto ri saiu vestido, ornado e armado o Riso: riem-se os prados e saiu vestido de flores: ri-se a Aurora, e saiu ornado de luzes; e se aos relâmpagos e raios chamou a Antiguidade Risus Vestae, et Vulcani, entre tantos relâmpagos, trovões e raios de eloquência, quem não julgará ao miserável Pranto cego, atónito e fulminado? Tal é a fortuna, ou a natureza, destes dois contrários. Por isso nasce o Riso na boca, como eloquente, e o Pranto nos olhos, como mudo.
(...) Demócrito ria sempre: logo nunca ria. A consequência parece difícil e é evidente. O Riso, como dizem todos os Filósofos, nasce da novidade e da admiração e cessando a novidade ou a admiração, cessa também o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, e o que é ordinário e se vê sempre não pode causar admiração nem novidade; segue-se que nunca ria, rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o riso.
(...) Demócrito ria sempre: logo nunca ria. A consequência parece difícil e é evidente. O Riso, como dizem todos os Filósofos, nasce da novidade e da admiração e cessando a novidade ou a admiração, cessa também o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, e o que é ordinário e se vê sempre não pode causar admiração nem novidade; segue-se que nunca ria, rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o riso.
(...) Há chorar com lágrimas, chorar sem lágrimas e chorar com riso: chorar com lágrimas é sinal de dor moderada; chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suma e excessiva.
(...) A dor moderada solta as lágrimas, a grande as enxuga, as congela e as seca. Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor; por isso não chorava Demócrito; e como era pequena demonstração da sua dor não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria.
Nada digo que seja contrário aos princípios da verdadeira Filosofia e da experiência. A mesma causa, quando é moderada e quando é excessiva, produz efeitos contrários: a luz moderada faz ver, a excessiva faz cegar; a dor, que não é excessiva, rompe em vozes, a excessiva emudece.
(...) A dor moderada solta as lágrimas, a grande as enxuga, as congela e as seca. Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor; por isso não chorava Demócrito; e como era pequena demonstração da sua dor não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria.
Nada digo que seja contrário aos princípios da verdadeira Filosofia e da experiência. A mesma causa, quando é moderada e quando é excessiva, produz efeitos contrários: a luz moderada faz ver, a excessiva faz cegar; a dor, que não é excessiva, rompe em vozes, a excessiva emudece.
Desta sorte a tristeza, se é moderada, faz chorar; se é excessiva, pode fazer rir; no seu contrário temos o exemplo: a alegria excessiva faz chorar e não só destila as lágrimas dos corações delicados e brandos, mas ainda dos fortes e duros.
Padre António Vieira, in "Sermões"
Padre António Vieira, in "Sermões"
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Aprecio-lhe a formalidade, perfeição e habilidade do discurso... mas não necessariamente a concordância com as suas ideias!
ResponderEliminarA tentativa de definir cânones característicos e imutáveis, faz com que o definidor/autor se tenha que situar fora da vida.
E como padre austero... pouco devia conhecer da vida! Daí a ideia de tudo formatar e de paradigmatizar a vida!
A vida não é de todo amoldável... é bem mais rica, surpreendente e felizmente sorridente.
Beijos, Janita!
A pranto e o riso
ResponderEliminarA alegria e a tristeza
As águas que correm no rio
Vão para o mar de certeza!
As lágrimas dos olhos caídas
Pelas faces vão correr
Desgostos e mágoas sofridas
Que os sorrisos não deixem a tristeza vencer!
Boa quinta-feira para você, amiga Janita,
um abraço
Eduardo.
Corrijo. O pranto, e não a pranto.
ResponderEliminarJanita
ResponderEliminarSabe que encontrei algumas respostas para alguns comportamentos que tenho no meu dia a dia.
Excelente a ideia de publicar o Jorge Palma nesta belíssima canção.
Vou ouvir e "curtir".
Beijo
Rodrigo
Este trecho, bem escolhido, dos Sermões do Padre António Vieira encerra uma verdade indesmentível.
ResponderEliminarÉ de interpretação um pouco difícil, pois encerra muitos sofismas e uma certa dose de moralidades bem dirigidas.
Sabe Janita, que dos Sermões é porventura esta parte a mais ambígua. Nunca se percebe onde se fala de riso e do simples sorriso. Do riso de ironia e descrença (de que nos fala Jorge Palma)e do riso associado à felicidade e à forma de esconder (ou adormecer) a dor)...
ResponderEliminarE depois, tenho por mim que o riso excessivo é prova de fraco juízo. Diz o povo: "Muito riso, pouco siso"... e (quase) sempre tem razão.
La risa tiene varias características que todos o casi todos deseamos demostrar,unas risas de felicidad enseguida se las reconoce,lo más difil es saber cuando son risas nerviosas irónicas o de dolor.
ResponderEliminarSaludos
Este texto do Padre António Vieira (figura mui admirada por um antigo professor meu) deu realmente que pensar. Parece que tudo isto já passou por mim. A emotividade que me caracteriza já me fez chorar de tanto rir e rir de tanto chorar. Parece um assunto banal mas não é assim tão linear quanto isso... atendendo ao facto de ter merecido grande atenção por parte de antigos filósofos.
ResponderEliminarVou dar aqui um pequeno exemplo que já passou por mim no que concerne à dor maior que resulta no chorar sem lágrimas:
Era eu um menino quando morreu uma gata da minha falecida avó. Claro que eu chorei a morte da gata com uma enxurrada de lágrimas. Quase que me ia afogando nas mesmas. :) Passados uns dez anos desse episódio da vida (ou será antes da morte?) eis que faleceu a minha avó. Pois é. A dor foi tão forte que não consegui verter uma única lágrima nesse momento. Só muito mais tarde é que tomei consciência da verdadeira realidade que acontecera e toca a irromper num pranto nunca antes visto... só comparável a um dilúvio. Coisas da vida (ou da morte).
Falemos de coisas mais alegres. :)
Beijinhos!
Janita:
ResponderEliminarNão és a primeira pessoa a chamar-me extraterrestre... ;)
Do Palma gostei (gosto sempre!..). Do Padre nem tanto, mas isso é cá por coisas minhas,relacionadas com a aversão aos sermões.
ResponderEliminarBeijinho e bom fds.
Do Palma gostei (gosto sempre!..). Do Padre nem tanto, mas isso é cá por coisas minhas,relacionadas com a aversão aos sermões.
ResponderEliminarBeijinho e bom fds.