Vá-se lá saber porquê, subitamente, senti-me invadida por uma estranha melancolia, uma nostalgia de algo que não vivi nem sequer conheço.
Peguei, quase instintivamente, no único livro que Cesário Verde escreveu. Folheei-o ao acaso e foi neste poema que fixei a minha atenção.
Sei, no entanto, que ele escreveu outros que estariam mais de acordo com o que sinto, porém, este poema é como um apelo e uma defesa das dores alheias e de como nos podemos sentir irremediavelmente impotentes e sós para as podermos mitigar. De tal modo, que até os nossos problemas nos parecem meras contrariedades! Isto, no caso do poeta infeliz e que tão cedo partiu.
( Da página 43 à 46 ) |
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve conta à botica!
Mal ganha para sopas...
O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais uma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e a paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimento finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...
E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!
Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!
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Os nossos problemas tornam-se contrariedades – como ele diz – perante as situações dolorosas dos outros. Melhor agradecermos as nossas bençãos como uma amiga costuma dizer.
ResponderEliminarBjos
É isso mesmo, Catarina!
EliminarA tua amiga tem toda a razão.
Beijinhos.
Há dias assim, Janita.
ResponderEliminarDepois, sem que a gente saiba bem porquê, passa.
Beijinhos e votos de bfds
Há dias em que o Sol se esconde dentro de nós, Pedro.
EliminarBeijinhos.
A vida é como uma longa fila onde temos gente atrás de nós e à nossa frente!
ResponderEliminarGosto de Cesário, gosto deste poema...
Abraço solidário
Rosa dos Ventos
Metáfora muito apropriada e sábia, Rosa dos Ventos!
EliminarSem tirar nem pôr...
"O Sentimento Dum Ocidental" que Cesário dedicou a Guerra Junqueiro, é a série de poemas seus que mais gosto.
Há um que já publiquei e tem por título "De Tarde". Aqui, o Poeta deveria estar num dos seus raros momentos de romantismo e brejeirice...:)
Abraço grande, Rosinha.
ResponderEliminarPor favor, me perdoe pela copia e cola.
Mas hoje é por um motivo especial.
Levar ao conhecimento de todos aos meus amigos o meu mais recente trabalho.
Desde já agradeço o seu carinho, sua atenção e sua compressão.
Vem ai Uma Menina Chamada Esperança!
Em breve comunicarei o lançamento deste emocionante livro! Que ao voltar no tempo dos nossos antepassados, nos faz renascer para a chama da esperança, - olhar para o futuro e ver nossos sonhos realizados!
Querida amiga, eu ficaria muito feliz se pudessem me ajudar a divulgar meu mais novo trabalho, o qual foi feito com muito carinho e dedicação para todos os leitores que gostam de viajar entre as palavras de um livro. É um livro juvenil, mas que com certeza vai tocar o coração de todos. Assim é o que eu desejo.
Penso que estou pedindo um pouquinho demais, mas se for possível me ajudar também curtindo Esta postagem na minha pagina e a pagina deste livro no face eu lhe agradeço de todo o coração.
Muito obrigada!
https://www.facebook.com/UmaMeninaChamadaEsperanca?fref=nf
Logo que tiver uma data precisa do lançamento do livro avisarei a todos.
Conto com o apoio de cada um de vocês, para a Menina Esperança realizar o seu sonho!
Desde já agradeço o seu apoio e amizade.
O meu muito obrigado
Que abençoe a abençoe hoje e sempre....
Maria Alice
Olá, Maria Alice.
EliminarJá no post anterior lhe respondi, mas pode voltar sempre que queira.
Um beijo e boa sorte!
Li, há muito Cesario Verde (o poeta de Liboa), mas não guardo na memoria nenhum poema.
ResponderEliminarEste é imenso, intenso e dramático.
Obrigado Janita, graças a si vou desenterrar o livro que tenho algures.
No meu blog há alguns publicados, Manuel, mas nada como ter o livro e poder reler a sua bela poesia.
EliminarHá na blogosfera tão pouca gente a gostar de poesia que eu já digo como o Cesário...
"E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever (publicar) em prosa".
Estou a brincar, Manuel! Gosto imenso de ler uma boa prosa, nomeadamente a sua!
Um abraço.
coitadinhos...
ResponderEliminarAmbos com as suas dores e problemas, sim, Téstiq...
EliminarBem conheço esse poema (e outros de Cesário) por o estudar com os alunos.
ResponderEliminarMelancólicos e nostálgicos sentimo-nos um pouco todos nós a vivermos esta situação diária que nos constrange...
Beijinhos e bom fim de semana.
Já calculava que sim, Graça. Também "As Avé-Marias" foram poemas dele, muito analisados no tempo do Liceu.
EliminarAcho que se instalou em todos nós um baixo astral que precisamos combater...
Beijinhos e um bom fim de semana também para si.
Eu gosto de tudo o que você nos diz em seu blog Janita, é um grande presente. Como cerca de verão? Espero que você esteja bem. O blog do círculo e estamos de volta das férias, então voltamos para a briga. Um grande abraço e amigo fim de semana feliz.
ResponderEliminarHola, Pepe.
EliminarFico contente por já terem regressado ao vosso espaço. Irei visitar-vos para me deliciar com a belas fotos com que sempre nos presenteiam.
Gracias.
Um fuerte abrazo, Pepe!
Olá, Janita!
ResponderEliminarPoema triste, ditado pelo desencanto: análise fria e sem compaixão do mundo em que vivia - e onde aparentemente ele mesmo se não encaixava.Viver sofrido quando se encara assim a vida...
Que esteja de passagem essa melancolia!
Beijinhos amigos, e bom fim de semana.
Vitor
Olá, Vitor!
EliminarExcelente análise que fazes deste poema. Aliás, o desencanto e o inconformismo eram características muito vincadas em Cesário Verde, que transpareciam em toda - ou quase - a sua poesia.
Obrigada, meu amigo. Tudo passa, não é?
Beijinhos muito amigos e que tenhas um bom resto de sábado e um bom domingo!
Sem ceia
ResponderEliminarFeia
Coitadinha
Hoje também me sinto cruel (palavra feia), não sei se iriasgostar da minha analise ao poema. Desculpa.
Mereço um abraço?
:))
EliminarNão, Argos! Não quero que analises este poema. Estou tão contente por te ver...
Analisa, antes, esta primeira quadra que faz parte do seu poema "Noite Fechada":
'Lembras-te tu do sábado passado
Do passeio que demos, devagar
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do Luar?"
:)
Estou a brincar, não precisas analisar nenhum poema.:)
Quanto ao que eventualmente possas sentir, de menos bom, não é crueldade, é talvez alguma raiva. (?)
Mereces, sim! Todos os abraços e braços, que consigas abarcar!
Beijinhos.
A vida... é o caminhar surpreendente, dia após dia...
ResponderEliminar...e nesse caminhar, as surpresas podem ser deslumbrantes, verdade?...
EliminarObrigada!
Um só livro, mas um grande livro...
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