Foi só o Larry chegar, e a Emma ficou milagrosamente curada. É
meia-noite e está pronta para começar o dia de novo, como se jamais tivesse
tido dores nas costas.
Começamos a dançar.
Dançar deixa-me sempre inibido, como o Larry sabe perfeitamente, ao
passo que ele se sente como peixe na água: ora um majestoso dançarino de fox-trot, ao melhor estilo colonial,
ora um cossaco tresloucado, ou lá o que é, mãos nas ancas, descrevendo em torno
dela círculos imperiais, matraqueando o soalho envernizado com os meus chinelos
de quarto. Cantamos, apesar de eu não ter voz. Primeiro reunimo-nos num
triângulo apertado a ouvir o relógio bater a meia-noite.
Depois damos os braços, um braço macio e branco para cada um, e cantamos a plenos pulmões o «Auld Lang Syne» enquanto o Larry, menino de coro em Winchester, brilha no descanto e o colar saltita cintilante no pescoço da Emma. E embora o seu olhar e os seus sorrisos sejam para mim, não preciso de lições sobre o amor, para saber que cada saliência e reentrância do seu corpo, da cabeça de azeviche à castidade do cair da sua saia é para ele que existe.
E, quando às três e meia, chega pela segunda vez naquela noite a hora de irmos dormir, e o Larry está prostrado na cadeira de baloiço, morto de tédio a olhar para nós, e eu, de pé atrás dela, lhe massajo os ombros, sei que são as mãos dele e não as minhas que ela sente no seu corpo.
Depois damos os braços, um braço macio e branco para cada um, e cantamos a plenos pulmões o «Auld Lang Syne» enquanto o Larry, menino de coro em Winchester, brilha no descanto e o colar saltita cintilante no pescoço da Emma. E embora o seu olhar e os seus sorrisos sejam para mim, não preciso de lições sobre o amor, para saber que cada saliência e reentrância do seu corpo, da cabeça de azeviche à castidade do cair da sua saia é para ele que existe.
E, quando às três e meia, chega pela segunda vez naquela noite a hora de irmos dormir, e o Larry está prostrado na cadeira de baloiço, morto de tédio a olhar para nós, e eu, de pé atrás dela, lhe massajo os ombros, sei que são as mãos dele e não as minhas que ela sente no seu corpo.
— Então, lá
fizeste mais uma das tuas viagens — digo-lhe eu na manhã seguinte, quando o encontro já na cozinha, a fazer
chá e torradas. Não pregou olho. Toda a santa noite tive de suportar o cheiro
pestilento dos seus pavorosos cigarros russos.
— É verdade,
lá fiz — diz por fim, concordando. Está a ser invulgarmente
reticente quanto à sua ausência, o que faz reviver em mim a esperança de que
terá encontrado uma mulher que seja sua.
— Médio
Oriente?
— arrisco.
—
Não propriamente.
— Ásia?
—
Não propriamente. Estritamente europeia, de facto. O baluarte da civilização.
Não sei se está a tentar fazer-me calar, se a
encorajar-me a prosseguir, mas, seja lá o que for, não lhe dou esse prazer. Já
não sou o seu guardião. Os operacionais recolocados — e quando é que o
Larry alguma vez se colocou? – são responsabilidade dos Serviços Sociais, a
menos que sejam dadas por escrito instruções diferentes.
—
Enfim, foi qualquer coisa agradável e pagã
- arrisco novamente, disposto a mudar de assunto.
— Disso não há dúvida. Foi agradável
e pagão. Para uma experiência natalícia integral, nada melhor que um cheirinho
a Grozni em dezembro, uma delícia. Uma escuridão de breu, um fedor insuportável
a petróleo, os cães andam bêbedos e os adolescentes andam carregados de ouro e
de Kalashnikov na mão.
Olho-o, perplexo.
—
Grozni, na Rússia?
— Chechénia, mais precisamente. No norte do
Cáucaso. Tornou-se independente. Unilateralmente. Moscovo está um pouco
ressabiado.
(Continua)
Já li, e como dizia o outro (sabe quem?), só tenho um adjectivo para qualificar o texto: gostei.
ResponderEliminar(Um aparte: dos 38º já vou nos 37/37,5º.; nada mau).
:))) Agora deu-lhe para as adivinhas?
EliminarIsso dos 38 graus à sombra e que passaram para 37, deve ser febre, será?
Quanto ao outro - o dos adjectivos - só me ocorre o Alexandre O'Neill, neste poema:
O adjectivo
dá-me de comer.
Se não fora ele
o que houvera de ser?
Vivo de acrescentar às coisas
o que elas não são.
Mas é por cálculo,
não por ilusão.
Eheheheh
Um beijo e estimo-lhe as melhoras.
:)
Estou a ficar curiosa...
ResponderEliminarBjs
Grande responsabilidade a minha, amiga Papoila!
EliminarA selecção tem de ser feita de modo a captar a vossa atenção...:)
Os diálogos e informações acerca dos Serviços Secretos, têm de ser omitidos para que isto não se torne maçudo. :)
Beijinhos
Aguardo o aproximo capitulo!
ResponderEliminarBeijinho Amiga Janita
Aguardemos, então, Flor de Jasmim! :)
EliminarBeijinhos, Amiga.
Vou acompanhando.
ResponderEliminarUm abraço
Agradecida, Elvira! Penso que irá gostar.
EliminarAbraço!
Para ir acompanhando.
ResponderEliminarBjs, bfds
Certamente, Pedro! Obrigada!
EliminarDevagar chegaremos ao fim. :)
Beijinhos.
Vou lendo, diria recordando, pois John Le Carré "fez-me" companhia durante algum tempo, faz muito tempo.
ResponderEliminarÉ curioso que eu tenha lido mais do que uma vez o mesmo livro, porém nunca tive vontade de o fazer com livros deste autor. E não foi por não gostar das leituras.
Coisas...
Beijokas emparelhadas a sorrisos
Eu sou suspeita, mas sabes que dou por mim a reler aqui, apesar de ter o livro e já o ter lido?
EliminarLá está, coisas!! :)
Beijokas, reiteradas!
Ola Janita,
ResponderEliminarEstive a ler todas as " leituras" que colocaste aqui, apeteceu- me!
Aberaco grande
Olá, Ricardo.
EliminarNão me admiro porque eu faço o mesmo! :)
Leio, transcrevo e releio! Apetece-me. Sabe-me bem!! :)
Beijinhos