Andei a pé.
Emma.
Estava bêbedo. Mas não de vinho. Ao fim de
vinte e cinco anos de Serviços tenho uma resistência taurina. Mas, mesmo assim,
bêbedo: cego, bêbedo de humilhação.
Emma.
Quem és ou finges que és, agora – de cabelo
apanhado, a dar à perna? Que outras mentiras terás tu vivido enquanto se riam
de mim pelas costas, vocês os dois – do Timbo, esse velho bafiento, esse
retardado de sorriso bajulador?
A fazeres-te de anjo. Empenhada nas tuas Causas Perdidas até altas horas da
noite. Telefonemas, pedinchice, ares sérios, ares elevados, preocupada,
distante, a pedires o Sunbean emprestado
para ires num instante ao correio, à estação, a Bristol. Pelos oprimidos da
terra. Pelo Larry.
Andei a pé.
Enfureci-me. Alegrei-me. Enfureci-me outra vez.
Mesmo furioso como estava, sabia que havia
um terceiro elemento atrás de mim e um carro, carrinha ou táxi obediente ao seu
serviço. E sabia, portanto, para minha grande fúria, que devia manter as
aparências. Não devia esboçar qualquer gesto que pudesse sugerir que eu era
mais qualquer coisa além de um administrador de Fundação e anterior espião no
exercício legítimo dos seus afazeres. E estava grato, ao Larry, à Emma, e aos meus
perseguidores, por me obrigarem a assumir esta responsabilidade. Porque o
disfarce fora sempre uma actividade com as suas regras próprias, a disciplina
que mantinha em guarda a anarquia, e neste momento a anarquia que havia dentro
de mim gritava bem alto.
Emma! Diz-me por amor de Deus como é que ele te
conseguiu fazer descer tão baixo?
Larry! Ès um sacana manipulador, vingativo e
ladrão.
Vocês
dois! Que diabo é que vocês querem e
porquê?
Cranmer!
Não és um assassino! Podes caminhar de
cabeça erguida! Estás ilibado!
Era um idiota.
Um idiota desvairado, furioso,
excessivamente controlado, mesmo sendo um idiota libertado. Tinha-me imaginado
terrivelmente apaixonado e deixara entrar uma víbora na minha vida.
Adorei-a, estraguei-a com mimos, servi-a,
adorei-a, embasbaquei perante todas as suas idiossincrasias. Afoguei-a em joias
e liberdade, fiz dela a minha mascote e o objecto do meu amor, a mulher que
vinha acabar com todas as mulheres, o meu ídolo, deusa, filha e, como diria o
Larry, escrava. Amei-a pelo amor que ela me tinha, pelos seus momentos de
gravidade e riso; pela sua fragilidade e promiscuidade e pela confiança que ela
punha na minha protecção.
No meio da minha nova fúria sem limites,
senti-me possuído de um verdadeiro furacão de irracionalidade: ela era uma
armadilha, uma armadilha doce, posta no meu caminho por conspiração dos meus
inimigos! Eu, Cranmer, um fugitivo, um romântico de gabinete, veterano de um
punhado de amores inconsequentes, tinha caído que nem um patinho no mais
estafado dos truques!
Ela era uma armadilha desde o primeiro dia!
Montada pelo Larry.
Mas porquê?
Com que finalidade? Para me usarem
como disfarce? Honeybrook como disfarce? Era absurdo de mais.
Envergonhado por me deixar dominar por
conjecturas tão fantasiosas e tão pouco profissionais, afastei-me delas e
procurei outras maneiras de alimentar a minha crescente paranoia.
O que sabia eu a respeito dela? A
instâncias minhas, nada, excepto o que ela me tinha querido dizer de livre
vontade, ou ao Larry, aos domingos, à minha frente.
Nome italiano.
Pai falecido.
Mãe irlandesa.
Uma infância à deriva, diletante.
Um colégio interno em Inglaterra.
Estudou música em Viena.
Foi para o Oriente, tornou-se mística,
abraçou todas as loucas causas do itinerário hippy, entregou a alma ao diabo.
Fartou-se, fez um curso de verão em
Cambridge e voltou para Londres. Entregou-se a todos os que lho pediram
gentilmente. Assustou-se, encontrou o Cranmer, nomeou-o seu protector
empenhado, amantíssimo e completamente cego.
Conheceu o Larry. Desapareceu. Reapareceu
com o cabelo apanhado, apresentando-se como Sally.
A minha Emma. A minha falsa madrugada.
(Continua)
Continuo a ler.
ResponderEliminarUm abraço e uma boa semana
Agora vou suspender durante um tempo, Elvira.
EliminarPreciso seleccionar mais capítulos e transcrever para o PC
Um abraço
Emma é o nome da minha sobrinha mais nova.
ResponderEliminarA quem trato como minha terceira filha.
Bjs
É de facto um bonito nome, Pedro!
EliminarAcho que é também o nome de uma neta da nossa amiga Ematejoca!!
Beijinhos
Continua?
ResponderEliminarEstá bem.
Beijitos
Continua, sim, Observador!!
EliminarQuando é que não sei!
Oh...que pena - respondes tu, acto contínuo! :-))
Beijitos e abracitos...
No, no he olvidado a mi estimada Janita .El ordenador lo tengo bastante fastidiado. bonitos relatos los que nos regalas.
ResponderEliminarSaludos
Hola, José, amigo mio.
EliminarCuanto me alegra tú presencia y palabras amigas.
Pronto, quizás, hoy mismo, te visitaré en tu simpatico espacio.
Gracias y un fuerte abrazo.
Faz favor de continuar. Aprecio o John Le Carré.
ResponderEliminarSem favor, meu Amigo!
EliminarMuito me apraz que me faça esse pedido! :)
Abraço.
Nunca li este autor.
ResponderEliminarAlgo me diz que irias gostar, Luísa!
EliminarDo autor, claro, não tinha necessariamente de ser este livro!
"O Espião que Veio do Frio" foi o romance que o notabilizou, mas há outros, como "O Amante Ingénuo e Sentimental", e tantos outros.
:)
Beijo
Bom dia
ResponderEliminarMais um pedaço de leitura que nos fortalece o modo de ver e pensar.
Boa noite, Luís!
EliminarGrata pela presença e palavras simpáticas.
Um abraço.