🔆 🔆 🔆
Na ausência de uma imagem, escolhi este pormenor da Catedral de Salisbury no Reino Unido. |
Continuação:
As pessoas que moravam em casa do bedel* repararam num passarito castanho que esvoaçava pelo recinto da Catedral e cujo canto acharam admirável.
_Mas é uma pena- diziam - que todo aquele chilreio se perca e desperdice longe do alcance do ouvido, sobre o parapeito.
Eram pobres mas conheciam os princípios de economia política. Assim, apanharam o pássaro e meteram-no numa gaiolinha de verga que penduraram do lado de fora da porta.
Nessa noite o pequenino cantor não apareceu no seu refúgio habitual e a torva imagem sentiu-se mais triste e abandonada do que nunca. Talvez que o seu amiguinho tivesse sido apanhado por algum gato vadio ou ferido por uma pedrada. Talvez... talvez tivesse voado para outro poiso. Mas quando a manhã rompeu chegou-lhe aos ouvidos, acima do rumor e do tropel da Catedral desperta, uma débil e dilacerante mensagem do prisioneiro da gaiola de verga, lá muito em baixo.
E todos os dias, no pino da tarde, quando os pombos empanturrados pelo almoço se mantinham numa silenciosa modorra e os pardais se banhavam nos charcos das ruas, o cântico do passarito elevava-se até aos parapeitos - um cântico de insatisfação, saudade e desespero, um apelo que jamais poderia ser atendido.
Os pombos notavam, nos intervalos entre as horas das refeições, que a torva figura se inclinava cada vez mais para fora da vertical.
Um dia não chegou nenhum som da gaiola de verga. Foi no dia mais frio desse Inverno, e os pombos e os pardais do telhado da Catedral olhavam ansiosamente para todos os lados, procurando as migalhas de comida de que dependiam para sobreviver no inclemente Inverno.
_ A gente da casa do bedel não atirou nada para o monturo? - perguntou um pombo para outro que espreitava por cima da aresta do parapeito setentrional.
_ Apenas um passarito morto - foi a resposta.
Nessa noite ouviu-se um som de coisa que se racha no telhado da Catedral, seguido de um estrondo como o de um grande pedregulho que cai. O corvo do campanário disse que a geada esta a afectar o edifício e, como ele conhecera muitas geadas, deve ter sido isso. De manhã descobriram que a figura da Alma Perdida caíra da sua cornija e jazia agora numa massa desfeita de caliça diante da porta da residência do bedel.
_ É melhor assim - arrulharam os anafados pombos, depois de terem reflectido durante alguns minutos sobre o assunto - Agora vão com certeza colocar no seu lugar um bonito anjo. Temos a certeza de que vão lá pôr um anjo.
- Depois d'alegria... a do-o-or-r-r-r... - dobrava o sino grande.
FIM.
* Penso que bedel seja a designação da pessoa responsável pela catedral.
🔆🔆🔆
A TODOS OS VISITANTES E AMIGOS DESEJO
UMA SANTA E FELIZ PÁSCOA.
----------------------------
Deverei ler esta rúbrica desde o início. Entretanto, deixo os meus desejos de Boa Páscoa.
ResponderEliminarBjos
Basta que faças de conta que é mais um dos e-books que tanto aprecias, e lês isto enquanto o diabo esfrega um olho, Catarina! 😊
EliminarBeijinhos, Boa Páscoa.
Um final triste.
ResponderEliminarGostei de ler.
Feliz Páscoa
Beijinhos Janita😘
É como na vida real, Manu! Nem tudo acaba bem, nem tudo são alegrias. Acho que lembra - a mim lembrou-me - esta quadra Pascal da Paixão de Cristo. E a palavra 'paixão' tem muitos significados, sendo que a mais comum é a menos importante.
EliminarBeijinhos, Manu.
Peço desculpa Janita, não tenho tido tempo para nada. E não li o conto.
ResponderEliminarDesejo-lhe uma Santa e Feliz Páscoa.
Abraço e saúde
Não carece pedir desculpas, amiga.
EliminarTodos temos uma vida fora disto e nem sempre é fácil conciliar tudo. Como já um dia lhe disse nem sei como a Elvira consegue fazer tanto e tão bem feito.
Que a Páscoa seja passada com saúde e o amor dos seus.
Um grande abraço.
Olá Janita,
ResponderEliminartenho descansado um pouco os olhinhos!
vou recuar um pouco no tempo das publicações,
entretanto, deixo votos de Boa Páscoa:)
Olá, querida Ângela.
EliminarDescansa os olhos, o corpo e a alma. Não nos desgastemos que o caminho ainda pode ser longo! :)
Agradeço e retribuo com carinho.
Bom dia
ResponderEliminarUma história tem sempre motivo para reflexão, e esta não foge à regra.
Uma Santa Páscoa para si também.
JR
Boa noite, caro amigo JR!
EliminarAssim, nós nos predisponhamos à reflexão, pois em tudo o que acontece connosco, e à nossa volta, há lições de vida.
Feliz Páscoa!
Terminou com uma tragédia mas gostei!
ResponderEliminarFeliz Páscoa também para ti e todos os teus.
Hoje vou almoçar à filha e irão buscar a minha mãe já que eu ando a evitar os esforços. Será o almoço da Páscoa porque a filha da outra banda está de folga.
Inté:))))
Beijocas e um bom dia
E se em vez de uma passarinho fosse uma criança a morrer por lhe ter sido retirado o aconchego de um abraço? E se em lugar de uma estátua de pedra fosse um pai ou mãe a deixar-se cair por perder a razão da sua vida?
EliminarA realidade de hoje é a mesma de ontem, e a forma como os escritores no-la descrevem em forma de metáforas continua a ser a mesma. :)
Inté, querida Fatyly. Se Natal é como e quando o homem quiser, o significado Pascal também o é.
Beijos e não abuses dos esforços. Desfruta dos momentos felizes. :)
Passei por aqui para lhe desejar uma boa Páscoa. Mas não coma muitas amêndoas... Pão de ló, sim...
ResponderEliminarOs textos que publicou serão lidos oportunamente
bjis.
Ainda não comi nenhuma, José...mas ao pudim Abade de Priscos que veio directamente de sú sítio, amanhã já vai para a mesa com menos uma fatia... ;) O pão de ló ainda está inteiro, e o mais certo é congelar umas fatias para ir comendo.
EliminarIgualmente para si desejo tudo de bom, na medida do possível.
Um beijinho amigo.
Bom dia, querida Janita
ResponderEliminarEmocionei-me com o fim deste conto. Traz-nos tantas lições e só não as aproveitaremos se estivermos distraídos. A Liberdade, um bem precioso e a falta dela tira o sentido à vida. E muitas vezes a sensibilidade e a humanidade poderão vir de quem menos se espera. De corações aparentemente empedernidos poderão vir actos de amor e de solidariedade. E lá vem o conhecido ditado fazer escola: "As aparências iludem". Quando menos se espera somos surpreendidos positivamente.
Muito obrigada pela transcrição e pelo cuidado em publicar algo que nos faz reflectir nesta comemoração, a Páscoa, que se diz de passagem e renovação. Que não fiquemos somente pelas palavras.
E agora é a minha vez de lhe desejar:
FELIZ PÁSCOA,COM SAÚDE A ALEGRIA!
Beijinhos
Olinda
Muito obrigada, querida Olinda.
EliminarFico muito feliz pela sua análise a estes contos, mas creio que vou parar de os publicar. Os tempos andam tão conturbados, com tanta tragédia a contecer no mundo, que me parece algo demasiado duro e cruel trazer para a blogosfera tristezas literárias. Ainda que contenham lições de vida, há que poupar, quem por aqui desfila, de pensar em mais tristezas ou desconstruir metáforas. As pessoas querem distração e alegria.
E, vendo bem, nós também, não é? :)
Um grande, grande abraço e que a sua Páscoa seja doce e Feliz.
Beijinhos.
Estava à espera de um final feliz. Assim será para ficar mais na memória e nos fazer pensar. Boa Páscoa e um grande beijinho
ResponderEliminarQuerida Gábi, a minha próxima publicação terá um final feliz. Prometo! :)
EliminarBeijinho grande e feliz Páscoa.
Um final estranho!
ResponderEliminarEstou sem pachorra para aprofundar o conto.
Páscoa feliz, Janita. Beijinhos
Amigo António, creio que amanhã vais gostar do que tenho para te/vos oferecer...ou não! Tudo dependerá do ânimo com que acordares. A última coisa que quero é 'torrar-te' a paciência.
EliminarQue o cabritinho assado e o folar te saibam bem.
Beijinho, António.
PS- Já vou a correr ouvir a tua escolha musical.
Uma bonita imagem
ResponderEliminarVisitando, vendo, lendo, gostando, elogiando e deixando: cumprimentos poéticos, e também:
.
“” Votos de uma Páscoa muito feliz extensivo a toda a sua família ””…
.
Pois, Janita querida, reli os três capítulos nesta manhã de segunda-feira na volta às lides. É a terceira história de Saki que leio neste começo de outono, no Brasil, e o gosto do seu domínio da técnica narrativa. Por vezes, me atenho à arquitetura mais do que deveria. É vício. É preciso não esquecer que a arte imita a vida ou é uma representação da vida. Portanto, o quanto podemos refletir sobre “essa tragédia”? Ao descondensar a linguagem, apreendemos os sentidos do texto, sobretudo em umasemana pascal.
ResponderEliminarUma boa semana, minha amiga!
Beijinhos e abraços,
E verdade, querido amigo, por aí aproximam-se dias menos brilhantes, apesar do clima tropical. Já nós vamo-nos enchendo de esperança pelos dias longos e amenos que estão chegando.
EliminarQuanto aos contos de SAKI quando, e se, me resolver voltar a publicar mais alguns, tentarei que sejam menos tétricos.
Fiquei feliz por ter vindo e também pelos dias que presumo tenham sido passados com alegria.
Desejo-lhe também uma boa semana e mando os habituais beijinhos e abraços.