terça-feira, 4 de abril de 2023

A IMAGEM DA ALMA PERDIDA. (*)

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Havia certo número de figuras de pedra esculpida, dispostas a intervalos ao longo dos parapeitos da velha Catedral; algumas dessas estátuas representavam anjos, outras reis e bispos, e quase todas exibiam atitude de piedosa exaltação e compostura.

Mas uma figura, perdida no fundo da gélida ala setentrional do edifício, não ostentava coroa, nem  mitra, nem auréola, e a sua face era dura, amarga e abatida; deve ser um demónio, declaravam os gordos pombos azuis que se empoleiravam todo o santo dia a apanhar o sol nos rebordos do parapeito; mas o velho corvo do campanário, que era uma autoridade em arquitectura eclesiástica, afirmara que era uma alma perdida. E a coisa ficou por aqui.

Num dia de Outono voou para o telhado da Catedral um passarito de voz doce que fugira das campinas nuas e das sebes sem folhas, procurando um poleiro abrigado onde passar o Inverno. Tentou pousar as patinhas fatigadas debaixo da sombra da grande asa de um Anjo ou aninhar-se nas dobras esculpidas de um manto real, mas os anafados pombos expulsaram-no de todos os poisos onde assentava, e os barulhentos pardais repeliram-no dos parapeitos. 
Nenhum pássaro respeitável cantava com tanto sentimento, piavam uns para os outros, e o vagabundo teve de afastar-se.

Continua.

(*) Este conto foi escrito em 1891. ( Nota da edição americana de "The Short Stories of SAKI" )

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Nota da autora do blogue: SAKI, é o pseudónimo do escritor britânico Hector Hugh Munro (1870-1916), que os meus estimados leitores já conhecem desde que publiquei o Conto "O Santo e o Duende". Lembram-se?
Os contos, além de satíricos e, por vezes, macabros, trazem assuntos variados, mas sempre com final surpreendente. 




17 comentários:

  1. Enquanto aguardo o complemento desta narrativa, encontrei a Tela disponível aqui https://medium.com/cabine-literaria/a-tela-um-conto-de-saki-ce2967a8e74b. Saki foi morto durante a Primeira guerra por um franco atirador alemão. Gostei das duas narrativas completas que eu li.
    Beijinhos, minha amiga Janita!

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    1. Lamento, amigo José Carlos, mas a página desse site não foi encontrada. Pelo menos assim me informam quando tento aceder pelo link que me deixou. Algo falta ou está a mais.
      Procuro que os contos seleccionados não sejam longos, talvez por isso não sejam os mais interessantes para a maioria dos navegantes internautas. Também porque o meu tempo e paciência para os transcrever vá escasseando, sabe? :)

      Um beijinho, amigo JC!

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    2. https://medium.com/cabine-literaria/a-tela-um-conto-de-saki-ce2967a8e74b
      Acabei de acessar. Copiei a minha e colei sem ponto, tal como transcrevi agora.
      A tela é um conto mais curto, mas não é dedal, risos!
      Se não o leu, você vai gostar...
      Obrigado pelo olhar generoso em O menino viu tudo
      Beijinhos,

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    3. Muito obrigada, querido Amigo.
      Amanhã irei aceder. Esta noite já me sinto muito sonolenta.
      Um grande e grato abraço.

      Eu é que lhe agradeço a oportunidade de apreciar o seu enorme talento literário que, de outra forma, nunca conheceria.
      Beijinho

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    4. Agora sim, consegui aceder ao site que o amigo JC me indicou e descobri outro escritor: Francisco Araújo da Costa.
      É tão gratificante este 'intercâmbio' cultural...Muito tenho a agradecer-lhe, querido Professor.
      Um beijinho

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  2. Um belo conto que gostei de ler
    .
    Cumprimentos poéticos. Um dia feliz.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. Ainda não terminou, Rycardo. :)
      Dia muito feliz também para si.
      Abraço e boa Páscoa.

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  3. "O Santo e o Duende" passou por aqui? Não me recordo.
    Mea culpa, 'prontes'!
    Beijinho, Janita.

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    1. É natural que não te lembres, António. Passaste por aqui no último dos três capítulos, pois andaste numa fase de consultas médicas e exames, felizmente já ultrapassadas, penso.
      Beijinho, António

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  4. Gostei muito de ler este conto! Muito bem editado neste teu "post". Beijo

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    1. Oh, querida Ana...o conto ainda agora começou! :)
      Tenho mesmo aqui a meu lado o livro, esperando que a vontade de transcrever mais um bocadinho, para o bloco de notas, me surja, enquanto vou cirandando pela blogosfera. Mas não me parece que isto avance. Amanhã será outro dia.
      Mas, agradeço o teu gentil elogio.
      Um beijinho grande.

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  5. Desconhecia o autor e é um conto que promete. Aguardarei pelos restantes episódios:)
    Beijos e um bom dia

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    1. Já transcrevi mais um capítulo, o segundo de três e espero que te/vos agrade, Fatyly. :)
      Beijinhos

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  6. Gostei tanto de ler este texto!
    Aguardo pela continuação.
    Beijinhos Janita

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    1. À meia-noite sai mais um episódio, amiga Manu! :)
      Beijinhos.

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  7. Olá, querida Janita
    Lembro-me perfeitamente de "O Santo e o Duende" e deste autor que vim conhecer aqui, no seu blog.
    Este capítulo abre-nos expectativas em relação a este ambiente do maravilhoso. Figuras de pedra, cada uma com as suas insígnias, e animais que falam.
    E a destacar-se uma figura que não traz qualquer indicação donde vem. E a juntar a ela um passarito de voz doce. Se não tivesse já publicado o 2º capítulo aventaria uma ideia que me surgiu agora, de quem lhe daria protecção. Mas assim, não dá...
    Por isso, vou ver o que o próximo post nos traz.
    Beijinhos
    Olinda

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    1. Olá, querida Olinda!
      O facto de não moderar nem subscrever os comentários faz-me perder muitos e, consequentemente, deixar sem resposta.
      Foi o que me ia acontecendo agora.
      Na verdade, o conto já foi todo publicado e coube em três capítulos. Vamos ver se a Olinda se surpreende ou se desilude com o final. :)
      Este escritor tem uma particularidade que me agrada muito; deixa a cargo do leitor, e à sua capacidade de análise, constatar o que fica subtilmente expresso nas entrelinhas.
      Daí que os finais pareçam um tanto ou quanto insossos, se é que me faço entender. :)
      Um beijinho e feliz Páscoa.

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