quinta-feira, 23 de setembro de 2021

MARINHEIRO.

 "Longe o marinheiro tem
Uma serena praia de mãos puras
Mas perdido caminha nas obscuras
Ruas da cidade sem piedade."
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Isto, escreveu a Poetisa Sophia de Mello Breyner no seu poema
«Marinheiro Sem Mar.»
Se quiser ler o poema completo, clique no link

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Com o meu Tio foi diferente. Ele viveu no mar-alto. 
Foi essa a sua opção de servir a Pátria.
Não regressou à sua terra Natal mudado.
Regressou como havia partido, mas ainda mais calado.
Taciturno, avesso a tudo o que fosse supérfluo e sem utilidade.
Honrado. Confiável. Enigmático. 
Não fazia perguntas. Nunca falou de si. Nunca contou nada da sua vida. 
O que lhe ia na mente e na alma, foi sempre um enigma para quantos o conheceram.
Solitário. Independente. Não constituiu família. Partiu sem deixar descendência.
Entre recordações que pertenceram a minha Mãe, encontrei esta fotografia de seu irmão, o último dos sete que eram.

Até um dia, Tio João.
[Quem sabe se em conversa, alma com alma, não me desvendará o mistério que envolveu a sua mocidade.]



❤❤❤

34 comentários:

  1. Nem sempre uma pessoa consegue exteriorizar o que lhe vai na alma. E como tantas vezes "sofre" a pessoa que vive dentro do silêncio.
    .
    Saudação poética
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. Não conseguem ou, simplesmente, não querem, Rycardo.
      Essas pessoas sofrem muito mais, sim. Quem deita cá para fora o peso que traz na alma, alivia a sua carga emocional e psíquica. Nem que seja através da escrita. Mas este meu Tio, aliás, o outro também, saíram ao Pai, meu Avô.

      Obrigada por ter vindo ler as m inhas 'memórias'.
      Saudações com e sem poesia.

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  2. Soberba, a 'ligação' que fazes entre a poesia de Sophia e o teu tio.
    Beijinho, Janita, bom dia de quinta.

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    1. Muito obrigada pelo incentivo, António.

      Beijinhos com amizade.

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  3. Cada pessoa é um mundo, como disse Clarice Lispector. Cada pessoa tem a sua própria chave e a dos outros nada resolve.
    Não sei se seu tio faleceu agora Janita, mas sei que noto em vós certos traços no rosto semelhantes e realço também a franqueza da sua partilha.
    Tenha um dia bom dentro do possível.

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    1. Joaquim Ramos.

      Há todo um mundo interior em cada um de nós que nem mesmo os que escrevem ou falam muito, conseguem, ou ousam, verbalizar.
      Acho que também herdei um pouco dessa faceta do meu Avô Moreno, que se foi desvanecendo com o passar do tempo.

      O meu Tio faleceu em 2001 com 91 anos de idade. O que me fez falar agora sobre ele, foi o achado desta foto.
      Depois que minha Mãe faleceu, em 94, consegui que viesse passar umas semanas comigo aqui ao Norte, que não conhecia.
      Passados poucos dias era tão visível o seu desconforto, embora nunca o tenha dito, que uma semana após a sua vinda, voltei ao Alentejo para lhe restituir os ares e as planícies que aqui lhe faltavam. Só quando lá chegou e lhe perguntei se tinha gostado «disto», ele me olhou nos olhos e respondeu: "Soubesse eu voltar sozinho...". E a conversa ficou por ali. Compreendi-o perfeitamente, pois há muitos anos atrás eu tinha sentido o mesmo.

      Obrigada por ouvir os meus desabafos.
      Um bom dia também para si.

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  4. Será que o Alexandre O´Neill se inspirou no seu Tio João, quando escreveu o Veleiro´ sobre o marinheiro andarilho dos sete mares?
    bji.

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    1. O José refere-se ao poema 'Gaivota' que virou fado/canção cantado pelo Carlos do Carmo? É que 'marinheiro dos sete mares andarilho' não conheço mais nenhum. Se há mais algum poema, gostaria que me elucidasse, eu sei alguma coisa de poetas e poesia mas não sei tudo...:))

      Beijinhos

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  5. Há pessoas que não conseguem exteriorizar o que lhes vai na alma e fechem-se num mundo só seu.
    Hoje fizeste-lhe uma bonita homenagem com um bonito poema.
    Esteja onde estiver o teu tio João, e talvez as tuas palavras cheguem até ele.

    Beijinhos amiga

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    1. Quero muito acreditar que sim, querida Manu. Dói-me pensar que somos somente este amontoado de ossos e carne que o tempo vai degradando e no final ficaremos apenas pó, cinza e nada.
      Seria demasida injustiça, para quem na vida não disse tudo a quem um dia amou. Segredos nunca revelados, verdades forçadamente encondidas para salvaguardar aparências, preconceitos da maldade alheia. Sei lá, tanta coisa...

      Obrigada, amiga.
      Beijinhos

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  6. Quis dizer " fecham-se" e não devia colocar um "e" antes de talvez, é no que dá escrever sem ler :(

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    1. Ah, Manu, não te preocupes. Comigo passa-se o mesmo ou pior. Vou escrevendo, escrevendo, carrego no 'publicar' sem ler primeiro. Depois se a coisa for muito flagrante, lá tenho de apagar e reescrever. :))

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  7. Uma vida envolta em algum mistério, ingrediente precioso para se investigar e descobrir uma história interessante, de certeza. Pena que isso vá ficar no desconhecido.
    Um abraço.

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    1. É que vai mesmo ficar no desconhecido, Luís. Porque não há nada nem ninguém que saiba das histórias ou aventuras, vividas enquanto andou ele no mar e nos portos onde o barco atracava.
      O pouco que eu sei acerca deste meu Tio, foi a minha Mãe que contava episódios de quando eram jovens. Acho que ele era um homem bem parecido e tinha muitas moças casadoiras interessadas nele, que usavam a irmã, dois anos mais velha, para interceder a seu favor. Há até uma cena engraçada que me foi repetida muitas vezes. Quando um dia minha mãe armada em casamenteira lhe diz: "João, a Maria ( nome inventado) diz que gostava de namorar e casar contigo". - "Ai, sim?, Pois diz-lhe que eu só vou casar quando as galinhas tiverem dentes".
      Depois desta frase calou-se sobre o assunto e nunca mais lhe arrancaram uma palavra.
      Obrigada.
      Um abraço.

      PS- Agora vou à minha vida real e volto mais ao fim do dia. :-)

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  8. Muito bom. tenho muito "medo" das pessoas muito caladas. Que sofrem sozinhas. 🙏

    -
    Beijos, e um dia feliz!

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    1. Medo de pessoas introvertidas, Cidália? Generalizar, é dar razão a toda uma panóplia de contradições. Só por isso não usarei o chavão, também generalizado, que a palavra é de prata e o silêncio é de ouro.
      Um abraço e uma noite de boa conversa. :)

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  9. Claro que é a Gaivota e não o Veleiro. Errar é (muito) humano, não é?

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    1. Muito, José, muito humano mesmo. :)
      Quem nunca errou que atire a primeira pedra.
      Nanja eu, como sói dizer-se...

      Noite boa.

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  10. Um mistério que nunca será desvendado.
    : )

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    1. Se houvesse algum mistério para desvendar, Catarina.
      Devo ter sido a primeira pessoa na minha família a pressupôr a existência de algo misterioso sob aquele estranho 'mutismo' do Tio João. Tio dos doze ou quinze sobrinhos dos quais eu era a mais nova. :)

      Beijos.

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  11. Oi Janita
    O fato de viver algum tempo em 'alto-mar', longe da poluição humana pode ter influenciado essa interiorização de sentimentos. Não que não os tivesse mas sim por serem em demasia _a ponto de fechar-se em copas para conservá-las. Certamente, ao modo dele foi feliz, embora não precisasse exteriorizar. Pessoas assim, me envolvem muito porque tenho fases de nostalgia que prefiro ficar só. Ultimamente, filhos e netos me devolvem um mundo sem melancolia.
    Uma bonita conjugação do poema com o seu texto, Janita.
    deixando abraços

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    1. Essa é uma possibilidade bastante válida, querida Lis.
      Por muito que digamos o contrário, quando alguém se distingue do demais ou não se insere nos parâmetros ditos 'normais' que é namorar, casar, ter filhos, falar das suas experiências de vida, sobretudo quando vivida fora do lugar onde se nasceu e sempre viveu, já começamos a fazer filmes acerca dos motivos.
      Há como que um certo preconceito mórbido em aceitar que nem todos somos iguais. Creio até que em certos meios se aceitam com mais naturalidade as diferenças físicas do que as comportamentais.
      Enfim, amiga, fosse o que fosse e caso houvesse algum mistério, só a ele dizia respeito e com ele morreu.

      Um grande beijinho e o desejo que estejas bem, apesar do aborrecimento das alterações nos planos de viagem.

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    1. Uma dedicatória que, se acaso o destinatário estivesse a ver, me recriminaria por estar a falar da sua vida sem autorização.
      Olhe quem, logo o meu Tio que destestava protagonismos e sempre fez para passar despercebido.
      Mas sim, foi um homenagem ao homem de carácter impoluto, ao Mestre João, respeitado por todos e que a todos respeitava.

      Obrigada, Miguel.

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  13. Com esse nome tinha que ser boa pessoa.
    Diz o João...Pedro.
    Beijinhos, bfds

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    1. João é um bonito nome, Pedro.
      João Pedro, mais bonito é. É esse também o nome do meu neto mais velho, aquele que criei como se meu filho fosse.

      Um beijinho e bom fim-de-semana.

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  14. "[Quem sabe se em conversa, alma com alma, não me desvendará o mistério que envolveu a sua mocidade.]"

    Fizeste uma conjugação fabulosa mas a meu ver não acredito nesta última parte que realço.
    Quando uma pessoa tem esse modo de vida e tentar decifrar o que pensa/sente/ou viveu é como pores areio numa garrafa sem fundo com a esperança que ela se encha. Partiu como tantos da minha família partiram, tios e primos, avós e o meu saudoso irmão João que morreu com 21 anos. Dava-se super bem comigo e aprontou coisas que guardo comigo e quando o chamava à atenção abraçava-me e dizia: mana deixa-me fazer tudo que me apetece porque irei morrer cedo e morreu agarrado à sua moto e dentro da rebeldia da sua juventude a mesma tinha um motor de automóvel. Era mecânico de motos e depois aos 18 anos ingressou no MPLA como mecânico de aviões etc, etc.
    Saí e nunca mais o vi mas guardo o seu olhar tão azul e tão meigo quando me abraçava e pedia ajuda para os pais não saberem o que aprontava.
    Nunca contem isto a ninguém: Já cá eu trabalhava na Praça do Município e quando descia do comboio no Rossio ia sempre com dois colegas. Pela Rua da Prata olhei três vezes para trás e um dos colegas perguntou-me: que se passa contigo? Parei, olhei para os dois e disse: Pareceu-me ouvir o meu irmão João a chamar Fatylyyyyyyyy mas deve ser impressão minha porque ele está Angola. Vamos mas é trabalhar.
    O meu pai estava aqui porque teve que vir fazer uns exames e 15 dias depois e já com os resultados não quis ficar mais uns dias e disse que queria ir embora porque o teu irmão está lá sozinho e tenho medo que apronte alguma. Ele é maior pai...não quis e seguiu viagem. Chegou no dia do acidente do filho, felizmente sem ter causado danos a terceiros e quem lhe foi dar a notícia foi um dos que ia no grupo das motos e o meu pai desfaleceu. Recuperado teve que ir reconhecer o corpo.
    Agora diz-me o terá havido com estes dois "imprevistos"? Algo liga os dois, mas nunca me preocupei em saber mais porque fiz tudo, mas tudo por ele e guardo os bons momentos que passei com ele, incluindo os cuidados que teve comigo nos dias que ia à praia e que o levava mais com quatro rapazolas do seu maralhal na minha carrinha e gravida da minha filha. Ainda a conheceu.
    Confuso? Nada disso tudo muito bem resolvido na gavetinha das minhas memórias:)))

    Beijocas e um bom fim de semana

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    1. Querida Fatyly.

      Estou sem encontrar palavras que caibam dentro deste teu testemunho, tão sentido e sofrido. Já chorei a perda de dois dos meus entes queridos que partiram jovens, mas não tão jovens quanto o teu irmão.

      Na impossibilidade de acrecentar algum consolo que atenue essa memória dolorosa, deixa-me só dizer-te da tua coragem por teres aberto essa gaveta onde repousavam todos os momento por vós vividos.
      Muito obrigada pela distinção em depositares n este meu cantinho, algo tão valioso da tua vida.

      Um grande, grande abraço e desculpa não conseguir estar à altura deste teu desabafo. Mas podes contar sempre com o meu ombro, ainda que me quede em silêncio.

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  15. Oi, Janita,
    conheci há algum tempo num blog da nossa amiga Elvira, essa excelente poeta Sophia de Mello Breyner, e me encantei. Fui no link indicado:

    "Nas confusas redes de seu pensamento
    Prendem-se obscuras medusas
    Morta cai a noite com o vento"

    Quanto ao seu tio, gostei muito do que você escreveu, é muito difícil, senão impossível, conhecermos uma pessoa introspectiva, não há abertura, elas não permitem. Em compensação, muito fácil conhecer uma muito extrovertida, algumas são altamente cansativas. Não dão um fôlego.
    No caso das introspectivas, é a maneira que encontram para não sofrerem com as investidas alheias, com intromissões em suas vidas. Também, penso eu, que em parte, já nascem com boa dose de introspecção e de timidez.

    Um feliz fim de semana, querida.
    beijinhos

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    1. Olá, amiga Tais.

      Fico muitíssimo grata pelas suas palavras amigas, sensatas e, como sempre, de muita ponderação. Na verdade, mesmo entre pessoas da mesma família, não existem duas iguais. Todas têm características próprias e únicas. Este meu Tio era diferente de todos os outros elementos da família. Nunca iníciou uma conversa e só respondia quando interpelado acerca de um eventual assunto. Honesto e honrado como poucos foi sempre respeitado e estimado.
      Já as pessoas excessivamente extrovertidas, correm efectivamente o risco de se tornarem cansativas e maçadoras.

      Tomara que ao ler os meus três comentários, nesta última publicação da Tais, uma Crónica fantástica como de resto todas as que a amiga escreve, não tenha eu deixado essa impressão massacrante. Fica desde já a promessa que, em futuros comentários meus, tentarei ser breve, concisa e o mais explícita possível, logo no primeiro comentário. 😊

      Com votos de um excelente e tranquilo fim-de-semana, leve um beijinho meu, querida e paciente amiga Tais.

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  16. Não mesmo!! 😀😅
    Quero os comentários atuais da Janita, você sabe o valor de um comentário quando nos propomos a escrever textos mais elaborados; queremos a opinião exata da impressão causada; queremos qualidade nos comentários e não quantidade. O tamanho não importa. Portanto, minha querida Janita, os seus comentários estão com uma qualidade excelente, pode discordar ou concordar, o que vejo é que eles têm conteúdo. Nesses casos, o tamanho pouco importa! Quando comento em textos muito bons me estendo um pouco, caso contrário, a gente fica lastimando por não ter dito o que queríamos.
    Bom fim de semana!
    beijinhos

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    1. Compreendi, amiga Taís.
      Assim farei, porém, usarei as palavras com cuidado.😀
      Grata, pela atenção que me dispensou.
      Um abraço com amizade.

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