sábado, 2 de outubro de 2021

SÓ VIVENDO SE APRENDE A VIVER.

 

Fonte  da foto.

"Naquela tarde, em véspera de jogo, Jujú Chuteirinho convocou-me. O seu semblante era sério, solene. Manuseava um varapau como se fosse uma lapiseira gigante.

   - Estás a ver a pequena área?, perguntou fazendo uns rabiscos na areia.

  Os rabiscos complicaram-se ilustrando, enquanto falava, a minha evolução caótica pelo relvado. depois, voltou a reforçar o traço num pequeno quadrado:

   - Faz de conta que a pequena área é uma miúda . Sim, uma miúda, uma gaja. É preciso descascá-la, acariciá-la, beijá-la. Mas, depois... depois...

  - Sim, depois?, inquiri eu, meio adormecido pelo riscar da madeira na areia.

  - Depois..., depois pergunto eu: Depois, no momento decisivo, é preciso o quê?

Era óbvia a alusão do Mestre Jujú, o melhor treinador de todos os tempos. Para mim, porém, a metáfora tinha-me escapado. O amor não tem «depois». O amor é o tempo inteiro consumindo-se no instante.

Uma vez mais a poesia me tinha fintado. Pode haver um Mister para as artes da bola. Mas o único treinador para as lides da Vida, somos nós mesmos."


Curto excerto do conto "Fintado  Por Um Verso" um dos que fazem parte deste livro.


Mia Couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista e professor. Actualmente, é biólogo e escritor.

Em 2011 venceu o Prémio Eduardo Lourenço, que se destina a premiar o forte contributo de Mia Couto para o desenvolvimento da Língua Portuguesa.

Em 2013 foi galardoado com o Pémio Camões e em 2014 com o Prémio norte-americano Neustadt.

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36 comentários:

  1. O amor é o tempo inteiro consumindo-se no instante.
    Mas o único treinador para as lides da Vida, somos nós mesmos.

    As frases que retenho do texto publicado são a poesia que existe na experiência, são a experiência da verdade.

    Boa Noite. Um abraço.

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    1. Viva, Luís...

      Foram precisamente essas duas frases que me levaram a esta publicação. Não à história das lides futebolisticas, caso contrário teria transcrito o conto todo.
      Mas, que sentido fariam se as não tivesse inserido no contexto em que o escritor o fez?
      De resto, estou inteiramente de acordo com o que reteve do texto, foi essa a minha intenção.

      Um abraço amigo.

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  2. Tive o prazer de o cumprimentar em 2013 quando esteve em Toronto. Confirmei o ano no livro que me autografou.
    Este livro ainda não li. Acabei de o requisitar da biblioteca. Como não há no formato digital, terei que esperar.
    Sim, vivendo é que se aprender a viver.
    Bjos

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    1. Uma honra e um privilégio conhecer de perto alguém que se admira, não é, Catarina?
      Este livro comprei-o em 2016, ( até escrevi o dia e o mês no interior da aba da capa) creio que o último livro de Mia, é "A Água e a Águia", provavelmente um livro de teor mais didáctico e que o escritor tem nas mãos.

      Um beijinho e bom fim de semana. :)

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    2. A biblioteca ainda não tem “A água e a águia” que estou muito interessada em ler. É uma fábula, um livro infantil “indicado para todas as idades”. Li que a ilustradora é canadiana, radicada em Portugal. Danuta Wojciechowska.
      Pesquisei: nasceu no Quebeque, é filha de pai polaco e mãe suiça. Estou em Zurique e concluiu a pós-graduação em Educação em Inglaterra. Vive e trabalha em Lisboa desde 1984.

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    3. "Estudou" em vez de "Estou"

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    4. Realmente, como alguém disse, noutros tempos, 'com tudo e com todos aprendemos'.
      Aqui, lembrei-te a existência deste livro de Mia que desconhecias, em troca, recebo de ti a preciosa informação que agora me trazes.
      É este 'intercâmbio' de ideias e aprendizagens, o que mais aprecio no mundo «blogueiro».

      Obrigada, Catarina.
      Beijos e bom Domingo

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  3. Gosto muito de (ler) Mia Couto. As histórias, ou melhor, estórias, e as palavras que ele reinventa mostram a sua atenção a tudo que é sentir humano.
    E parece-me que é um homem simpático e sem ares de vedeta.
    Gostei muito do título do post e do excerto que escolheu - tão engraçado, natural e espontâneo.
    Bom fim de semana, querida Janita. Um beijinho

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    1. A ideia que faço deste escritor, é que ele é, essencialmente. uma pessoa extremamente atenta a tudo o que o rodeia, daí, as histórias que conta reproduzindo outras histórias de vidas entrelaçando tudo, com as suas próprias experiências de vida.
      Os grandes homens/mulheres costumam ser pessoas de trato simples sem vedetismos bacocos. :)

      Obrigada, Mª Dolores, um beijinho também e um bom fim de semana, apesar da chuva e do vento. Sabe bem estar em casa. Se bem que eu já tivesse de sair por duas vezes. :)

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  4. Uma das coisas que mais me encanta na escrita dele?
    A facilidade em criar personagens. Do nome, ao âmago devassado, mas feliz.
    :-)
    Excelente escolha

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    1. Encantamento esse que também faço meu, Miguel.
      Outra coisa que lhe encontro muito peculiar é a sua inclinação para inventar nomes. Podemos vver isso no título deste seu livro.
      "Pensageiro Frequente" faz-me lembrar um pensador que viaja com muita frequência. :-)

      Muito obrigada, Miguel.

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    2. gostava de tomar um comprimido que me pusesse a escrever como ele:-)
      Em poiuco tempo, conseguia alcançar um dos meus sonhos. Viver da escrita. Com o que sei e consigo fazer agora, é mesmo só sonho:-)

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    3. Não queria mais nada? Comprimidos só o Melhoral que não faz bem nem mal.
      Tudo o resto só se obtém à custa de trabalho, até a escrita.
      Já dizia o MST (Miguel Sousa Tavares) que qualquer um pode ser escritor, tem é de escrever...:))

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  5. Adoro o Mia Couto. Tanto em poesia como em prosa.
    abraço, saúde e bom fim de semana

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    1. Creio bem que todos sentimos muito apreço por este escritor moçambicano, como se se tratasse de alguém chegado a nós, tal é a familiaridade que sentimos ao ler os seus romances e poemas.

      Obrigada, Elvira. Igualmente para si.
      Um abraço.

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  6. "Pode haver um Mister para as artes da bola. Mas o único treinador para as lides da Vida, somos nós mesmos."
    Uma frase que bate em cheio no que penso e sinto.
    Já li muito de Mia Couto e há coisas que não gostei porque a meu ver (e agora não me recordo o titulo do livro) por vezes há laivos de raiva...olha não sei mesmo dizer em palavras:((
    Beijocas e um bom sábado

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    1. Viva, Fatyly.

      Tendo tu vivido grande parte da tua vida em África, acho que te deves identificar com muitas das histórias que Mia nos conta.
      Penso, não tenho a certeza, obviamente.

      Não percebi bem se a raiva era a do escritor, se tua, perante a sua escrita neesse tal livro, mas também não é importante que eu perceba, basta que saibas tu ao que te referes.

      Beijinhos grande com o desejo de um feliz fim de semana. Para mim, prolongado...faço ponte na 2ª. :))

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    2. Sim Mia Couto é de Moçambique e eu de Angola. Na época eram países muito diferentes e dizíamos que eram muito influenciados pela África do Sul e a sua política do Apartheid. Claro que havia excepções.
      A raiva que refiro é do escritor que por vezes não dá para entender. Ou seja ...lendo de repente levas com uma onda tipo chapão e no contexto do livro não havia necessidade:)

      Dele prefiro frases e reflexões ou até crónicas agora livros não:)))
      Beijocas e um bom domingo

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    3. Já agora também alguma poesia:)

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    4. Minha querida, como não sei a que livro te referes, não posso dizer-te mais nada a não ser: "Cada um sabe de si". Tu, sempre me pareceste ser uma pessos com convicções muito firmes sobre tudo, pelo que aqui não irei meter prego nem estopa. :))

      Beijinhos, bom Domingo.

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  7. Maravilhoso Mia Couto e o excerto aqui escolhido! Lindo fds! bjs, chica

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    1. A poesia de Mia Couto também é muito bela e sei que gostas, querida Chica.
      Um beijinho grato e que tenhas um óptimo fim de semana, primaveril e ameno. :)

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  8. Gosto muito de Mia Couto um "Mister" na arte de bem escrever.

    Beijinhos amiga Janita
    😘

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    1. Por isso querida Manu, é mister ler este Mister da Literatura, né amiga? Gostaste do trocadilho? :-))

      Beijinhos e abraços muito amigos.

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  9. Maravilhosa publicação. Adorei :))

    .
    Beijos, e um excelente fim de semana!

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    1. O mérito é todo do escritor que adoptou um pseudónimo literário algo estranho, não acha, Cidália. É daquelas coisas que primeiro se estranha e, depois, se entranha. Aconteceu comigo. "Mia? Isso lá é nome de homem"?... Agora, acho-o terno e bonito. :)

      Beijinho e bom fim de semana.

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  10. "o amor é o tempo imteiro
    consumindo-se num instante...."

    tão bnito!

    abraço, amiga

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    1. E não é assim que vemos e sentimos o amor, amigo poeta?
      Adoro esse belo conceito, como só Mia Couto poderia ter inventado.

      Obrigada, uma abraço e um bom fim de semana.

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  11. Leio sempre o moçambicano Mia Couto e tenho dele uma citação que lembra essa do texto_ 'o suficiente é para quem não ama. No amor só existem infinitos' Bom demais esse poetas,não é Janita?
    Obrigada das suas escolhas, sempre gosto muito!
    Bom domingo , querida!

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    1. Bom dia, Lis.
      O escritor moçambicano custou a firmar-se como um dos melhores na Literatura universal mas, creio que os justos prémios que foi recebendo o guindaram ao lugar cimeiro, onde merece estar.

      Fico feliz por também apreciares a sua escrita.

      Beijinhos e obrigada, querida Lis.
      Bom Domingo.

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  12. Olá, querida amiga, pois é...
    “Mas o único treinador para as lides da Vida, somos nós mesmos.”
    Sem dúvida, muitas vezes já fiz a autocrítica por ter permitido intromissões nos assuntos totalmente meus, se algo deu errado foi porque eu permiti. Conselhos vêm sempre, às vezes servem, outras não, tumultuam mais o meio de campo. Escuto, mas chega um momento que coloco um ponto final. O que acontecer comigo, eu sou a responsável.
    Gosto muito de Mia Couto, de suas reflexões. Ótima sua escolha. Quero ler mais esse grande escritor moçambicano, ler mais sua poesia, suas crônicas, contos, romances...é completo.
    Um ótimo fim de semana pra você, cuidando-se sempre, querida.
    Beijinhos, Janita.

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    1. Olá, amiga Taís.

      Grande frase essa, não é?
      Tão simples, tão óbvia, mas na qual não pensamos julgando nós precisar sempre de ensinamentos externos, quando os professores verdaderamente sábios, somos nós assim estejamos aptos para aprender com os erros que vamos cometendo.
      É neste ponto que concordo inetiramente com a Taís, quando ainda numa sua Crónica recente refere as intromissões de terceiros que parecem sempre saber tudo.
      As nossas decisões são de nossa inteira responsabilidade, sim, logo, as consequências boas ou más, também. Então, melhor mesmo é não aceitar conselhos. Ou seguir aquele ditado popular, tão conhecido entre nós - e no qual baseei a minha opinião lá no seu "rincón": * "Todos os conselhos ouvirás, mas só o teu seguirás".

      Um grande beijinho e a minha gratidão pela atenção que me dispensa, querida Taís.

      * Termo de origem castelhana que um leitor referiu num seu comentário e que gosto muito. :)

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  13. Este post é uma inspiração.
    Vou citar-te
    logo, ao fim da tarde

    Abraço amigo

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    1. Ok, Rogério.
      Ao fim da tarde irei ao "Conversa..."
      ver que citação é essa. :)

      Beijinhos.

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  14. Ora então um muito bom dia.
    Discordo do discurso corrente. É certo que qualquer decisão deve ser da nossa responsabilidade, mas ouvir outras opiniões, antes, não faz mal a ninguém, nomeadamente na nossa primeira experiência na "arte" que nos propomos. Podemos ter uma qualquer inata aptidão para determinada área, mas um treinador experiente ajudará ao desenvolvimento dessa aptidão. Depois, com a nossa experiência, podemos ajudar terceiros. Uma das profissões que mais prezo é a do professor, especialmente o das primeiras letras, mas não só.
    Quanto ao Mia Couto, sou leitor e apreciador da sua escrita e dos seus ricos neologismos.
    Beijinhos e bom Domingo.

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    1. Ora Viva, Caro Amigo.

      De vez em quando evade-se do bairro e faz o José muito bem.
      Se não for nada de mal, só poderá ser por gosto.

      Claro que sim, se não fossem os ensinamentos dos outros, e nos valessemos somente daquilo que sabemos ainda hoje estaríamos a esfregar dois pedaços de madeira para acender o lume.
      Também penso que ser professor das primeiras letras é das profissões mais dignas e prestigiantes. Fazer luz nos cérebros que ainda estão às escuras é dar ferramentas para voar alto e longe. O meu maior desgosto quando pegava nos livros escolares da minha mana, er aolhar para aqueles caracteres e não ver mais do que rabiscos. A minha maior felicidade de criança, foi aprender a ler.
      Mas isto das opiniões alheias acerca de decisões nossas, é águas de outras fontes, José, nada a ver uma coisa com a outra.

      Quanto ao Mia, miamos em uníssono...:)

      Beijinhos

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