Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura.
"Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Acto banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto.
Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objecto a ser comido, transformou-se em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementares", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e disse-lhe:
"Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: "Rosa de água com escamas de cristal".
Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
* Crónica escrita por Rubem Alves (Excerto)
Já em tempos publicada aqui.
(Na anterior publicação está presente a "Ode à Cebola" de Neruda. Hoje, lembrei-me de quão diferentes dos nossos - olhares vulgares - podem ser, e são, os olhares dos Poetas.)
Preciso dizer a autoria das fotos? Minhas, claro! 😊 |
Os olhos dos poetas são sempre olhos virgens.
ResponderEliminarÀs vezes tento olhar para as coisas como se fosse a primeira vez!
Abraço
Serão virgens, os olhares dos poetas, porque não foram conspurcados pelas impurezas do mundo real.
EliminarÉ sempre bom olhar para as coisas que nos rodeiam, como se as vissemos pela primeira vez. Por certo lhes encontraremos algo belo, que o hábito nos impediu de ver.
Um abraço, Leo.
Achei muito interessante essa crónica que nos explica como os olhares de muitos de nós, não só dos poetas, pode ser diferente. Rúbem Alves usa uma actividade comum para simplesmente evidenciar que somos mentes e experiências diferentes face à vida e que nem sempre valorizamos o que é simples e comum.
ResponderEliminarObrigado, um abraço.
Uma menção às fotos, tanto a de "estúdio" como a de exterior estão bem conseguidas.
EliminarLá está...o Luís analisou a Crónica com o seu olhar de Poeta, por isso soube tão bem compreender o sentido das palavras.
EliminarNão quero que pense que desejo afagar-lhe o ego, até porque não é essa a minha intenção. Foi hoje quando visitei o seu espaço, logo pela manhã, ainda antes de o comentar, que fiquei a magicar em como podem ser diferentes as formas de um Poeta olhar e escrever, sobre o que vê, observa e sente.
Foi aí que pensei nesta complicada Arte de Ver, ou seja, nesta minha antiga publicação e fui no seu encalço.
Fiquei imensamente feliz por ter vindo, lido e gostado.
Muito Obrigada. Um abraço.
Ah, grata pela referência às fotografias.
EliminarSempre é um incentivo para continuar a retratar... :-)
Que belo texto, Janita. Gostei muito da ideia de encontrarmos novidade nas coisas simples com que lidamos no dia a dia. E os poetas dão uma boa ajuda. Como a do cronista e de Neruda. E também a sua, Janita, senão não tinha escolhido o tema.
ResponderEliminarUm beijinho e boa semana.
Olá, Mª Dolores.
EliminarO texto é de facto de uma beleza quase etérea, porque foi escrito por alguém especial, que vê muito para lá do que está à vista.
Como eu frisei há cerca de seis anos, na publicação que refiro abaixo do texto, eu só vejo o que vejo, sem conseguir enxergar numa cebola as belezas que Neruda refere na sua Ode.
Creio que o meu deslumbramento pela Poesia vem justamente da minha incapacidade de criar algo verdadeiramente mágico.
E tenho tanta pena...
Obrigada, um beijinho e boa semana.
Olá,Janita
ResponderEliminarPorque este mundo já cá estava quando nascemos e porque nele fomos crescendo, tudo o que nele víamos era para nós coisa natural, banal, sem “nunca” nos interrogarmos como tudo terá sido criado - e muito menos ainda sobre a grandeza da obra feita.Até ao dia em que nos começamos a questionar como tudo terá começado: e então é inevitável o deslumbramento...
Bela escolha de tema!
Beijinhos amigos
Vitor
Olá, Amigo Vitor.
EliminarTu, enquanto escritor de histórias deliciosas, tens também essa capacidade de te debruçares sobre temas que envolvem uma certa magia. O teu olhar não é igual ao do comum mortal. Eu sei disso. Deslumbrei-me muitas vezes, enquanto navegava ao sabor das tuas palavras. Pena teres deixado de escrever, Vitor.
Muito Obrigada, e um grande abraço muitos amigo.
Beijinhos.
Obrigado, Janita.
EliminarEu é que tenho muito a agradecer-te Vitor, muito mesmo!
EliminarBeijinhos.
"" Os olhos dos poetas ensinam a ver ""
ResponderEliminarEstá tudo dito. As fotos são muito bonitas. Gostei.
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Cumprimentos
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Enquanto alguém que escreve poemas, também o Ricardo terá um olhar diferente sobra as coisas. Creio que a si, não lhe seria difícil olhar uma cebola, despi-la camada a camada, e ver nela uma radiosa e alva frescura qual cristalino corpo celestial...ou seria?
EliminarCumprimentos.
Mas que interessante! Lol Adorei a conjugação :)
ResponderEliminar-
Beijos, e uma excelente semana :)
Muito interessante mesmo, Cidália.
EliminarConcordo inteiramente consigo.
Beijinho, boa semana.
É a diferença entre "o olhar" e o "ver".
ResponderEliminarPor mais que se olhe nem sempre se consegue ver.
E para que os vejas bem aqui te deixo uma remessa de beijos à vista de muitos sorrisos.
Nem mais, mas isso tu sabes ver a diferença, amigo Kok!!
EliminarTambém és óptimo a descobrir coisas que mais ninguém vê.
Ele são pombos a namoriscar, estrelas em céus de encantar e muito, muito mais beleza nas coisas mais triviais.
Sorrisos, venham eles e abraços também.
Beijinhos.
Ora cá estou a espreitar.
ResponderEliminarA faca é desmesurada para o tamanho da cebola, é um facalhão que dava para matar porcos. Poderá dizer-se que a cebola é bonita ou apenas arte da fotógrafa? Bonitas, as flores (brincos de princesa, não é?). Creio que já as vi por aqui.
Então estou com feitio?
bji.
É sim senhor! A faca está despropositada para algo que se desejava frágil, leve, ave formosa de penas radiosas. Mas que quer? Descurei o décord...mea culpa.
EliminarViu sim, e tomara que ainda veja os brincos por aqui muitas vezes mais. É sinal de que ambos ainda andamos a navegar por estes mares.
Beijinhos
Entretanto, esqueci-me do texto publicado, bem esgalhado (que raio de palavrão!)
ResponderEliminar+ 1
Esqueceu-se do texto publicada agora e esqueceu-se de ler com atenção suficiente para recuar seis anos e ler as coisas que então disse. Acho que naquele tempo eramos mais interventivos e menos apagados, tinhamos um brilho que foi perdendo fulgor.
EliminarQue pena!
pois são mesmo diferentes os olhos deles...até conseguem ver a cor do vento.
ResponderEliminarabraço Janita
Olá Maceta.
EliminarSabe? Também o seu olhar tem a sabedoria e a Arte do olhar dos Poetas...Obrigada!
Um abraço.
Boa noite de serenidade, querida amiga Janita!
ResponderEliminarOs olhos do poeta vêem com sensibilidade e sentem assim também... Também nos ensinam a agirmos da mesma forma.
Gosto muito da criatividade sua em relação à temática poesia. Desmistifica conceitos ultrapassados com sutileza poética sua.
Gostei muito.
Tenha dias abençoados!
Beijinhos carinhosos e fraternos de paz e bem
Amiga Rosélia.
EliminarA sua inexcedível tolerância, compreensão e carinho, é algo que nos revela a sua grandeza de alma. Grata pela boa vontade com que nos lê e comenta.
Sim, sem sensibilidade não seria possível aos Poetas sonhar e fazer-nos a nós sonhar. A vida seria bem árida sem Poesia.
Muito grata pelas suas generosas palavras.
Beijinhos e abraços.
Lá se foi o novo comentário. Há que o repetir.
ResponderEliminarQuem lhe disse que não li o texto acima e o publicado há 5 anos, e não 6, incluindo o meu próprio comentário então.
Já dizia o Luiz Vaz que "mudam-se os tempos..."
(Já teve oportunidade de espreitar as crónicas do meu Amigo JB sobre o bota abaixismo?
+1
Já me tem acontecido e não acho isso nada agradável. Já me tem acontecido também.
EliminarPois, tem toda a razão. Foi há 5 e não há 6 anos como eu erradamente disse.
Não José, ainda não vi tudo. Assim termine dar-lhe-ei conta da minha opinião. Acho que deveria incentivar esse seu amigo a criar um blog. Teria um óptimo espaço onde dar largas aos seus vastos conhecimentos. Depois, tem uma aptidão nata para a escrita e um espírito observador crítico fabuloso.
Gosto de o ler, sim. Obrigada pela partilha.
Beijinho, boa noite.
Desculpe, acho que o sono me faz repetitiva. Duas vezes a mesma frase? Valha-me a Santa! :)
EliminarOs olhos dos poetas so podem estar nas suas proprias orbitas
ResponderEliminarSao tao espexificos e proprios que nao caberism em mais nenhukas
😉
Gostei
Olá, Miguel!
EliminarSe olhar para as suas palavras, tentando ver com olhos de poeta, vejo-lhes alguma poesia, mas...e se no meu olhar não houver nenhum resquício de magia...humm? :)
Obrigada, abraço.
Compreebdo o que diz
EliminarFaz sentido
🙂
Por isso que se diz, que o homem tem dois olhares, o que enxerga e o que vê. Linda partilha Janita, que nos faz buscar entender o que está além. Gilberto Gil já dizia, que quando um poeta diz lata, pode estar querendo dizer do incontido. As metáforas o inspiraram bem.
ResponderEliminarGrato amiga.
Carinhoso abraço e feliz semana de leveza e delicadezas.
Olá, amigo Toninho.
EliminarEssa capacidade de olhar e ver, não está ao alcance de todos. Somente os dotados de uma grande sensibilidade sabem fazer essa destrinça.
Falou no Gilberto, esse grande prodígio na construção de metáforas nas letras das suas canções. Todos sabemos que uma lata, serve para conter algo. Mas na boca de um Poeta, dizer LATA pode ser para conter o incontível. Quanta beleza e magia há nisso, né?
Grata lhe fico eu pelas suas honrosas visitas, meu amigo.
Muito Obrigada.
Beijo com carinho.
Alguns poetas são realmente admiráveis, Janita, a percepção para o belo é um exercício diário e parece que são mais sonhadores que qualquer mortal _ uma cebola que para nós é um ingrediente para eles se transforma em 'uma rosa com escamas de cristal' rs
ResponderEliminarGosto muito deles ! e queria ter um pouquinho dessa mágica .
Obrigada pelo acolhimento e que seu 'feeling' para a poesia continue forte porque é promissor.
meu abraço e bom amanhecer.
Acredito que até para sonhar, e saber transportar o sonho e a magia para as palavras escritas, seja necessário um exercício permanente. Talvez a inércia seja a pior inimiga da Poesia.
EliminarGostei desse teu ponto de vista, querida Lis. Acho que até trouxe algum alívio ao meu sentimento de culpa... :)
Um grande abraço e beijinhos amigos.
Só um grande poeta consegue transformar uma cebola em algo de interessante.
ResponderEliminarBeijinhos
Interessante e belo, Pedro!
EliminarÉ preciso ter-se Alma onde a magia tenha feito morada, se não nada feito. :)
Beijinhos
Que texto bonito, Janita. Não conhecia, nem esse, nem a ode do Neruda.
ResponderEliminarGostei mesmo.
[Já eu, e voltando também atrás no tempo, não vejo grande coisa: https://aesquinadatecla.blogspot.com/2012/10/chorei.html#comment-form] ... Desculpa mandar-te para a minha esquina, mas lembrei-me desta pequena parvoíce. :)
Já lá estive e não me consegui conter sem verter algumas lágrimas contigo, Luísa. :-))
EliminarÉ tal e qual eu já te havia dito antes de ir dormir:
Tens Alma e Olhar de Poeta. E mais, consegues aliar a esse dom, o de escrever divinamente.
Um abração. :)
Os poetas têm o dom de transformar coisas simples em verdadeiras obras de arte .
ResponderEliminarGostei do teu tabuleiro bordado, és uma verdadeira fada do lar.
O teu brinco ficou dependurado no meu olhar.
Beijinhos Janita
🥰
Desencontramo-nos, querida Manu!!
EliminarEnquanto eu andava pela tua 'casa', vieste tu à minha.
Nada de grave, acontece.
Achei um piadão à tua frase final...🤩
Pendurar brincos no olhar, é próprio de quem tem Poesia no Olhar. Tu tens!!
Beijinhos, amiga querida! 🥰 🥰