quinta-feira, 25 de março de 2021

O VELHO QUE SABIA DEMAIS.

 


Era uma vez um velho Sábio que tinha lido todos os livros e sabia tudo. Nada do que existia, e mesmo do que não existia, tinha para si segredos. 

Sabia quantas estrelas há no céu e quantos dias tem o mundo.

Conversava com os animais e com as plantas e conhecia o passado, o presente e o futuro. Até sabia que um dia, hoje, a esta hora… eu estaria aqui a contar-vos esta história.

Como sabia todas as coisas e não tinha nada de novo para saber e conhecer, a sua vida era muito triste e desinteressante. Era uma vida sem espanto, onde nada de novo e surpreendente acontecia e todos os dias eram iguais a todos os dias. Mesmo coisas tão estranhas e misteriosas, como, por exemplo, os cortinados do quarto agitando-se, à noite, ou os móveis rangendo como se falassem uns com os outros, não tinham para ele qualquer mistério.

Às vezes apetecia ao Sábio não saber qualquer coisa, poder perguntar a alguém qualquer coisa que não soubesse. Por exemplo, poder perguntar as horas; ou “Que dia é hoje?”; ou “Tem passado bem?” a alguém. Mas vivia fechado na sua Biblioteca e não tinha ninguém a quem perguntar nada. E, mesmo se tivesse, mal acabava de pensar numa pergunta, já sabia a resposta antes que lhe respondessem.

Até que, um dia, bateu à porta da Biblioteca um Estrangeiro. O Sábio abriu-lhe a porta e o Estrangeiro disse: 

– Venho buscar-te.

– Eu sei. És a Morte.

– Não sou nada a Morte, sou um Estrangeiro.

– Eu sei tudo, e sei que és a Morte.

– Enganas-te. Venho da parte do Imperador que quer falar contigo porque está a morrer e ouviu dizer que só tu sabes como são os lugares para onde se vai quando se morre.

– Não me iludes, Morte. Vieste buscar-me para me  me levar ao Reino das Sombras e não ao Palácio do Imperador.

– Se não acreditas em mim, vou-me embora.

 A Morte ficou zangadíssima por ter sido reconhecida, pois tinha tido um trabalhão a disfarçar-se de Estrangeiro. Mas, como a Morte é muito teimosa, passados alguns dias, disfarçou-se de novo,  coloca uma máscara de Palhaço e bate à porta da Biblioteca. 

 – Venho buscar-te.

 – Eu sei. És outra vez a Morte.

– Estás enganado, venho buscar-te para te levar a uma festa. A cidade tem muito orgulho em ter um homem tão sábio e tão ilustre entre os seus habitantes e o Governador decidiu organizar uma grande festa em tua honra.

– Não, Morte, não me enganas eu sei que vieste buscar-me para me levar ao Reino das Sombras e não à Festa do Governador. 

 – A Morte estava cada vez mais zangada, porque estava escrito algures (no sítio onde essas coisas estão escritas) que o Sábio deveria morrer sem reconhecer a Morte e sem saber que morria.

Por isso, alguns meses depois, voltou a aparecer-lhe, desta vez disfarçada de uma linda Rapariga.

A Morte põe a máscara de Rapariga e bate à porta da Biblioteca. 

– Venho pedir-te em casamento. Vem comigo, os convidados já chegaram, a boda já está servida…

– Aceito o teu noivado, Morte, e irei contigo.

 – Enganas-te. Eu não sou a Morte, sou aquela que há muitos anos amaste, lembras-te?

 – Sim. Como poderia esquecer-me de ti? Há quanto tempo te esperava.


Continua...


"História do Sábio Fechado na sua Biblioteca" 
       de Manuel António Pina
Ilustração de Guilherme Castro 

 


24 comentários:

  1. Vou ficar para ler a continuação, obviamente.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Esta história, que era para sair no fim-de-semana, saiu agora para o ter como leitor, Pedro.
      Obrigada por ficar.
      Beijinhos.

      Eliminar
  2. Um conto muito interessante. Que bom que se lembrou de o partilhar.
    Abraço e saúde

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Coisas há que merecem e devem ser partilhadas, Elvira.
      Guardar só para nós as coisas que gostamos e nos trouxeram ensinamentos preciosos, até é desperdício.
      Abraços e muita saúde. Isso é que importa acima de tudo.

      Eliminar
  3. Também aguardo a continuação.....😊

    ResponderEliminar
  4. Respostas
    1. Agora,JR?... A tal publicidade às tintas dizia: "Bate-chapas e tintas Robbialac.. Como não sou publicitária nem vendo coisa nenhuma, digo: «Quem esperar saberá». 😊

      Bom dia!

      Eliminar
    2. Ainda bem, JR! 😊

      Sabe que há muito boa gente que considera estes meus ditos como coisas de pessoa mal-educada? 😊
      Abraço.

      Eliminar
  5. Fiquei em suspense...
    Aguardo ansiosa o desfecho.
    Beijinhos Janita

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Penso que o desfecho é aquele que espera TODOS os que sabendo TUDO, - ou julgando saber - pouco sabem do essencial à vida.
      É um conto diferente, escrito por que sabe de escrita.

      Beijinhos, querida Manu.

      Eliminar
  6. Será que só os Sábios reconhecem a Morte?
    Espero as cenas do próximo capítulo!

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quando essa aparição, derradeira, vem mascarada qual lobo vestido com a pele de cordeiro, é preciso sabedoria para não cair na esparrela, Leo. 😊 Poucos seres viventes a saberão despistar, mas por vezes acontece, e aos melhores.
      Talvez sejam dois capítulos mais, para não vos cansar com leituras extensas.

      Um abraço.

      Eliminar
  7. Veremos o que nos espera a continuação de uma publicação interessante.
    Beijinho, Janita.
    Não assustes a malta!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ahahahahahahah...Longe de mim assustar a freguesia, António.
      Eu quero é ter-vos junto comigo, o resto do tempo que me resta, nestas andanças blogueiras.

      Beijinho.
      Quem espera sempre alcança, meu amigo. :)

      Eliminar
  8. Deve ser muito cansativo e monótono saber tudo.

    E eu que gosto tanto de aprender! Tenho uma colega que diz que nasceu

    para transmitir conhecimento. No meu caso, foi para adquirir.

    Cá para mim, esta história vai ter um final surpreendente. Também

    fico á espera!

    Beijinho Janita,

    Sandra Martins

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O prazer da descoberta e do conhecimento é algo que deve ser feito gradualmente. Saber tudo é uma seca... 😊
      Mas grão a grão é iremos vendo como o velho sábio vai reagindo.
      Já tive de apagar uma data de frases que tinha escrito porque me apercebi que estava a revelar o melhor da festa...

      Beijinhos, Sandra.
      Obrigada por estar comigo.

      Eliminar
  9. É tão reconfortante Manuel António Pina
    Sempre gostei

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Então, Miguel, leia o conto até ao final. 😊

      Vai sair a 2^parte.

      Obrigada por ter vindo.

      Eliminar
  10. Como é que acaba? Quando é que vamos saber o final?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já vais ver, Gábi.
      Hoje sai a 2ª parte e amanhã, Domingo, sai o The End....
      ...surpreendente, ou talvez, nem tanto. 😊

      Beijinho, boa noite.

      Eliminar