quinta-feira, 24 de março de 2022

DAR ABRIGO AO ABANDONO.

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Ruína

 “Um monge descabelado me disse no caminho: Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou: Digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo”. 

E o monge calou-se descabelado”.

***

Poema de Manoel de Barros.
Poeta brasileiro.
Nasceu a 19 de Dezembro de 1916,
em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil.
Faleceu a 13 de Novembro de 2014,
em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil.

Estas casas não são ruínas que o tempo e o abandono degradaram.
São casa destruídas por militares russos durante um 
bombardeamento em Mariupol, na Ucrânia.
Não sei se algum dia poderá nascer entre os seus escombros,
a palavra AMOR, um lírio ou qualquer outra flor.
Tenho esperança que algo de bom renasça, sim!

*****




💙💛




32 comentários:

  1. Um país a ser destruído à frente dos nossos olhos :(
    FDP!!!!!
    Beijinhos

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    1. E o que mais me dói e repudio veementemente, Pedro, com o beneplácito de tantos. Desde os mais poderosos, aos simples cidadãos de mentes embutidas por doutrinas cruéis e desumanas.
      E lá vão lavando as suas consciências, falando de flores.

      Beijinhos.

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  2. As ruínas têm inúmeras cores, mas todas elas sombrias. Algumas até têm cheiros, como as da destruição provocada pelas guerras.
    O poema do Manuel de Barros é magistral.
    O que se está a passar na Ucrânia, com tanta destruição material e humana, é um crime monstruoso. Que terá repercussões brutais em todo o planeta, principalmente na Rússia.
    Continuação de boa semana, amiga Janita.
    Beijo.

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    1. Grande verdade, amigo Jaime! As cores de qualquer ruína não são alegres nem coloridas, embora a sua origem possa dever-se, neste momento, a uma única cor. O vermelho sangrento da Rússia.
      Com isto não quero dizer que o Regime que o ditador defende, esteja de acordo com os ideais comunistas. Longe disso! Pela sua união de interesses económicos com os magnatas russos, estará mais de acordo com o capitalismo fascista do que do lado do interesse do proletariado. Uma salgalhada e tanto...que se resume unicamente ao grande cretino que ele é.

      Obrigada, Jaime, por me trazer as suas aconchegantes palavras de apoio.
      Um forte abraço e tudo de bom.

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  3. Gosto do céu da tua rua que contrasta com o da Ucrânia...cinzento e sem o azul que deveria ser normal.
    O poema é lindíssimo!
    Quero acreditar que um dia começará a nascer aqui e ali uma flor no meio dos destroços.
    Ontem fiquei comovida ao ver um homem sozinho no meio de uma praça a tocar violoncelo. Se as flores não nascerem, há sempre a força de um povo que resiste a todo o custo.

    Beijinhos amiga Janita

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    1. Centremo-nos no poema, amiga Manu.
      Nem tu nem eu percebemos de estratégias político-militares, apenas deixamos falar o coração quando vemos o sofrimento de um povo, que estava descansadinho da vida, no seu labor e, de repente, se viu confrontado com situações terríveis de perda de familiares e amigos, de uma hora para a outra. Só quem sente estas coisas na pele, saberá o que se sente. Nós, só podemos reconhecer quão valentes são os povos que resistem e defendem o que lhes pertence.

      Beijinhos, querida Manu. Obrigada.

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  4. Linda lenda e tristes ruínas essas.Uma dor enorme ao ver e pensar! beijos, chica

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    1. Querida Chica.
      Não faço a menor ideia das imagens que vos chegam desta atrocidade inadmissível no século XXI. Nós, aqui, temos acompanhado praticamente tudo desde o primeiro momento e tem sido horrível.
      Os comparsas de Putin, segundo as últimas notícias, começaram a desaparecer de circulação. Se de livre vontade, se por se terem manifestado a favor do bom-senso da retirada e o chefão lhes ter tirar o pio, não sei!
      Quem oiço e em cujas palavras confio, é em José Milhazes, jornalista que nasceu no Norte de Portugal, domina o idioma russo e é um homem honesto. No resto, avalio o que vejo.

      Beijinhos.


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  5. O poema é excelente e intemporal e recitado por Maria Bethânia fico mais vivo. Gostei imenso.
    Á frente dos nossos olhos decorreu a destruição total na Síria feita pelo mesmo "crápula nojento" para salvar outro crápula. Voltaram os habitantes e com "nada ou quase nada" fizeram remendos e vivem como vivem porque nascem, crescem, vivem e morrem debaixo da poeira.
    Á frente dos nossos olhos decorreu a carnificina em Timor porque a Indonésia assim o quis. O mundo uniu-se e Portugal teve um papel importante. Os timorenses fizeram das tripas coração e pelo menos têm paz.
    Poderia falar de outras guerras que ainda ocorrem e que o mundo fecha os olhos.
    Hoje é na Ucrânia e elogio a força do povo que resiste ao crápula russo e seus oligarcas do raio que os parta.
    Vejo que muitos voltam por serem jovens e acredito que eles irão reconstruir o país porque para além de serem optimistas é um povo muito unido, alegre e conseguem construir defesas do país. Enquanto quem mais pode é reuniões atrás de reuniões que demoram tempo enquanto para os ucranianos o tempo é e será para "ontem".
    Que revolta amiga e se eu tivesse poderes mágicos o "Carniceiro e quem o apoia" já tinham ido para os porcos.
    A esperança e o meu optimismo permanecem e em breve tudo se irá resolver.
    Beijos e um bom dia

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    1. Fatyly, estou contigo em tudo o que referes excepto num ponto.
      Não é certo que o "mundo tenha fechado os olhos" aquando das guerras que referes. Entendo como «mundo» as pessoas anónimas, o cidadão comum, nos quais nos incluímos já que, nem tu nem eu nem a maioria das pessoas, que por aqui navegam, têm importância na tomada de posição que mude o curso dos acontecimentos. Sejam os actuais, fossem os acontecimentos passados. Todas as vidas são importantes! Não me venham com idiotices, como as que tenho lido por aí, quando bocas foleiras vão destilando veneno acerca do acolhimento dado a estes refugiados, só porque são "loirinhos, de olhos azuis e pele branca".
      Aí, podem ir pregar para outra freguesia, aqui, no meu espaço, não entram!

      Abraço com votos de um dia calmo e soalheiro.
      Aproveita e vai laurear a pevide.

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    2. Subscrevo inteiramente esta tua resposta e jamais em tempo algum sou contra esta onda de solidariedade porque afinal é um país da UE e foi preciso esta tragédia acontecer para que finalmente os países de unissem a sério e também sou contra qualquer descriminação e maldade feita sobre qualquer povo.
      Beijos e já fui laurear a pevide:)))

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  6. Boa tarde
    Uma mensagem do tempo no tempo .

    JR

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    1. Intemporal! Para sermos mais precisos, caro JR!
      Cretinos, invasores do alheio e tiranos, já nós sabemos o que são.

      Boa tarde e dia feliz.

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  7. Já aqui manifestei a minha opinião acerca da loucura que se está a passar na Ucrânia. E o Sr "Pudim" devia era ter o tratamento que tem dado a quem tem a coragem de se manifestar contra ele.

    Felizmente que, por cada "voz de burro", há dois ou três corações capazes de ajudar.

    Mas, o título do seu post, não me remete só para isso.

    Há tantas formas, tão bonitas e ás vezes muito simples, de "dar abrigo ao abandono". Esta expressão é mesmo bonita!

    Um mero sorriso, um bom-dia, uma palavra de reconforto.

    Ou um abraço, que lhe deixo!

    Sandra Martins

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    1. Olá, Sandra!
      Na verdade, quando comecei esta publicação, era mais para me debruçar sobre o vazio que se criou em torno dessa palavra, tão bonita, tão cheia de significado; a palavra AMOR. Por força de tanto a usarmos e termos vulgarizado ficou gasta e quase sem o verdadeiro sentido. Mas, como o pensamento voa sempre mais alto e mais rápido para as causas a que todos assistimos e não é mais do que o desamor ao próximo, aliei casebres a destroços e a choupana que em gostaria de abrigar o abandono, trouxe-me de volta à crua realidade.
      Não é fácil alhearmo-nos desta tragédia.

      Um abraço grato, Sandra.
      Tudo de bom para si, aí p'los Algarves.

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    2. Vou fazer uma sugestão. Espero sinceramente que não leve a mal.

      Segue o blog "Á Esquina da Tecla". Entre e procure o "Alice alfazema".

      Gosto muito e hoje gostei particularmente. Parece quase um complemento, uma resposta a este seu.

      Mais uma vez espero que não leve a mal.

      Um abraço, Janita!

      Sandra Martins

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    3. Fui ver...é de facto um texto que nos enternece e, creio, foi escrito com bastante sentimento solidário mas, também, muito espírito criativo e literário. A ficção faz parte dos profissionais ou semi-profissionais da escrita. Não é o meu caso. Não relato episódios acontecidos comigo, não gosto de apelar à lágrima fácil. Apenas publico o que outros já escreveram e sentimentos muito meus, sem me deter a pensar se vou encontrar eco em quem gostar de me visitar.
      De qualquer modo, querida Sandra, compreendo o seu raciocínio e sim, nessa parte em que dar abrigo a nobres sentimentos se torna imperioso nos dias que correm e na solidariedade com a Ucrânia e o seu Povo nobre e valente, há um certo complemento nessa publicação e a minha - a fragrância que me lembra a minha meninice: o odor a alfazema. :)

      Beijinhos e bom fim-de-semana.

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  8. Li a tua resposta á Faty e só acredito por seres tu a escrevê-lo, Janita. Como tu, também eu fico " de boca aberta " e com vontade de os tratar mal, quando leio por aí ( nos mesmos lugares que tu) justificativas para esta invasão da Rússia. Essas ideologias já estão ultrapassadas, mas há pessoas que ainda mantêm essa ideia do capitalismo e proletariado, como se um pudesse viver sem o outro. Às vezes interrogo-mo sobre o trabalho dessas pessoas; onde trabalharão eles, fi,hos e netos; ou têm negócio próprio e pt estão entre os tais " capitalistas " ou trabalham em alguma empresa e por isso são os tais " proletariado ". Há empregados muito bons e outros maus, assim como há patrões excelentes e outros péssimos. Costuma-se dizer que o " bom empregado faz um bom patrão e um
    bom patrão faz bons empregados". Então nós recebemos bem os ucranianos por serem loirinhos e de olhos azuis? Quanta ignorância, querida Amiga! Mas, infelizmente é com essa ignorância que temos de viver, mas, como tu, no Começar de novo não terão lugar pessoas dessas. Não tenho moderação de comentários, mas sei como responder e sei também anular os disparates que porventura apareçam. Adorei ouvir a Maria Bethania que já tive o prazer de ver ao vivo aqui no coliseu do Porto. Com certeza já sabes da m8nha relação com o Brasil; vivi lá muitos anos e os meus filhos ( um de 45 e uma de 40 ) são brasileiros. Adoro esse pais cujo povo é fantástico. Amiga, estou contigo no apoio à Ucrania até ao fim. Obrigada pelos teus alertas e por este video maravilhoso. Um beijinho
    Emilia
    👏 🕊

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    1. Gostaria de acrescentar que também gosto muito do José !
      Milhazes, da Póvoa de Varzim, bem pertinho d3 Vila Nova d3 Famalicão. Conheci-o no programa Invasões Bárbaras que dava todos os Sabados por volta da uma da manhã. A apresentadora dorograma era uma ucraniana que vive em Portugal desde criança. Desde o comeco da guerra que não passa esse programa e já vi a ucraniana, uma vez, numa dessas reportagens sobre a guerra; espero que não tenya acontecido nada de grave, pois não a tenho visto. Desculpa este aparte, mas vi, numa resposta acima, que gostas do Milhazes. Além dele, comenta o Nuno Rogeiro que também admiro muito. Beijinhos, Janita!
      Emilia

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    2. Cara amiga Emília.
      Sabe? Andamos todos revoltados - e não é caso para menos - porém, precisamos colocar uma certa contenção na forma como nos deixamos envolver por essa revolta contra Putin, sob pena de sermos mais umas quantas vítimas da sua crueldade.
      É evidente que, apesar de falar no plural, me refiro a mim, que até o sono trago alterado e o pouco que durmo é em sobressalto.
      Por tudo isso, peço-lhe desculpa mas não irei responder-lhe de acordo com o seu comentário.
      Sim, prezo muito a opinião de José Milhazes, ele conhece bem a realidade da Rússia pois viveu lá e tem acompanhado tudo o que por lá acontece.
      Talvez num outro dia possamos voltar ao assunto e, quem sabe, já haja luz ao fundo do túnel. Por agora não consigo.

      Um beijinho grato e tudo de bom para a Emília e os seus.

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  9. Uma publicação muito interessante!
    Quanto à Cidade destruída por completo tenho fé que uma flor nascerá dela exale a palavra amor, e, recomece uma nova aldeia... Não tenho palavras. Nem sei o que digo nem digo o que sei. Acho chocada com tanto terror e estou apenas como telespectadora.
    Ainda à pouco um casal estava a ser entrevistado, conseguiram escapar. Têm fome. Os Fdpts, até a alimentação lhes roubaram. Ficaram para contar a história. Como eles outros.
    Por favor Mundo, ajudem esta gente que está por lá perdido 😢
    --

    Votos de uma excelente noite.
    Beijos

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    1. Infelizmente, Cidália, não é só uma cidade que foi destruída, são vários os pontos estratégicos de outras cidades que têm sido bombardeados. Pode ser que este flagelo esteja perto do fim, ou pode ser que piore. Somos simples peões neste jogo de interesses. Malditos sejam!

      Uma boa noite e um forte abraço

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  10. Um excelente poema.
    Com muita tristeza, o mundo inteiro assiste a uma grande destruição, contra um povo que só quer viver em paz.
    Infelizmente não há solução para este conflito e como sempre quem sofre é o povo.

    Um abraço

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    1. A solução vai ser encontrada certamente.
      Hoje já se alinhavaram alguns pontos. Se para melhorar ou piorar é o que se verá.
      Obrigada e um abraço.

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  11. Um poema bastante intenso. Lindíssimo.

    Beijinhos

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  12. Imagino ou compreendo a a razão da tua escolha até pela ilustração.
    Manoel de Barros dispensa comentários. Mas trago outro poeminha para a tua página, ainda que tenha passado a hora:

    O FOTÓGRAFO
    Difícil fotografar o silêncio.
    Entretanto tentei. Eu conto:
    Madrugada minha aldeia morta.
    Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas,
    Eu estava saindo de uma festa.
    Eram quase quatro horas da manhã.
    Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
    Preparei minha maquina.
    O silêncio era um carregador.
    Tive outras visões naquela madrugada.
    Preparei minha máquina de novo.
    Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
    Fotografei o perfume.
    Via uma lesma pregada na existência mais do que pedra.
    Fotografei a existência dela.
    Via ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
    Fotografei o perdão.
    Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa
    Fotografei o sobre.
    Por fim enxerguei a Nuvem de Calça
    Representou para mim que ela andava na aldeia
    de braços com Maiakovski - seu criador
    O Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
    Manoel de Barros

    Abraços, minha amiga Janita!
    Bom final de semana!

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    1. Amigo José Carlos.

      Talvez me vá repetir, talvez eu vá dizer algo semelhante ao que já lhe disse em outras ocasiões, mas tenho de o fazer, pois é algo que me vai libertar, por um lado, e, por outro, me vai reanimar a vontade de continuar por aqui.

      São estes momentos, em que as letras se entrecruzam com os afectos, que bendigo estas minhas andanças blogosfericas de há tantos anos. Eu explico. Esta dádiva poética de Manoel de Barros, que tão generosamente o meu amigo Poeta me traz, levou-me a Mayakovski e ao seu poema "Nuvem de Calças", numa cadeia de ligações riquíssimas. É esta abertura de espírito, esta vontade de "fotografar" para a posteridade os conhecimentos que se vão passando de mão em mão, que me têm enriquecido e feito crescer.
      Um poema tão belo, trazido por alguém que tanto admiro e estimo, não poderá ficar retido num comentário. Tentarei dar-lhe corpo numa futura publicação minha.
      Como já outro poeta disse, motivado por outro alguém:
      "Das Coisas Nascem Coisas"

      Meu querido Amigo, receio não encontrar palavras que traduzam a minha infinita gratidão, por estes momentos de indizível alegria e prazer. Muito Obrigada!

      Um enorme e apertado abraço, amigo José Carlos.

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  13. Que bom que você gostou do poema de Manoel de Barros escolhido por mim para dialogar com você. Meu ego está bem massageado, risos!
    Retribuo o abraço apertado com um beijinho, minha amiga Janita!
    Um bom final de semana!

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