quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

DA PANDEMIA E OUTROS DEMÓNIOS. *

Imagem da cientista, recolhida na Net.


 “Carta de Amor Numa Pandemia Vírica"


Gaitas de foles tocadas na Escócia

Tenores cantam desde varandas italianas

Os mortos não os escutarão

E os vivos querem carpir os seus mortos em silêncio

Quem desejam confortar?

As crianças?

Mas as crianças também estão a morrer

Nas minhas circunstâncias

Poderei morrer

Perguntando-me se vos irei ver de novo

Mas antes de morrer

Quero que saibam

Quanto gostava de vocês

Quanto me preocupava convosco

Quanto me recordava dos momentos partilhados e estimados

Momentos então

Eternidade agora

Poesia

Riso

Mar

Pôr do Sol

A pena que a gaivota levou para a nossa mesa

Pequeno-almoço

Botões de punho dourados

A magnólia

O hospital

Meias, pijamas e outras coisas acauteladas

Tudo momentos então

Eternidades agora

Porque poderei morrer e vós tereis de viver

Na vossa sobrevivência, a esperança da minha duração.

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Poema escrito pela imunologista Maria de Sousa que faleceu no dia 14 de Abril de 2020, vítima do novo coronavírus.

O poema foi redigido no dia 03 de Abril e em inglês, tal como a autora se expressava quando escrevia poesia.

A tradução é da jornalista Francisca Soares da Silva.


Quem desejar saber mais acerca desta cientista portuguesa, faça favor de clicar: AQUI 

E ouvi-la, AQUI.

* Inspirada no título do livro de  Gabriel García Márquez: "Do Amor e Outros Demónios"

Foto minha.


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32 comentários:

  1. Respostas
    1. Haverá algo alegre nesta pandemia?
      O poema foi o legado de quem sabia que ia morrer.

      Abraço Leo.

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  2. Espero que nunca tenhamos de escrever uma carta assim.
    Tanta lucidez!

    Beijinhos Janita

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    1. Querida Manu.
      Já escrevi e recebi cartas muito tristes - nos tempos em que ainda se escreviam cartas - mas nunca recebi nem escrevi, uma Carta/Poema a deixar transparecer tão grande mágoa.
      Tens razão...está latente, em cada palavra, uma amarga lucidez que nos faz pensar.

      Beijinhos, Manu.

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  3. Um poema cuja mensagem é tão profunda, como triste.
    .
    Tenha um dia feliz. Cumprimentos
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. Na verdade assim é, Ricardo.

      Obrigada por ter vindo ler.

      Retribuo os seus cumprimentos.

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  4. POESIA certa — no momento certo.

    Soube da sua morte — a mensagem ficou na minha mente.

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    1. Teresa.

      Só a morte, que também sabemos certa, nem sempre se faz anunciar, de modo a que dê tempo para se escrever sobre ela.
      Fiquei contente por teres vindo.

      Um abraço.

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  5. São 10 h da manhã.
    Reconheço a profundidade do poema.
    Mas terei que repetir a minha prática medidativa matinal para manter a esperança viva...
    Gostei de ver a tua fotografia.
    Bjos

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    1. Claro que tudo devemos fazer de modo a não deixar que a esperança nos abandone, Catarina. O que seria da humanidade sem essa réstea de luz a iluminar-nos a alma?

      Beijinhos. :)

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  6. Evito falar da pandemia, tantos são os 'especialistas da especialidade' por aí espelhados.
    Deixo-te apenas um beijinho.

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    1. Tão pouco eu falei, caro António. Que poderia eu dizer?
      Deixei foi falar quem tão bem e tão intimamente ligada a ela, o soube fazer.

      Leva também um beijinho meu. :)

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  7. Um poema poderoso. Se calhar foi a despedida da Poetiza!
    -
    Olho para trás, continua a saudade ...
    -
    Beijo, e um dia feliz.

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    1. Foi sim, Cidália. Pelo menos foi o último que escreveu. Foi praticamente um poema/mensagem de despedida.

      Beijo e obrigada por ter vindo ler.

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  8. Eu tenho o livro " Um mundo imaginado". Li-o há muitos anos e depois passei-o à minha filha. Quero muito acreditar que foi por ele que ela se tornou médica e virologista...
    A Maria de Sousa era uma pessoa fantástica!
    Estás a ver. Agora estamos de acordo.
    "Nina"

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    1. Que bom, UmaMaria. Fico tão contente!
      É que eu nunca li nenhum livro desta cientista.

      Não, agora sei que não podes ser a Nina. Em boa verdade já sabia. Quando ela ainda vem visitar-me costuma chamar-me "Nita" - se calhar, por ter preguiça em escrever o meu nome completo. :)

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    2. O livro foi escrito pela June Goodfield sobre a Maria. É uma edição da Gradiva. Comprei-o há muitos anos....não sei se a editora o reeditou...
      Tás a ver, se estivesse aí no Porto podia emprestar-to! 😊
      A minha filha está aí mas quem tem o livro sou eu! É um belo livro. Pena as bibliotecas estarem fechadas. É uma boa leitura para agora.

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    3. Calma...largos dias tem cem anos. 😅

      Beijinho, Maria.

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  9. Bonita homenagem a que me associo.
    Boa Tarde.

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    1. Fico muito feliz por isso.
      Obrigada.
      Boa noite e um abraço.

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  10. Uma Senhora, além de cientista de renome mundial. Ela sabia, certamente...
    bjis.

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    1. Sem dúvida, José. E sim, certamente, sabia.

      Mas antes de morrer
      Quero que saibam
      Quanto gostava de vocês
      Quanto me preocupava convosco...


      Uma mensagem de Amor.

      Um beijinho e obrigada, meu Amigo.

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  11. "Poema ECRITO". Será que ela ECREVEU o poema com letra de médico?

    É engraçado que há médicos que escrevem poesia nos tempos livres, mas não há poetas que são médicos nos tempos livres. Espera-se.

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    1. Deixa-me cá esfregar bem os olhos para ver se isto é mesmo verdade ou sou eu que estou com alucinações...:-))
      Raramente aqui vens e, quando vens, és tão picuínhas que vais logo reparar naquilo que ninguém reparou, nem eu.
      Já lá vou escrever o escrito como deve ser.

      Vou passar a 'esquecer' letras a ver se tu cá vens mais vezes, Zé da Trouxa.

      Toma lá um abraço para o caminho. ;)

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  12. A tristeza é até a tragédia têm tracos de beleza.
    Como tudo na existência humana
    Sentido e profundo

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    1. Como Manuel Vilas bem sabia: "Em Tudo Havia Beleza".
      E o Miguel sabe bem disso.
      O ser humano é belo sem ser perfeito.

      Um abraço e obrigada pelo excelente comentário e por ter vindo.

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  13. Lembro-me de ter lido várias coisas sobre ela, aquando da sua morte e de ler sobre o poema, mas não me lembro de o ter visto, muito menos lido.
    Abraço e saúde

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    1. Agora, Elvira, já pode dizer que viu e leu o Poema:
      “Carta de Amor Numa Pandemia Vírica".

      Um abraço e muita saúde, amiga.

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  14. Segui os links Janita e confesso que nem demorei muito, porque é de uma tristeza muito doída.
    Bom que deixou um legado tão bonito, para a família e os que com ela conviveu.
    A poesia, de muito sentimento e verdade.
    Desejando que tudo aí esteja caminhando melhor ,Janita
    meu abraço

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    1. Lis, já fui várias vezes ao seu blog e não consegui entrar, penso que o boicote já foi retirado pelo que farei nova tentativa.

      Um beijinho e obrigada, Lis.

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  15. É curiosa
    essa coincidência
    entre a poesia
    e a ciência

    Pena que se tenha finado...
    Quem não deve partir
    parte
    Triste fado!

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    1. Olá, Rogério!
      Desculpe tê-lo feito esperar, mas não sabia que estava aqui.

      Isso só nos prova que,
      cérebro e alma
      podem andar intimamente
      ligados e tal facto
      só nos engrandece
      e acalma.

      Experimente,
      levar,
      a par dessa sua luta
      o sentimento
      apaziguador
      de perdoar o destino.

      Um abraço.

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